Birdman triunfa nos Óscares em noite de “empate técnico”
O filme do mexicano Alejandro González Iñárritu recebeu quatro estatuetas, o mesmo número de Grand Budapest Hotel. Julianne Moore, Eddie Redmayne, Patricia Arquette e J. K. Simmons foram os actores premiados
Julianne Moore não surpreendeu ninguém com o Óscar de Melhor Actriz por O Meu Nome é Alice, e Patricia Arquette e J. K. Simmons confirmaram o favoritismo nas categorias de actriz e actor secundários. Já a atribuição do galardão de Melhor Actor a Eddie Redmayne pela sua interpretação de Stephen Hawking em A Teoria de Tudo foi uma surpresa numa corrida onde Michael Keaton partia favorito por Birdman; o actor inglês disse que o seu Óscar pertencia a Hawking e à sua família - “e eu sou o seu simples zelador”.
Foi uma noite que derrotou sem piedade três dos outros candidatos fortes: O Jogo da Imitação de Morten Tyldum (um único prémio em oito nomeações), Boyhood – Momentos de uma Vida de Richard Linklater e Sniper Americano de Clint Eastwood (ambos convertendo apenas uma de seis nomeações). E foi uma cerimónia, longa de 3h40, em que as surpresas vieram de todo o lado.
Primeira surpresa: a condução da cerimónia por um Neil Patrick Harris surpreendentemente nervoso. O actor de Foi Assim que Aconteceu, recentemente premiado com um Tony pela peça musical Hedwig and the Angry Inch, pareceu estar “fora de pé” ao longo da noite; depois de uma abertura prometedora com a participação de Anna Kendrick e Jack Black, afundou-se numa série de piadas mais ou menos desengraçadas. Só em dois outros momentos a cerimónia se ergueu acima de uma modorra elegante mas maçadora: primeiro numa paródia bem esgalhada ao “plano único” de Birdman onde entrou em palco apenas de cuecas e meias, depois no momento de apresentação do prémio de canção original, emparelhando a actriz Idina Menzel com John Travolta (que na cerimónia 2014 “mastigou” inexplicavelmente o nome de Menzel).
Segunda surpresa: a sensação de que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não poupou esforços para “compensar” as polémicas que rodearam as nomeações, e sobretudo a ausência nas categorias principais do aclamado filme de Ava du Vernay Selma – A Marcha da Liberdade (nomeado apenas para Melhor Filme e Melhor Canção Original). Praticamente tudo o que é nome negro “de peso” em Hollywood, de Eddie Murphy a Oprah Winfrey, apareceu no palco do Dolby Theatre em Los Angeles para entregar prémios – pormenor que incendiou as redes sociais americanas durante a cerimónia e apenas veio amplificar ainda mais uma questão que parece não “largar” os Óscares desde há uns anos.
Subentendia-se no discurso da presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, durante a cerimónia a vontade de celebrar menos a política e mais o cinema. A referência mais ou menos velada de Isaacs à defesa da liberdade de expressão parecia referir-se, sem as nomear directamente, às controvérsias que mais abalaram Hollywood nos últimos meses: o ataque informático aos estúdios Sony ligado à comédia Uma Entrevista de Loucos, a questão da representação da população afro-americana no cinema, e o reacender do debate sobre a guerra no Iraque à volta de Sniper Americano.
Mas, como de costume, a cerimónia trocou-lhe as voltas. O cantor John Legend, ao receber o prémio de Melhor Canção Original pela canção que escreveu para Selma, Glory (minutos depois da sua interpretação do tema ter arrancado lágrimas a vários dos presentes na plateia), fez a ligação com o cinquentenário da marcha liderada por Martin Luther King de Selma a Birmingham. “Selma é hoje, porque a luta pela justiça é hoje”, disse, citando em seguida os números oficiais que dão a população negra americana hoje detida em estabelecimentos prisionais como superior ao número de escravos negros ao tempo da Guerra Civil.
(A noite, essa, seguiu para uma homenagem ao cinquentenário de Música no Coração com um medley de temas desse enorme sucesso do cinema musical interpretado - surpreendentemente, há que dizê-lo - por Lady Gaga, que chamou a palco em seguida a Maria original do filme, Julie Andrews.)
O agradecimento de Legend não foi o único a gerar um frisson que a Academia talvez não esperasse. Patricia Arquette, ao receber o prémio de Melhor Actriz Secundária por Boyhood, lançou um grito pela igualdade de estatuto e de tratamento para as mulheres em Hollywood – no que foi fervorosamente aplaudida por uma entusiasmada Meryl Streep na plateia. A documentarista Laura Poitras chamou a palco o jornalista Glenn Greenwald para aceitar com ela o Óscar de Melhor Documentário por Citizenfour, sobre as revelações do analista Edward Snowden, e alertou para o perigo que o controle informático cria para as democracias. E Graham Moore, agraciado com o troféu de Melhor Argumento Adaptado por O Jogo da Imitação, dedicou o prémio a todos aqueles que se sentem mal na sua pele e socialmente inadaptados, evocando a sua própria recuperação de uma tentativa de suicídio para oferecer a certeza de que tudo pode, de facto, melhorar.
Esse foi, no entanto, o único galardão recebido por O Jogo da Imitação, tal como Boyhood se ficaria pelo prémio de Patricia Arquette e Sniper Americano se contentou com o Óscar técnico da montagem de som. Birdman confirmou o favoritismo com que partia ao levar para casa as estatuetas de Filme, Realizador (geralmente atribuídas “em conjunto”), Argumento Original e Fotografia, mas nenhum dos três actores nomeados foi recompensado. Grand Budapest Hotel, por seu lado, triunfou nas categorias técnicas (Figurinos, Maquilhagem, Cenografia e Banda-Sonora Original).
Whiplash – Nos Limites, de Damien Chazelle, concretizou três das suas cinco nomeações: Actor Secundário para o veterano J. K. Simmons, e ainda as categorias técnicas de Montagem e Mistura de Som. Big Hero 6 – Os Novos Heróis, produção dos estúdios Disney, foi a melhor Longa-Metragem de Animação e Ida o melhor Filme Estrangeiro – num dos discursos mais emocionados da noite, o realizador polaco Pawel Pawlikowski, nitidamente surpreendido com a sua vitória, recusou-se a ser “corrido de palco” pela orquestra para agradecer a todos aqueles que contribuiram para a realização do filme e também à família.
Curiosamente, a melhor argumentação contra este tipo de cerimónias veio do mexicano Alejandro González Iñárritu, ao receber o galardão de Melhor Realizador invocando o “ego” artístico que está no centro do seu filme. “O ego adora a competição,” disse. “Para que alguém ganhe, há sempre alguém que tem de perder. Mas a verdade é que a arte não pode ser comparada. E o nosso trabalho apenas será verdadeiramente julgado pelo tempo.” Minutos depois, saía do Dolby Theatre com o Óscar de Melhor Filme.