Entre promessas e realidade, abrem-se as primeiras brechas em Atenas

O Governo grego tem a difícil tarefa de convencer os deputados gregos a aceitar o acordo que reverte várias promessas eleitorais, a começar a de rejeitar uma extensão do empréstimo da troika.

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Tsipras enfrenta já duras críticas no interior do Governo Kostas Tsironis /Reuters

Sublinhando a fragilidade da situação a nível europeu, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, declarou que o acordo do final da semana era “uma pausa para respirar”. De momento decisivo em momento decisivo, tudo dependia agora das propostas de reformas de Atenas e da avaliação que os ministros das Finanças da zona euro farão dessas propostas esta terça-feira.

O Governo de Alexis Tsipras tem a difícil tarefa de convencer os credores de que não derrapará nas despesas – e de convencer também os deputados gregos a aceitar o acordo que reverte várias promessas eleitorais, a começar a de rejeitar uma extensão do empréstimo da troika.

Comentadores dizem que o acordo que saiu do Eurogrupo não é impossível de “vender” aos gregos. Mas vozes críticas começaram a fazer-se ouvir, especialmente na ala esquerda do Syriza.

Os primeiros sinais de descontentamento tinham sido dados pelo veterano Manolis Glezos, 92 anos. “Chamar à troika 'as instituições', ao memorando 'um acordo' e aos credores 'parceiros' não vai mudar a situação, assim como não mudaria nada se chamarmos peixe à carne”, escreveu Glezos, pedindo aos membros do Syriza que se façam ouvir. 

O fim da presença da troika no país e o fim do memorando tinham sido das principais promessas de campanha do Syriza (Coligação de Esquerda Radical) que venceu as eleições de 25 de Janeiro, ficando a um deputado da maioria absoluta. Glezos, apesar de ser um herói nacional por, quando era jovem, ter tirado a bandeira nazi do cimo da Acrópole, é um elemento de quem se espera um maior radicalismo – na campanha, tinha sugerido que, se chegasse ao poder, o Syriza poderia apropriar-se de depósitos bancários de mais de 100 mil euros.

Outra voz foi a do ministro da Energia, Panagiotis Lafazanis, o mais alto representante da ala esquerda radical no Governo. Lafanzanis disse no fim-de-semana que há “linhas vermelhas” que não quer ver ultrapassadas, sob pena de não continuar no Governo, e as privatizações são uma destas “linhas vermelhas”, cita o diário britânico The Guardian. O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, já disse que não “seria dogmático” nesta questão.  
A mudança que o novo Governo conseguiu nas conversações com os restantes países da zona euro foi sobretudo semântica. A única concessão que Atenas teve foi obter espaço de manobra na decisão de medidas políticas de cortes ou obtenção de receita – podendo assim provavelmente evitar mais subidas de impostos gerais, conseguindo-as através de outras medidas (especulava-se que a luta contra o contrabando, de gasolina ou tabaco, eram potenciais fontes de receita).

Os políticos gregos apresentaram, no entanto, esta mudança como uma viragem de paradigma: as medidas não seriam ditadas ou impostas mas negociadas. “Já não estamos a seguir um guião que nos é dado por agências externas”, declarou o ministro das Finanças, Yannis Varoufakis, depois de pedir a extensão do empréstimo por mais quatro meses no fim de uma maratona de conversações. “Uma vez que haja uma relação entre iguais, a cooperação pode ser mais frutuosa.”

Agora tudo depende do grau de apoio às reformas e que promessas eleitorais o novo Governo consegue cumprir. Até agora, uma esmagadora maioria dos gregos tem apoiado a postura combativa do seu Governo nas negociações e muitos continuam a apoiá-lo mesmo com um acordo que fez sobretudo cedências.

Markus Walker, editor de economia do Wall Street Journal, destaca duas razões para este grande apoio: primeiro, muitos gregos já esperavam que o Governo não conseguisse grande parte do que pediu. Segundo, a imagem de ter os seus líderes a desafiar governos e instituições poderosas e a tentar conseguir uma posição melhor foi um enorme contraste com anos de posições submissas de outros governos e vistas como humilhações.

Na campanha eleitoral, e no seu discurso perante o Parlamento que aprovou o Governo, Tsipras prometeu electricidade gratuita para 300 mil famílias pobres, ajuda alimentar, reintrodução de subsídios como o 13.º mês para alguns reformados, cuidados de saúde gratuitos e um aumento faseado do salário mínimo. Na campanha tinha ainda prometido parar as privatizações. Quanto a fontes de receita, o novo primeiro-ministro apontou poupanças nos gastos dos políticos (na Grécia, cada deputado tem direito a um carro, uma das coisas que Tsipras prometeu mudar), a introdução pela primeira vez de licenças a serem pagas pelas estações de televisão privadas e a imposição de impostos mais altos para os mais ricos e para os armadores.

Se o Governo conseguir manter algumas das medidas de apoio social (a electricidade será das mais emblemáticas), enquanto apresenta reformas que combatam a corrupção e privilégios, será mais fácil ter a seu lado os que dele discordam – mais uma vez, a grande percentagem de gregos que têm apoiado o Governo jogará a seu favor e ninguém quer ser visto como o responsável por deitar abaixo um governo com uma tão grande aprovação. 

No entanto, medidas que estão a ser vistas como fundamentais para os credores (mais cortes nas pensões, por exemplo) são das mais difíceis de aplicar para este executivo de esquerda (nem o anterior, de direita, o conseguiu fazer).

Há assim um risco de rebeldia generalizada entre a ala esquerda do Syriza (de que fazem parte sensivelmente um quinto dos deputados) e do seu parceiro de coligação, os Gregos Independentes. Claro que no Parlamento as reformas poderiam ser aprovadas com o apoio de partidos como a Nova Democracia, o Partido Socialista (Pasok) ou O Rio (To Potami). Mas a legitimidade do novo Governo poderia ser posta em causa, obrigando a uma remodelação ou mesmo a novas eleições. 

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