Perante investidores, Costa prefere “valorizar os factores positivos”

O secretário-geral do PS viu-se forçado a responder à polémica provocada pelo seu discurso perante a comunidade chinesa.

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Esta quinta-feira, o secretário-geral do PS viu-se obrigado a “contextualizar” a sua intervenção de há alguns dias, no Casino da Póvoa, onde o líder do principal partido da oposição agradeceu o investimento chinês em Portugal, destacando a “situação diferente” em que Portugal se encontrava quando comparada com o que se passava há quatro anos.

A polémica estalou quando se tornaram públicas declarações de António Costa no Casino da Póvoa, perante a comunidade chinesa que celebrava o ano novo chinês, agradeceu o investimento daquele ´país. “Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões. E numa ocasião difícil para o país, em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os chineses e os investidores chineses disseram presente, vieram e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás.”

António Costa manifestou-se “perplexo” com as leituras feitas às suas declarações. “Para destruir a confiança já basta o Governo”, afirmou na sede do PS, antes de acrescentar que não confundia “oposição com bota abaixismo”.

Afinal – acrescentou - estava perante “investidores estrangeiros”, o que o levou a “valorizar os factores positivos” em vez de se centrar “no dramático aumento da pobreza, do desemprego, da emigração, da estagnação económica, dos cortes de salários e pensões”.

A reacção do socialista chegou já tarde para impedir o violento ataque de um dos fundadores do PS. Alfredo Barroso, histórico socialista e chefe de gabinete e da Casa Civil durante a presidência da República de Mário Soares, acusou Costa, no Facebook, de "prestar vassalagem à ditadura comunista e neoliberal da República Popular da China" e de desrespeitar "centenas de milhares de desempregados e cerca de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza".

Por isso anunciava, que tinha solicitado, "pura e simplesmente, a desfiliação do partido" rematando com a intenção de “votar no Bloco de Esquerda, tentando contrariar o oportunismo daqueles que se tornaram dissidentes do BE aproximando-se do PS de António Costa, à espera de um lugarzinho na mesa do orçamento, ou seja, na distribuição de cargos num futuro governo". Uma farpa à plataforma Livre/Tempo de Avançar, cujos protagonistas são  o ex-eurodeputado Rui Tavares e ex-dirigentes bloquistas como Ana Drago.

A Tempo de Avançar – que junta ao recém-criado partido Livre um conjunto de movimentos – aproveitou para criticar o líder socialista. “Sim, as coisas estão diferentes. Mas não no sentido que António Costa deu perante uma plateia de investidores estrangeiros. Temos menos empregos, mais emigrantes, somos mais pobres e estamos mais endividados. Não é possível mudar o rumo do País se ignorarmos estes factos e repetirmos a propaganda do governo. Propaganda que nem as instituições europeias se atrevem a repetir, como vimos recentemente.”

Entretanto, foram surgindo reacções à posição tomada por Alfredo Barroso. Vítor Ramalho, ex-deputado e antigo dirigente distrital próximo de Mário Soares aconselhou a actual liderança a não desvalorizar o sucedido. "É útil que a direcção do partido também não encare isto como uma situação de uma pessoa que bateu com a porta por razões que não têm algum fundamento", disse, ao mesmo tempo que reconhecia não ter feito a mesma leitura. "Porque reconheço que a posição de um secretário-geral e simultaneamente candidato a primeiro-ministro tem que se pautar também pelo reconhecimento do papel que os Estados representam hoje no mundo e os países emergentes também, entre os quais a China”, disse à rádio Antena 1.

Outro ex-dirigente socialista reagiu com ironia. António Galamba, que acompanhou o antecessor António José Seguro na direcção do PS, aproveitou o Facebook para assinalar a “chatice” que era “quando o que dava jeito no passado deixa de dar jeito no presente”.

A maioria não deixou passar a polémica para ensaiar uma contradição no discurso do principal partido da oposição. O ministro da Presidência aproveitou a conferência de imprensa do Conselho de Ministros para falar em “estado de negação”. "Essas declarações correspondem ao reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser feito pelo Governo. Era bom que o PS abandonasse o estado de negação em que muitas vezes parece encontrar-se - e espero que estas declarações do doutor António Costa sejam o prenúncio disso mesmo - e aceitasse definitivamente a evolução e o resultado que o sacrifício e o trabalho dos portugueses tem vindo a demonstrar e a possibilitar ao país", considerou Marques Guedes.

O eurodeputado do CDS, Nuno Melo, fez questão de denunciar no Diário Económico o discurso para elogiar a “franqueza imprevista” do socialista. Horas depois era o deputado social-democrata Duarte Marques quem clamava “aleluia” nas redes sociais: "Afinal, de forma envergonhada, Costa sempre reconhece”, exultava. O entusiasmo foi tal que anteontem já estava disponível para download um toque de telemóvel que replicava o discurso ao som de uma animada melodia.

Costa alerta contra Bloco Central
E assim se esvaziou o impacto da entrevista de Costa ao Acção Socialista. Onde o líder socialista justificou a ascensão do Syriza ao poder com o acordo de governo entre o PASOK e a Nova Democracia, utilizando uma expressão política historicamente bem portuguesa: “Houve uma grande coligação, um superbloco central, que canalizou obviamente as alternativas à direita para a Aurora Dourada, e à esquerda para o Syriza”, disse na entrevista publicada no site da publicação socialista.

O líder do PS contestou ainda a ideia de que a presente situação tinha igualmente responsabilidades a apontar aos partidos socialistas europeus. Citou as propostas políticas constantes da Agenda de Lisboa, de António Guterres, para contestar que os partidos do centro-esquerda tivessem cedido ao pensamento único. “Infelizmente, a Agenda de Lisboa esgotou o ciclo político em que os governos socialistas eram maioritários na Europa, dando lugar a esta vaga em que a direita é dominante”, rematou.

O autarca avançou mesmo com exemplos de políticas alternativas defendidas pela sua família política. “Hoje, damos uma nova atenção à importância estratégica do investimento, que não existia no mandato anterior”, lembrou antes de assinalar o “enorme contributo que demos para que o Banco Central Europeu tivesse uma nova postura relativamente à política monetária”.

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