“Preferiria 50 vezes ter os preços da gasolina e do gasóleo regulados”
O presidente da Galp é crítico em relação à intervenção do Governo no sector e diz que já se reuniu com o ministro da Energia para sugerir o fim da liberalização do mercado.
Tem-se queixado de que a Galp é vítima de ataques do Governo. Quais considera serem as motivações do executivo para estes supostos ataques?
Vamos ser um pouco racionais. Temos de despojar um bocadinho a emotividade. A verdade é que o Governo português anda à procura de recursos em todo o lado e, portanto, é procurá-los em todas as frentes em que pode colhê-los. Mas há coisas que são mais razoáveis do que outras. Então numa indústria como a nossa, que é extremamente competitiva, pôr uma taxa nos activos de refinação é igual a pôr uma taxa sobre a Autoeuropa, ou uma taxa sobre a Portucel. Uma fábrica que vende produtos para os mercados internacionais e que concorre com importações que não pagam essa taxa, nós entendemos que não é equitativo no mundo em que vivemos em concorrência. Esse é um exemplo de uma taxa. Outra que está sobre a mesa é uma taxa que foi aprovada em Assembleia da República em que temos de pagar um imposto sobre as vendas de gás que fazemos nos mercados internacionais, coisa que também temos dificuldade em entender. Depois há aqui um conjunto de argumentos jurídicos que torna isto mais profundo, mas a substância é isto.
Mas se fosse uma taxa extensível a outros sectores de actividade, já a aceitaria?
Aí a economia portuguesa perdia competitividade. Vamos supor que o Estado decidia pôr uma taxa sobre todos os activos de todas as empresas, era a economia portuguesa que perdia competitividade no mundo, sobretudo se fossem activos de bens transaccionáveis. A grande diferença é que a Galp produz e comercializa bens transaccionáveis, mas no mundo. Se toda a gente no mundo tivesse a mesma taxa, não haveria perda de competitividade; se só as que produzem em Portugal pagam, se isso fosse permanente, deixava-se de produzir em Portugal. Se Portugal puser uma taxa sobre a refinaria, que não existe em Espanha e no resto do mundo, por que é que a refinaria há-de estar em Portugal?
Acha justo que os contribuintes e pensionistas estejam a pagar taxas extraordinárias e a Galp achar que não deve pagar?
Vou-lhe fazer uma pergunta: acha justo que a refinaria de Sines pague uma taxa sobre o activo e não pague a Autoeuropa que está ao lado? E não pague uma fábrica de cimentos que está ao lado? Por que é que aplica essa taxa a esse activo?
Não aceita uma taxa só para a Galp, mas também não aceita uma taxa igual para todas as empresas para não afectar a competitividade? Em que ficamos?
Se o Estado decidir que todas as empresas têm de contribuir para o momento difícil que o país está a viver, cria um imposto sobre as empresas, sobre os lucros das empresas.
Nesse caso aceitava a taxa?
Claro que sim. É que nem discutia. O Estado é livre de definir os seus impostos. Todos nós somos penalizados pelos impostos. Aumentam e nós não protestamos, podemos ficar tristes, mas não protestamos porque é o que a lei determina. O que não é certo é diferenciar uma actividade em relação a outras. Há uma diferenciação que não é justa e penso eu que não é constitucional.
Mas já percebeu que isso é capaz de ser uma fatalidade. O PS já veio dizer que se for Governo também vai manter a taxa extraordinária.
A verdade é que se é extraordinária não dura muito tempo, não é? É extraordinária, senão seria ordinária. Eu já lhe disse que a Galp começa por cumprir com a legislação dos países onde está. Está em Moçambique, cumpre com a legislação de Moçambique; está em Espanha, cumpre com a espanhola. Agora, devido à crise, o Estado espanhol resolveu reduzir o conteúdo do biocombustível nos gasóleos e nas gasolinas, porque entendeu que isso era uma forma de reduzir o custo ao consumidor. O nosso país resolveu subir o conteúdo de biocombustível. Os nossos clientes são os nossos stakeholders, nós tivemos de dizer que os nossos clientes protestariam por isso. Queriam era ver a gasolina e o gasóleo a descer, mas não foi isso que aconteceu.
A troika mostrou-se sempre muito crítica em relação ao custo da energia para os cidadãos e empresas. Acha que estas medidas que...
Deixe-me dizer-lhe uma coisa, e escreva cada palavra que lhe vou dizer. Eu li o documento da troika, o primeiro documento da troika, e falei com as autoridades portuguesas que estiveram envolvidas na sua negociação. E não há uma palavra sobre o negócio do gás e dos combustíveis.
Portanto, está a dizer que a troika estava a falar de electricidade?
É claro. Só falava de electricidade nas suas recomendações. É tudo, daí para a frente não sei mais nada.
A propósito de activos, o Governo está a rever a lei de bases do petróleo. Nessa frente espera algum novo “ataque” à Galp?
Não quero chamar-lhe ataque. Esperamos. Nós não somos o legislador. Nós estudamos a legislação e aplicamo-la. Numa linguagem simples, posso dizer que o mercado de combustível é o mercado, de todos os mercados de produtos portugueses, aquele que é mais transparente em Portugal. Vocês, escreva aí, sabem antes de a Galp saber, ou quase em simultâneo, qual é o preço da gasolina na semana seguinte porque vão às cotações internacionais; se elas sobem, esperam que suba a gasolina, se elas descem, esperam que caia. Isso é o mercado a funcionar. Agora se o Estado quiser regular uma actividade, e tem essa legitimidade, então tem um contrato de regulação. Os preços da gasolina e do gasóleo são regulados nas ilhas. O Governo dos Açores define umas fórmulas com a qual se sente satisfeito e nós nos sentimos satisfeitos.
Está a sugerir que voltássemos a um mercado regulado?
Preferiria 50 vezes ter preços regulados do que ter a discussão permanente. Isto é, ou o Estado acredita que existe concorrência no mercado ou não acredita. Se existe um abuso de poder de mercado, o Estado deve multar as empresas e deve prender quem o faz. É ilegal. Se existe mercado, deve respeitar as leis de mercado. Se não fica satisfeito com a forma como o mercado funciona, regula, e regula definindo os preços. E acabam-se as suspeições. As autoridades da concorrência fazem todas as investigações e não encontram nenhum incumprimento legislativo. Existe uma concorrência que nós vemos todos os dias no mercado. E depois o Estado legisla para corrigir o funcionamento do mercado. Disse ao ministro da Energia que se quiser regular a actividade da refinação que eu assino já amanhã um contrato.
E passava o Estado a definir o preço?
Sim senhor, assinamos. Sem dúvida nenhuma, é muito melhor. É uma vida cómoda, já pensou nisso? Porque remunera os meus custos e remunera o capital investido e a gente fica tranquila.
O grau de suspeição que diz que encontra é só aqui em Portugal?
O tipo de legislação que está a sair em Portugal é único na Europa. Nós temos, isso sim, países onde é regulado. Por exemplo, Moçambique regula os preços dos combustíveis, e a Galp vende tranquilamente em Moçambique. Angola, a mesma coisa. É quando os países entendem que não existe condições para o mercado funcionar que regulam. Nos outros países, o mercado funciona, não regulam. Difícil é haver um híbrido.
Como é que viu o recente pacote da fiscalidade verde, nomeadamente a taxa de carbono que veio agravar mais os preços dos combustíveis?
O que eu digo é que os Estados são livres de taxar os produtos da forma como entenderem. A Galp respeita e hoje está a pagar essa taxa...
Quer dizer, a Galp não, os clientes da Galp?
Sim, os seus utentes, que estão a pagar porque incorpora o custo dessa taxa no preço ao consumidor final. Portanto, somos uns colectores de impostos, como somos no ISP, como somos no IVA.
E a contribuição rodoviária também.
Sim, quando compra o seu litro de gasolina tem tudo isso lá. Agora pergunta-me se estou de acordo. Não. É mais um imposto que o Estado tem. Como os produtos são bens transaccionáveis, isso faz com que na fronteira do país exista um negócio, uma actividade económica que ninguém sabe muito bem como é. Hoje, como a gasolina é muito mais cara em Portugal, a mesma gasolina da Galp Energia é vendida ao mesmo preço de um lado da fronteira e do outro tem diferentes preços ao consumidor final. Como o componente principal da gasolina é o imposto, o que é que faz um cidadão português? Vai pagar imposto em Espanha para vir usar a infra-estrutura rodoviária em Portugal. Isso chama-se fronteira económica. Espanha está em termos de combustível quase 70 quilómetros dentro de Portugal. Eu vou-lhe explicar, há transportadoras - não vou pôr nome em nenhuma - que equiparam os seus TIR com grandes tanques por baixo do carro, certificaram aquilo tudo, para abastecerem em Espanha. Eles vêm da Europa, abastecem-se em Espanha, muitos deles são nossos clientes, e vêm com combustível suficiente para dar a volta e voltar a Espanha para abastecer lá. Pagam o imposto em Espanha e usam a infra-estrutura rodoviária portuguesa. Portanto, quando nós protestamos com os impostos sobre combustíveis, temos que falar no turismo de combustível que existe sempre nas fronteiras de países quando existe fiscalidade diferente. E o que tem havido ao longo da Europa é que os países têm muito cuidado para mexer o imposto num lado quando isso implica ter de se passar para o outro lado.
A Galp e a EDP juntaram-se para pôr a ERSE em tribunal, por causa da actualização das tarifas de gás natural. O regulador diz que se seguisse as exigências das empresas estaria a impor aumentos de dois dígitos aos consumidores. Como é que reage a isso?
A Galp Energia tem boas relações com as instituições, fala com elas sempre num acto construtivo. A Galp tem um contrato com o Governo – quero dizer que isso representa uma actividade minúscula na vida da empresa, só para pormos as coisas em perspectiva. A Galp apenas pede ao regulador que cumpra com os contratos que temos ou então que os altere, que negoceiem a sua alteração, mais nada. No tema das tarifas de gás temos uma preocupação. Sabe qual é? Nós vendemos gás em Portugal e vendemos gás em Espanha ao mesmo preço ao cliente final, mas o cliente português paga muito mais por causa do uso das infra-estruturas. Porquê? Devido à falta de competitividade dos ciclos combinados. Com a descida do preço do carvão, as centrais a carvão estão em plena capacidade. E depois, com as energias renováveis e tudo isso, temos as centrais de ciclo combinado em stand by. São necessárias, mas não consomem gás. Só pela redução da utilização, a tarifa de rede deixou de receber 60 milhões de euros por ano. Hoje, para o consumo que temos, temos um sobreinvestimento na rede de gás. É um problema de todos nós. Como é que isso se resolve? É ter muito cuidado nos investimentos que se seguem para ajustar os investimentos à procura e à sua utilização. Ou então aumentando o consumo de gás.
Aqui aproveito para lhe perguntar relativamente às interconexões europeias, eventualmente a terceira ligação do gás…
Sou um defensor de fundo dessas interconexões, desde que sejam pagas por quem as utilizar. E que não seja uma carga sobre os nossos clientes. É só isso e mais nada.
Mas se essa terceira ligação do gás avançar em Portugal quem é que a vai pagar?
Uma empresa tem que ser o porta-voz dos seus clientes. Se essas interligações acontecerem, se forem pagas por quem as utiliza, têm o nosso apoio total. Quero-lhes dizer que a Galp Energia tem infra-estruturas que paga, em França, no Norte da Europa e na ligação entre a França a Espanha. E portanto quando encontra gás mais barato, por exemplo, em França, no norte de França, ali na zona da Holanda, compra e traz. Mas a infra-estrutura não está ali para ser paga pelos clientes espanhóis. Ela é paga porque a Galp paga para ter permanentemente uma opção de acesso a um mercado. Quando vemos que o mercado spot está mais competitivo, compramos e temos uma estrada para o trazer.
Portanto, são as empresas que a devem financiar?
Sim, sim, porque em Portugal o consumo per capita de gás é muito baixo, sobretudo no doméstico. E portanto o custo do uso da infra-estrutura é caríssimo. Há muitas casas em que é melhor ter o gás de garrafa, porque embora o preço do gás natural seja muito menor, a verdade é que quando vem a factura o cliente fica surpreendido porque está a pagar a infra-estrutura de alta pressão e de média pressão para o gás chegar a casa.
Também quer o gás de garrafa regulado?
Tudo. Nós sentimo-nos muito bem desde que remunerem o capital investido e cubram os custos. Não temos nenhum problema. A Galp Energia não tem nada contra mercados regulados. Particularmente na actividade da refinação. Toda a gente diz que temos o monopólio na refinação. Se o Estado quiser começar por aí, ficamos muito contentes.
Quando é que os clientes da Galp vão poder ter nas estações uma mangueira com combustível low cost?
Na segunda-feira, ia a descer a Avenida da Boavista no Porto. Do lado esquerdo existe uma estação de serviço da Galp. Tem oito mangueiras. Eu tirei uma fotografia para mostrar aos meus colegas. Esta é a fotografia: são duas mangueiras iguais. Cada bomba destas tem quatro mangueiras, duas mangueiras estão fechadas, daí o sinal “fora de serviço”. As duas que estão a operar têm aquilo a que se chama a marca Galp, que é o gasóleo e a gasolina corrente. As outras duas tinham um produto premium, o diesel, o chamado Gforce. Como em todos os sítios temos de ter uma low cost, a Galp teve de tirar a sua marca premium para colocar este produto por causa da lei. E como o tanque tem que ser limpo, que é outro produto, deixa de vender numa estação de serviço na Avenida da Boavista que custa uma fortuna. Deixa de vender o seu produto premium e vende um produto que o Estado determina. Isto não acontece em país nenhum do mundo. Imagine o Estado chegar ao pé de si e dizer: ‘quero que venda papel azul em vez de papel branco’. Isto é um nível de intervenção que o Estado está a ter na economia do sector. A Galp tem que cumprir com a lei.
Como líder da maior exportadora nacional como é que olha para o país? O país está melhor?
Todos nós vemos o mundo da janela da nossa casa. O consumo finalmente no ano passado deixou de cair. O mercado português e curiosamente o mercado espanhol caíram sensivelmente 30%. O ano passado estagnaram nos combustíveis e este ano estamos a ver sinais de crescimento, mas claro, a partir de uma base muito baixa. O que nunca caiu muito foi o negócio da aviação, que é um negócio grande. Nós tivemos sempre o negócio da aviação a correr razoavelmente bem, temos também o negócio da marinha, com os nossos portos sempre a crescer com a actividade portuária. Esses dois negócios estiveram sempre razoavelmente bens mesmo ao longo da crise. O negócio que caiu muito, este é curioso, é o negócio dos asfaltos. O país está praticamente sem consumir asfalto. Não deve faltar muito tempo para começarmos a ter muitos buracos nas nossas auto-estradas. O negócio que mostra a actividade industrial é o negócio dos lubrificantes, que é um negócio muito dinâmico e começamos a ver que também deixou de cair. As pequenas fábricas quando querem poupar demoram mais tempo para mudar o lubrificante. É um indicador curioso da actividade económica.
Está prestes a terminar o seu mandato, quer continuar? Vai ser reconduzido na próxima assembleia geral?
Eu não comento. Nós comentamos cada tema no contexto adequado. Não é aqui que se trata desse assunto. Quando tiver alguma coisa a dizer, digo-o formalmente, e a primeira entidade à qual tenho de dizer é o mercado de capitais, não a si.
Está habituado a andar em grandes praças financeiras. Sente que empresas como o BES ou a PT de alguma forma mancharam a reputação das empresas portuguesas?
Usar a palavra manchar a reputação... mas que afectaram, afectaram. Isto é, as perguntas que nos fazem nos road shows...
Sentiu-se obrigado a dar explicações?
Ai sim, sim.
Como é que vê o que se está a passar em Angola?
A Galp é produtora de crude em Angola e continuará a ser. O que adoraria é que produzíssemos mais. Quanto menor for o preço do crude, mais tem interesse para os mesmos níveis de impostos aumentar a produção. Isso não tem impacto na nossa actividade. Tem sim impacto na actividade de distribuição, e essa acompanha naturalmente o ritmo do crescimento económico. É como em Portugal.
Mas não sentiram um impacto?
Sentimos, sentimos. E agora o que é difícil é expatriar dividendos ou resultados. Mas como nós estamos a reinvestir os resultados que temos em Angola, não estamos a ser afectados por isso.
E no Brasil, com o escândalo na Petrobras, a Galp está a ser muito afectada?
A Galp Energia tem excelentes relações com a Petrobras. Temos um respeito recíproco que está consolidado a todos os níveis de hierarquia da empresa. Os profissionais que contactamos são do melhor que há no mundo, e, graças a Deus, não estão envolvidos nesses temas que têm sido divulgados. Eu ainda estive lá na semana passada e vejo da liderança que lá está, e da que lá estava, a vontade de o mais rapidamente possível resolver os casos divulgados para que a empresa regresse à sua normalidade. Nós, como consequência disso, dado o impacto que esses temas têm em fornecedores da Petrobras, temos infelizmente algum atraso dos fornecedores de serviços que penalizam a evolução da nossa produção. Atrasam mais ou menos um ano alguns investimentos. Por coincidência, isto ocorre num momento em que o preço do crude está baixo. Se tivéssemos de escolher uma ocasião, esta é a melhor para que isso ocorra.
Já leva muitos anos de Galp. Qual foi o momento mais gratificante que viveu na companhia? E o mais duro?
O momento que ficará para sempre foi o fecho da operação da Petrogal Brasil em Hong Kong. Foi a maior operação de aumento de capital jamais realizada no nosso país, num ambiente de extraordinária parceria com a Sinopec, que hoje tem 30% das nossas operações no Brasil. Não foi uma venda, foi um aumento de capital que nos permitiu um encaixe de 5,2 mil milhões de dólares, e permitiu que a Petrogal Brasil seja auto-suficiente em financiamento. O mais duro é, infelizmente, já ter ido a vários funerais de colegas que morreram por acidente de trabalho. Esses [momentos] ficam para sempre na minha memória.
Os jornalistas viajaram para Londres a convite da Galp