Poucos médicos salvaguardam a possibilidade de mulheres com cancro engravidarem

“Actualmente é indesculpável que a uma mulher ou a um homem em idade fértil a quem foi diagnosticado um cancro não seja dada a oportunidade de preservar a fertilidade”, afirma o oncologista Carlos Oliveira.

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João Silva

Os médicos que já foram inquiridos no âmbito do projecto de investigação 2Reprochoose, que ainda está a decorrer, afirmaram que anualmente assistem, em média, 72,04 mulheres com doença oncológica em idade reprodutiva. No entanto, e também em média, no mesmo período de tempo cada um referencia apenas 5,62 doentes para consulta com um especialista, indica a autora do estudo e investigadora da Universidade de Coimbra, Cláudia Melo.

Aos oncologistas não foi perguntado por que motivo não o fazem sempre ou mais frequentemente. Mas as áreas em que os médicos reclamam informação dão uma indicação das razões – “Quais as técnicas de preservação da fertilidade disponíveis? Quais as vantagens de umas em relação a outras? Quanto custam? Quais as estruturas para referenciação dos doentes?”.

É àquelas e a outras questões que vários especialistas vão responder, nesta manhã de sábado, numa sessão dirigida a profissionais de saúde, em Coimbra, que deverá marcar o início de “uma fortíssima campanha de informação”, anuncia Carlos Oliveira, oncologista e presidente do Núcleo Regional do Centro da Liga Portuguesa Contra o Cancro. “Actualmente é indesculpável que a uma mulher ou a um homem em idade fértil a quem foi diagnosticado um cancro não seja dada a oportunidade de preservar a fertilidade”, afirma.

A dificuldade em sensibilizar os médicos tem vindo a ser denunciada, precisamente, pela presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução e directora do Centro de Preservação da Fertilidade dos CHUC, Teresa Almeida Santos, que reclama a criação de uma rede de referenciação para todo o país que permita um encaminhamento rápido dos doentes oncológicos. Bate-se, também, pela comparticipação em 100% dos tratamentos essenciais à preservação de óvulos, que podem custar a cada doente entre 200 e 400 euros.

Centro recebeu 120 mulheres em cinco anos
Apesar de calcular que, existem, em Portugal, anualmente, cerca de 340 mulheres em idade fértil que poderiam beneficiar das técnicas disponíveis no centro especializado dos CHUC, foram apenas 120 as que ali foram acompanhadas desde a criação desta unidade, em 2010. E, daquelas mulheres, 42 não puderam optar por qualquer das soluções – o congelamento de óvulos e a criopreservação do ovário para posterior implantação, uma técnica ainda experimental. “Em geral, o motivo para que tal acontecesse foi, precisamente, a referenciação tardia. As mulheres já tinham iniciado tratamentos ou estavam prestes a iniciá-los e não havia condições para arriscar um adiamento”, apontou, em declarações ao PÚBLICO, Cláudia Melo, que também é psicóloga no CHUC.

Aos homens não se coloca o factor tempo. Dos 188 que se dirigiram ao centro dirigido por Teresa Almeida Santos, todos optaram pela criopreservação do esperma. As mulheres nem sempre dispõem de duas semanas (pelo menos) para a estimulação ovárica, antes da recolha de óvulos. Quando assim é, a alternativa é a criopreservação de um dos ovários, um procedimento que pode levar “apenas dois ou três dias” após a consulta, mas que, ainda assim, nem sempre é adequado, frisa Cláudia Melo. “O processo de decisão nem sempre é fácil. E uma mulher que nos chega a três dias de iniciar a quimioterapia pode não estar em condições emocionais de se submeter a uma cirurgia, ainda que relativamente simples”, exemplifica.

Problema da infertilidade pode "não ser óbvio"
Em todos os casos, os doentes são acompanhados do ponto de vista psicológico e apoiados no processo de tomada de decisão. “É preciso ajudá-los a encarar um cenário que, no momento em que chegam, ansiosos por começar os tratamentos ou deprimidos com o diagnóstico recente, não é muito óbvio”, comenta Cláudia Melo. Quer Marta, a quem foi diagnosticado um linfoma aos 33 anos, quer João, que soube que tinha um osteossarcoma aos 22, são exemplos disso.

“Pode parecer estranho, mas o problema foi uma imensa surpresa. Primeiro, porque não fazia ideia de que esse pudesse ser um efeito secundário da quimioterapia. Depois, porque, apesar da idade, nunca me tinha passado pela cabeça questionar se um dia desejaria ser mãe ou não”, conta Marta. Para João, a notícia da possível e provável perda de fertilidade “foi um choque tão grande como o do diagnóstico”, conta. “Num momento percebi que teria de largar tudo o que estava a fazer e que tinha planeado, para lutar contra um cancro. E, de seguida, soube que, mesmo que vencesse, o mais provável era não poder ter filhos. Na altura, parece demais…”, comenta.

Ainda assim, ambos consideram que é “obrigação” dos médicos informar os doentes e encaminhá-los. “Somos informados mil vezes de que nenhuma das técnicas assegura que um dia teremos filhos. Mas é essencial sabermos que salvaguardámos uma oportunidade de que isso venha a acontecer”, frisa Marta.

Em muitos casos, os procedimentos médicos com vista à gravidez não podem iniciar-se imediatamente após o fim dos tratamentos contra o cancro. Por isso, explicam os especialistas, ainda não existe qualquer caso de gravidez de uma mulher que resulte exclusivamente da aplicação das técnicas disponíveis no centro de Coimbra.
 

Doentes podem marcar directamente as consultas

Para além de sensibilizar a comunidade médica para a necessidade de preservar a fertilidade em pessoas com cancro, os especialistas em oncofertilidade estão apostados em dar aos doentes e aos familiares ferramentas para que possam procurar directa e rapidamente ajuda no Serviço Nacional de Saúde.

Fazem parte daquela estratégia o recente lançamento de uma linha de telefone SOS para informações (800 919 040) e de uma aplicação, no sítio da internet do Centro de Preservação da Fertilidade do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que permite aos doentes pedirem directamente uma consulta. "A nossa capacidade de resposta, neste momento, é de 24 a 48 horas. Não há qualquer razão para que alguém fique sem resposta", frisou a directora daquele centro, Teresa Almeida Santos.

Tanto a linha como as consultas se destinam, também, aos sobreviventes de cancro que tiveram a oportunidade de fazer a preservação da fertilidade. Estes serão acompanhados no centro e, em caso de necessidade, encaminhados para outros serviços que se julguem adequados, precisou a psicóloga da instituição, Cláudia Lemos. 

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