Ministro do Ambiente indica ex-chefe de gabinete para entidade reguladora

Comissão de recrutamento levantou dúvidas sobre independência de vogal da futura administração da ERSAR, que será liderada por Orlando Borges, ex-presidente do Instituto da Água.

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Paulo Marcelo trabalhou com Jorge Moreira da Silva entre Julho de 2013 e Agosto de 2014 Enric Vives-Rubio

O jurista Paulo Marcelo, que trabalhou com Jorge Moreira da Silva durante pouco mais de um ano, entre Julho de 2013 e Agosto de 2014, é o nome escolhido pelo ministro para vogal da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). O presidente do conselho de administração será Orlando Borges, que tem uma carreira longa no sector das águas, tendo sido responsável máximo pelo Instituto da Água (Inag) durante mais de uma década. A economista Ana Albuquerque, da Universidade Nova de Lisboa e ex-directora no grupo EFACEC, também será vogal.

A ERSAR regula um sector com centenas de empresas e tem tarefas tão importantes como fixar tarifas e exigir que a água chegue ao consumidor com qualidade. Os seus poderes e independência foram recentemente reforçados por um novo estatuto, que surge na sequência da nova lei-quadro das entidades reguladoras em Portugal.

A escolha dos administradores foi alvo de um escrutínio tanto da Cresap, como da Assembleia da República, antes da decisão final que deverá ser tomada brevemente em Conselho de Ministros. É a primeira vez que tal acontece, desde que a nova lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em 2013, fixou que ambas as entidades tinham de ser ouvidas nestas nomeações, embora sem carácter vinculativo.

A Cresap considerou “adequado” o perfil dos três nomes indicados pelo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Mas apontou algumas limitações tanto a Ana Albuquerque, por não ter, por exemplo, experiência na optimização de recursos públicos, quanto a Paulo Marcelo, por ter sido chefe de gabinete de Moreira da Silva. Uma das qualidades que a Cresap considera necessárias para um gestor público é a da “cultura de independência”. E é neste ponto que o parecer levantou dúvidas em relação a Paulo Marcelo.

O jurista participou na preparação de várias iniciativas do Governo sobre as quais a ERSAR tem algum tipo de envolvimento ou tem uma palavra a dizer – como a reestruturação do grupo Águas de Portugal ou diplomas essenciais para o sector.

“De certa forma, é estranho que o dito autor do enquadramento legal, enquanto político (chefe de gabinete um ministro não é um cargo técnico), venha a ser, imediatamente, um interveniente privilegiado do processo, um pouco como se estivera legislando em causa própria”, escreve a Cresap, no parecer a que o PÚBLICO teve acesso. Esta situação, acrescenta, “não deixa de colocar em cima da mesa a intervenção directa num quadro regulatório que de seguida o irá envolver”. 

A experiência de Paulo Marcelo ao longo de 18 anos na área da regulação e concorrência – o seu domínio de especialização e no qual trabalhou como jurista, professor universitário e no sector privado, na Vodafone – prevaleceu e a Cresap emitiu um parecer favorável, remetendo para a Assembleia da República as dúvidas levantadas.

Quando os três profissionais indigitados para a ERSAR foram ouvidos na quarta-feira na comissão parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local, a questão da independência voltou a ser abordada. “Não vejo impedimento nenhum”, disse Orlando Borges, na primeira audição, referindo-se ao facto de Paulo Marcelo ter sido chefe de gabinete de Moreira da Silva. “Ter inclusive assumido [no seu curriculum vitae] ter participado nos processos de reorganização do sector são, para mim, actos de pura transparência”.

Orlando Borges também foi ele próprio questionado por ter exercido, durante anos, um cargo de nomeação política, o de presidente do Instituto da Água. E respondeu que trabalhou com oito ministros diferentes, de diversos partidos ou independentes. Paulo Marcelo, por sua vez, considerou positivo ter trabalhado em dossiers que afectam a área sob o chapéu da ERSAR. “Vejo isso como uma mais-valia. Enfim, conheço o sector”, disse aos deputados.

O jurista afirmou ainda que a ERSAR já se pronunciou sobre os dossiers nos quais trabalhou ou vai-se pronunciar antes do final do mandato da actual administração. “Em princípio não haverá nenhuma questão sobre a qual eu tenha trabalhado profissionalmente nas minhas anteriores funções e que terei de me pronunciar como eventual administrador da ERSAR”, disse.

“Nesta medida, é uma questão ultrapassada”, completou ao PÚBLICO, esta sexta-feira. E mesmo que por hipótese surja alguma questão em que tenha estado envolvido politicamente, Paulo Marcelo diz que irá abster-se de participar no processo decisório no conselho de administração, que é um órgão colegial.

Numa nota enviada ao PÚBLICO, o Ministério do Ambiente diz reconhecer no presidente indigitado da ERSAR, Orlando Borges, e nos vogais, Ana Albuquerque e Paulo Marcelo, “a idoneidade, independência e competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas nas áreas sectorial, financeira e concorrencial e regulatória, respectivamente, para o desempenho destas funções”.

Ter uma administração com estas três vertentes – sectorial, financeira e jurídica – era essencial na óptica do Ministério do Ambiente. Mas muitos nomes possíveis de candidatos esbarravam em incompatibilidades legais, por terem tido algum tipo de ligação com empresas do sector, segundo Orlando Borges. “Estou muito confiante e confortável com esta equipa indigitada”, disse o futuro presidente da ERSAR ao PÚBLICO.

Durante a audição parlamentar, três partidos – PS, PSD e CDS – interpelaram os potenciais administradores da ERSAR. PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes não estiveram presentes. O relatório final das audições será votado no princípio da próxima semana e enviado ao Governo. 

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