Os minutos em que os submarinos ofuscaram o BES
Picardia entre Paulo Portas e socialista José Magalhães sobre a compra de submarinos marcou uma parte da audição do vice-primeiro-ministro, em que este admitiu que Salgado lhe pediu ajuda a 20 de Maio de 2014.
Na 51.ª audição da CPI, inquirido pela deputada do BE Mariana Mortágua, Paulo Portas garantiu que só teve conhecimento do que se passava no GES na reunião de 20 de Maio, embora tivesse tomado conhecimento dos factos que a comunicação social foi divulgando. Portas salientou ainda que Salgado lhe facultou dois documentos, entre eles um memorando que abordava a situação do GES, e não do BES, e a carta enviada ao BdP com as "críticas à actuação" de Carlos Costa. "Isto foi o essencial.” O governante contou também que deu conhecimento do encontro a Passos Coelho, que lhe deu também conta das reuniões em São Bento, mas garantiu que o tema nunca foi debatido dentro do Governo.
Portas reconheceu que quem tem, como é o seu caso, "como função apoiar a internacionalização das empresas e as exportações, tem de cooperar não só com o sector privado" e por arrastamento com o sector financeiro. "Como sabe, o BES tinha um papel importante no sector exportador.”
No memorando que Salgado entregou a Portas, o líder do GES pedia o apoio do Governo para sanear o grupo empresarial, o que envolvia um empréstimo da CGD. Portas afirmou que era consensual dentro do executivo não ser legal "nem aceitável" dar instruções ao banco público para salvar um grupo privado. E lembrou que Portugal já viu uma nacionalização e que o dossier correu mal. Um tema que Portas classificou como "muito doloroso do ponto de vista financeiro" por ter implicado uma nacionalização que "foi um desastre”: “Estou a referir-me à nacionalização do BPN”, explicou.
Sobre a medida encontrada pelo Governo para evitar o colapso do BES, Portas defende que o recurso ao Fundo de Resolução foi a solução certa: “Acho normal que a ministra das Finanças tenha afastado a nacionalização". Portas notou que o BdP afirmava naquela altura que a falência do BES teria "efeitos sistémicos" e que "todas as soluções para resolver erros e desmandos do sistema financeiro, devem ser procuradas tendo em conta a sua estabilidade" e protecção dos contribuintes. "Os contribuintes não têm de pagar os erros dos governantes", notou Portas, que voltou a recuperar o tema BPN: " Se há memória, é a nacionalização do BPN. Foi o contribuinte a pagar. Afastar as soluções de nacionalização, é a todos os títulos, conceptualmente, aceitável."
O vice-primeiro-ministro considerou que a responsabilidade do dossier GES/BES foi exclusivamente do Banco de Portugal e admitiu que falou com Carlos Costa sobre o tema quando foi a Angola, participar numa feira empresarial, pois admitia que o tema pudesse ser abordado pela comunicação social. Mas garantiu que desconhecia que medidas de estabilização foram negociadas entre os governadores do BdP e do Banco Central Angola. “Discrição é coisa que cada um entende em ter em maior ou menor grau. Não me ouviu fazer comentários sobre a situação do BES, por ter a noção dos efeitos que o problema poderia ter na economia."
"Nacionalização? Nunca mais”, disse Portas
Mariana Mortágua insistiu junto de Portas para saber de que falaram os governadores do BdP e do BCA. O governante respondeu que sabe “que os dois" estiveram à conversa, mas recusou dar mais detalhes sobre o tema. “Tem de perguntar ao governador”, disse Portas, concluindo: "Não tem mais história."
Para a deputada do BE, é muito "difícil acreditar que o Conselho de Ministros não soubesse que o BES ia ser intervencionado”. Por isso inquiriu o vice-primeiro-ministro: “A 2 de Agosto, sabia ou não que o banco ia ser intervencionado?" E Portas respondeu: "Não."
Mais tarde, a responder ao deputado do PSD Duarte Pacheco, Portas reforçou a tese de que "o Governo manteve sempre o princípio de que o interesse público é qualquer coisa de diferente da mera soma dos interesses particulares". E defendeu que o sistema financeiro não pode ser usado "como pronto-socorro do interesse privado."
Portas alegou mesmo que "o país tem razão para estar causticado sobre o que se passou no sistema financeiro”.
Sobre as declarações do presidente do BPI que esta terça-feira, pela manhã, esteve na CPI, a criticar a medida do Fundo de Resolução e a alegar que a intervenção no BES deveria ter ocorrido mais cedo, Portas chamou a atenção para o facto de Fernando Ulrich estar sobretudo "a defender os seus accionistas, o que é legítimo". Mas o banco "dele também foi ajudado pelo Estado". E notou que o "dr. Fernando Ulrich veio aqui dizer que o Governo [ao optar pela solução do Fundo de Resolução] está a jogar à roleta russa com o sistema financeiro”. Uma tese que mereceu uma resposta do vice-primeiro-ministro: “Foi o sistema financeiro que esteve a jogar à roleta russa com os contribuintes".
Portas admitiu, por outro lado, que a resolução não é isenta e riscos, mas protege mais os contribuintes. "Nacionalização? Nunca mais”, disse, lembrando que o BPN implicou uma perda de 5000 milhões de euros.
Sobre o colapso do BES, Portas argumentou que "há manifestamente falhas na gestão, há manifestamente falhas nas auditorias e nos sistemas de controlo internos para evitar estas situações. E há manifestamente falhas na supervisão", afirmou, acrescentando: "No BPN, a supervisão nem descobriu, nem evitou. No BES a supervisão descobriu e não evitou" o colapso.
Para o Governo, evidenciou Portas, o objectivo é que a venda do Novo Banco seja “o mais confortável possível do ponto de vista do interesse do país”, que evite contaminar (com perdas) os restantes bancos. “Prefiro ter uma visão com esperança nessa matéria”, diz o governante, para quem hoje “há mais razões para ter esperança”.
O confronto Portas-Magalhães
Um dos momentos mais intensos da audição de Paulo Portas foi o embate com o deputado socialista José Magalhães. Os dois “pegaram-se”, a ponto de obrigar Fernando Negrão, que lidera os trabalhos, a intervir para pedir “contenção” e “perguntas concretas”.
Portas virou-se para Magalhães e observou: "O senhor é igualzinho à dr.ª Ana Gomes.”, atirou o líder do CDS, acusando Magalhães: "O senhor deputado tem uma mente totalitária. Quando a realidade não bate certo, tenta mudar os factos. É igualzinho à dra Ana Gomes protegendo-se na imunidade parlamentar”. Portas reagiu assim a uma pergunta de Magalhães, na tentativa de relacionar o CDS/PP com o BES, sobre como que justifica "o milhão de euros depositados em contas do CDS em 2004?”.
"O senhor acha que vai tirar lã dos outros, mas vai acabar tosquiado", observou Portas. "Se eu quisesse favorecer o BES não tinha feito um leilão bancário. Escolhia a dedo como foi feito em Governo anterior ao meu."
Portas defendeu que o negócio dos submarinos [efectuado em 2004 quando era ministro da Defesa de Durão Barroso e que culminou no pagamento de comissões ao GES, que intermediou a operação] foi "um negócio melhor" do que o dos helicópteros realizado quando José Sócrates era primeiro-ministro. Para o governante "o principal partido da oposição tem uma obsessão sobre a aquisição submarina”.
Magalhães retorquiu que o vice-primeiro-ministro "é imbatível a auto-elogiar-se." Para o deputado socialista, o vice-primeiro-ministro apresentou ali versões que “não batem certo” com a realidade. Depois da troca de palavras entre Magalhães e Portas, Negrão passou a palavra à deputada do PP Cecília Meireles, dizendo: "Vamos então regressar à normalidade."
Cecília Meireles notou que "a musa inspiradora" de Magalhães "é a dr.ª Ana Gomes" e pediu ao deputado socialista que deixe o tema dos submarinos, envolto em insinuações e falsidades, e regresse ao debate sobre um tema sério, o BES e o GES.