Dívida de Passos em 2004 era de 5016 euros e não de 2880
Segurança Social não explica porque é que não contabilizou, no cálculo da dívida prescrita do primeiro-ministro, os valores do período 1999-2002. Pagamento de dívidas prescritas só pode ser aceite em casos excepcionais.
Se em vez deste valor, acrescido dos juros de mora no montante de 1034 euros, Passos Coelho tivesse liquidado os 5016 euros, mais os juros de mora contabilizados até Fevereiro de 2015, o total pago teria sido de mais de 8000 euros, e não de 3914 euros.
O primeiro-ministro disse ao PÚBLICO, na semana passada, que a Segurança Social o informou em 2012, e novamente em 2015, em resposta a requerimentos seus, de que estava registada em seu nome, embora estivesse prescrita desde 2009, uma dívida de 2880,26 euros, acrescida de juros de mora, “a qual poderia ser paga a título voluntário e a qualquer momento para efeito de constituição de direitos futuros”.
Esta informação não contempla, porém, a totalidade das contribuições não pagas por Passos Coelho, mas tão só as que foram criadas entre Janeiro de 2002 e Setembro de 2004. No entanto, nas bases de dados da Segurança Social constam efectivamente mais 2132,62 euros de dívida, relativos ao período decorrido entre Novembro de 1999, data em que deixou de descontar através da Assembleia da República por ter terminado o seu mandato de deputado, e Janeiro de 2002 – o que soma o total de 5015,88 euros, conforme documento reproduzido na edição do PÚBLICO de sábado.
Em Março de 2013 o valor dos juros de mora já calculado sobre este último montante perfazia a quantia de 2414,64 euros, sendo a dívida global prescrita de 7430,52 euros. Com os juros relativos aos dois anos entretanto decorridos, essa dívida ultrapassaria agora, seguramente, os 8000 euros,
A informação que o primeiro-ministro diz ter-lhe sido transmitida de que a dívida prescrita (sem juros) era de 2880 euros, e não de 5015 euros, prende-se com o facto de a Segurança Social ter considerado em 2007 – ano em que notificou mais de 107 mil trabalhadores independentes da sua situação de incumprimento – que as dívidas com mais de cinco anos, ou seja anteriores a Janeiro de 2002, já se encontravam prescritas.
Ao aceitar que Passos Coelho pagasse agora a dívida que estava prescrita em 2009, não se entende que a Segurança Social lhe tenha comunicado simplesmente os valores prescritos depois de 2007 e não os que prescreveram entre 2004 e 2007 (os da dívida relativa aos anos 1999 a 2002).
Fundamento legal para aceitar pagamento
Outra questão suscitada por Edmundo Martinho, presidente do Instituto de Segurança Social (ISS) durante os dois governos de José Sócrates e actualmente membro de um observatório da Organização Internacional do Trabalho, ao PÚBLICO na segunda-feira, foi a do fundamento legal da aceitação do pagamento de uma dívida já prescrita. Conforme explicou ao PÚBLICO, o Código Contributivo da Segurança Social admite esses pagamentos exclusivamente em casos excepcionais.
Edmundo Martinho referiu que apenas conhece deste processo aquilo que foi noticiado nos últimos dias e sublinhou: “Todos tínhamos a ganhar com o esclarecimento cabal e detalhado da situação por parte do ISS.”
A questão torna-se especialmente relevante atendendo ao facto de a aceitação do pagamento das contribuições prescritas constituir uma vantagem para o devedor. Isto, porque, ao aceitar esse pagamento, a Segurança Social está na prática a permitir que os anos em que Passos Coelho não pagou as contribuições a tempo acabem por ser tidos em consideração na contagem do tempo para efeitos de cálculo da sua futura pensão.
De acordo com os artigo 254.º e 256.º do Código Contributivo da Segurança Social, “o pagamento de contribuições com efeitos retroactivos quando a obrigação contributiva se encontre prescrita” pode ser “excepcionalmente autorizado”, mas só nos casos em que o contribuinte comprove documentalmente o exercício da actividade profissional e o pagamento solicitado abranja “a totalidade do período de actividade efectivamente comprovado”.
O PÚBLICO pediu ao ISS que esclarecesse como é que a situação do contribuinte Passos Coelho, que à época exercia actividades de consultoria como trabalhador independente na Tecnoforma e em outras empresas, é enquadrável na excepção enunciada pelo código, mas não obteve resposta.
O ISS limitou-se a afirmar que, “quando existem no Sistema de Informação da Segurança Social dívidas contributivas que estão prescritas, o respectivo contribuinte pode tomar uma das seguintes opções: ou invocar formalmente a prescrição junto dos serviços da Segurança Social e, nesse caso, as mesmas são retiradas do sistema e deixam de existir para todos os efeitos legais; ou pode requerer o pagamento das contribuições para que as mesmas possam ser consideradas na totalidade da sua carreira contributiva, para efeitos de contagem nos seus direitos futuros, nomeadamente na atribuição de uma pensão, de forma voluntária.”
Ou seja: não explicou se o primeiro-ministro comprovou documentalmente o exercício da actividade, nem qual o período sobre o qual incidiu essa prova. O ISS assegurou ainda que nada podia adiantar, “uma vez que a informação de carácter pessoal e processual dos contribuintes não pode ser divulgada pelos serviços.” Com o mesmo argumento, também nada esclareceu sobre a razão que o levou a contabilizar exclusivamente as dívidas posteriores a 2002, garantindo contudo que o valor de 5016,88 euros referido pelo PÚBLICO na notícia de sábado “não é correcto”.
Precisamente com o objectivo de esclarecer a divergência existente entre este valor e o dos 2880,26 euros que Passos Coelho diz ter-lhe sido indicado pela Segurança Social, o PÚBLICO perguntou na terça-feira passada ao gabinete do primeiro-ministro se este está disponível para disponibilizar “os documentos em que a Segurança Social respondeu aos seus pedidos de esclarecimento de 2012 e 2015 — mesmo que expurgando deles todos os elementos que considere serem nominativos”.
Em resposta, o gabinete de Passos Coelho limitou-se a afirmar que “o primeiro-ministro já prestou as informações detalhadas que entendeu oportunas”.