Rapazes gastam menos uma hora por semana do que as colegas a fazer TPC
Horas gastas com trabalhos para casa. Níveis de ansiedade. Hábitos de leitura. Novo relatório da OCDE analisa disparidades de género no desempenho escolar e atitudes e comportamentos que podem ajudar a explicá-las.
“O que está por trás da desigualdade de género na educação?” — é a questão central do relatório da OCDE divulgado nesta quinta-feira, que tem como título ABC da igualdade de género na Educação: Aptidão, Comportamento, Confiança.
Em Portugal, as percentagens dos alunos que não conseguiram, em nenhuma das áreas avaliadas, chegar ao nível 2 (de seis) nos testes PISA não são muito diferentes da média da OCDE: 15,2% dos rapazes e 9,6%, das raparigas.
Desagregando área a área: na leitura, 25% dos portugueses de 15 anos, rapazes, tiveram um desempenho inferior ao nível 2, contra 12,5% das raparigas. Na matemática a situação inverte-se um pouco, mas com uma diferença muito mais estreita: 24% dos rapazes e 25,9% das raparigas ficam abaixo do nível 2. Nas ciências: 25% de rapazes abaixo do nível 2 e 12,5% das raparigas.
O último PISA (sigla para Programme for International Student Assessment) é de 2012, e foi divulgado em 2013. Participaram 510 mil estudantes de 31 países e zonas económicas, entre os quais Portugal onde participaram mais de sete mil alunos, mas foram tidos em conta os resultados de apenas 5722.
No relatório desta quinta-feira recorda-se que os rapazes dos países da OCDE tendem a abandonar a escola mais cedo do que as raparigas. Que têm mais propensão para achar a escola um desperdício de tempo (uma diferença de 8 pontos percentuais) e que, todos as semanas, gastam, em média, uma hora menos do que as colegas a fazer trabalhos para casa — sendo que cada hora a mais por semana de TPC corresponde, segundo o relatório, a conseguir mais quatro pontos nos testes do PISA.
Mais pressionáveis?
Os rapazes também passam mais horas a jogar jogos de computador (20% jogam todos os dias online, contra 2% das raparigas), ainda segunda dados extraídos dos questionários do PISA. E lêem menos do que elas textos complexos, nomeadamente ficção (em Portugal mais de 90% das raparigas dizem que lêem por prazer, contra menos de 80% dos rapazes).
Os rapazes também são mais propensos a ter baixo desempenho quando frequentam escolas com uma grande proporção de estudantes socioeconomicamente desfavorecidos, conclui-se. E citam-se estudos que mostram que eles tendem a ser mais pressionáveis pelos pares e que a “identidade de género” na adolescência é marcada por uma “relativa falta de interesse pela escola”, em geral, e “pela leitura em particular” — sendo que ler bem, como é lembrado, é essencial para as aprendizagens de qualquer matéria.
“Rapazes e raparigas tendem a beneficiar se frequentam escolas com pares mais favorecidos, mas a diferença de performance associada à composição sócio-económica das escolas é muito mais pronunciada entre o rapazes”, conclui-se.
Outros dados: em média (OCDE), as raparigas saem-se melhor do que os rapazes na leitura (38 pontos de diferença nos testes PISA) — “o equivalente a um ano de escola”, segundo o relatório. Os rapazes saem-se melhor do que as raparigas na Matemática (em média 11 pontos melhor — “o equivalente a três meses de escola”). Há poucas diferenças de género nos desempenhos globais dos testes de ciências.
Entre os países e economias onde o hiato entre rapazes e raparigas era, em 2003, favorável aos rapazes na matemática, alguns reduziram-no em 2012 em pelo menos nove pontos, o que é considerado significativo: é o caso da Finlândia, Grécia e Suécia.
Alguns países fogem à regra — e as raparigas saem-se melhor com os números: Tailândia, Islândia, Letónia, Finlândia, Suécia e Rússia.
“O PISA revela que as raparigas tendem a sair-se melhor quando são obrigadas a trabalhar em problemas matemáticos e científicos que são mais semelhantes aos que são por rotina praticados na escola. Mas quando obrigadas a ‘pensar como cientistas’, têm desempenho consideravelmente inferior em relação aos rapazes”, lê-se. “Por exemplo, elas tendem a ter baixo desempenho em comparação com os rapazes quando lhes é pedido para formular situações matematicamente. Em média, entre os países da OCDE, os rapazes superam as raparigas neste tipo de tarefa em cerca de 16 pontos no PISA — o equivalente a quase cinco meses de escola.”
Apelo aos professores
O relatório admite que esta diferença de género na capacidade de “pensar como um cientista” pode estar relacionada com a autoconfiança das alunas (vários estudos mostram como elas revelam mais ansiedade face à matemática). E quando os estudantes são mais autoconfiantes, têm menos medo de tentar resolver problemas e “menos medo de falhar”.
E na hora de procurar trabalho? Eles, mais do que elas, parecem estar mais bem preparados, lê-se no relatório. “O PISA demonstra que a parcela das raparigas de 15 anos de idade que relata não ter aprendido como se preparar para uma entrevista de emprego é mais do que 10 pontos percentuais maior do que a proporção de rapazes que relatou o mesmo.”
Certo, diz-se, é que todos os dados apontam para que as diferenças de género na educação nada tenham a ver com capacidades inatas de rapazes e raparigas. E faz-se um apelo aos pais, aos professores, aos políticos e líderes de opinião “para que rapazes e raparigas sejam capazes de empregar todo o seu potencial” nas diferentes áreas do saber.
Os professores, por exemplo, devem ajustar estratégias — apostando na melhoria das capacidades de leitura dos rapazes e no combate à falta de confiança das raparigas com os problemas matemáticos. Também “podem ajudar” se tomarem consciência de que, na hora da avaliação, eventualmente olham de forma diferente para rapazes e raparigas.
Formação adicional para “proporcionar apoio suplementar aos estudantes socioeconomicamente desfavorecidos” é também sugerido.
Impacto no futuro
“Apesar dos enormes progressos registados nas últimas décadas”, disse Stefan Kapferer, da OCDE, na apresentação do relatório, “precisamos encontrar novas formas de enfrentar os aspectos emocionais e sociais” que permitirão às crianças desenvolver o seu potencial. É que as diferenças de género encontradas têm impactos a longo prazo. Nos países da OCDE, recorda-se, as mulheres são uma pequena minoria das diplomadas em áreas como as engenharias, construção (28%) ou computação (20%) — áreas que são geralmente bem remuneradas. E em 2012 apenas 14% das jovens que se inscreveram nas universidades dos países da OCDE escolheram áreas científicas (contra 39% dos homens).
Portugal é expressamente referido no relatório neste ponto. Por boas razões: é um dos cinco únicos países da OCDE que conseguiu aumentar em pelo menos 10 pontos percentuais o universo de mulheres diplomadas em áreas científicas (como ciências da saúde, física, matemática, estatísticas e computação...). Aconteceu também na Suíça, na Eslováquia, na República Checa e na Alemanha. Nestes países o hiato homens-mulheres reduziu-se a este nível.
O relatório volta aos dados do PISA para dizer que “os pais continuam a ter diferentes expectativas para filhos e filhas” em relação à profissão que esperam que eles venham a ter. Quando questionados, no âmbito do PISA, os resultados são estes: 50% dos rapazes têm pais que esperam que eles sigam profissões ligadas à ciência, tecnologia, engenharia e matemática, enquanto essa percentagem desce para 20% em relação às raparigas.
Notícia actualizada às 14hh02