Forçado à nacionalização, como será a segunda vida do Europarque?
Estado foi obrigado a apropriar-se da infra-estrutura e cedeu a gestão à câmara da Feira. Autarquia vai criar conselho estratégico para definir futuro e espera que receitas ultrapassem largamente os custos.
Apresentado como o grande centro de congressos do Norte, com seis imóveis independentes e uma extensão de 18,5 hectares, a sua vida teve altos e baixos, mas nos últimos anos as portas já não abriam com tanta regularidade. Em 2011, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) anunciava que não conseguia cumprir os compromissos assumidos com a banca, o que obrigaria o Estado a entrar em acção como fiador do projecto.
Na última semana, a vida do Europarque resume-se numa frase: o espaço passa da associação para as mãos do Estado, que cede a gestão à Câmara de Santa Maria da Feira a custo zero e por um prazo de 50 anos. Confirma-se o que era previsível. A AEP não pagou à banca, o aval que o Estado concedeu para a construção do projecto foi executado e há cerca de um ano que a Câmara da Feira andava em conversações com o Governo, sem esconder a vontade de gerir a infra-estrutura, localizada a 15 minutos do Porto.
O Europarque acabou nacionalizado. Sabe-se, porém, que as receitas cobriam os custos de manutenção. O problema estava nos juros e amortizações do empréstimo. Nos últimos anos, a programação do centro de congressos diminuiu. Num relatório financeiro a que o PÚBLICO teve acesso, verifica-se que, nos últimos cinco anos, o Europarque, constituído a 3 de Abril de 1992 com um capital social de 17 milhões de euros, nunca constou da lista de devedores às finanças ou à Segurança Social. No entanto, no início deste ano foi alvo de uma acção judicial por parte da Bioparque Viveiros relativa a uma dívida de cerca de 114 mil euros.
A questão que agora se coloca é: Qual será o futuro do Europarque? Emídio Sousa, presidente da Câmara da Feira, acredita numa “segunda vida” do projecto, que classifica como “o melhor centro de congressos de Portugal”. “É um tesouro que temos de colocar a funcionar bem”, diz ao PÚBLICO.
Os planos da autarquia
A transferência do Europarque para a alçada da autarquia foi aprovada no Conselho de Ministros da última quinta-feira e, em breve, o contrato será assinado. Dentro de um ou dois meses, a câmara feirense espera estar ao leme do espaço. Transferirá recursos humanos da empresa municipal Feira Viva para o Europarque para tratar da parte administrativa. “Desta forma, estamos a fazer uma grande poupança até porque mais de metade dos custos é com o pessoal”.
Vai também criar um conselho estratégico, estritamente consultivo, para envolver a Área Metropolitana do Porto, empresas, municípios, associações empresariais - como, por exemplo, a da cortiça e a do calçado e até mesmo a AEP. “Assumimos a gestão do Europarque a custo zero, não pagamos qualquer tipo de renda por 50 anos”, explica Emídio Sousa. A câmara fica com total liberdade para arrendar, contratar, ceder ou fazer as parcerias que entender. Para o autarca, o Europarque, sendo bem gerido, “pode e deve ajudar a desenvolver e a estimular um tecido económico e industrial que é o mais exportador do país”. Eventos empresariais, iniciativas culturais, do Estado ou privados, que pagarão para usar o espaço, estão na lista.
Mas quem gere tem custos de manutenção. Emídio Sousa tem os números em cima da mesa e revela que as despesas de manutenção rondam os 300 mil euros por ano e que um estudo económico-financeiro assegura que uma facturação de cerca de 750 mil euros anuais suportará esses custos. “Nos anos menos bons, o Europarque facturava cerca de cinco milhões, nos últimos já andava pelo meio milhão de euros”, adianta.
O autarca da Feira está confiante. “Temos de ser ambiciosos, somos gente capaz de ir à luta. É um desafio, naturalmente com preocupações e com responsabilidades. O Europarque é um equipamento extraordinariamente importante para a região, não será muito difícil recuperá-lo para que seja o grande equipamento estratégico da região Norte. Fazemos bem e temos de ter orgulho de dizê-lo ao mundo”. Nesta transição, o centro de congressos manterá a programação já definida.
“Entregar o ouro ao bandido”
No início da semana, o Europarque reuniu-se, em assembleia-geral, e aprovou um plano de reestruturação em que o centro de congressos da Feira passou para a alçada do Estado pelos cerca de 30 milhões de euros pagos para liquidar a dívida da AEP. Uma medida que consta num acordo extrajudicial a ser celebrado com o Ministério das Finanças. A associação compromete-se a liquidar o remanescente da dívida ao Estado através da venda dos terrenos adjacentes à infra-estrutura que ainda possui.
Em causa está um aval de 35 milhões de euros executado pelos bancos ao fiador, neste caso, o Estado. A Associação Europarque assegura que o acordo extrajudicial “acautela os interesses das diferentes partes envolvidas, viabilizando a manutenção em funcionamento de um equipamento que foi construído a pensar no desenvolvimento da região Norte, na competitividade das empresas portuguesas e na dinamização económica”. E mostra-se disponível para apoiar a nova entidade gestora, a câmara feirense, “à luz da experiência acumulada ao longo dos últimos 19 anos”. Não especifica, porém, em que moldes. O PÚBLICO tentou obter esclarecimentos junto da AEP, mas sem sucesso dada a impossibilidade do presidente da estrutura Paulo Nunes de Almeida, que se encontra no estrangeiro por motivos profissionais.
Na quinta-feira, o Conselho de Ministros reconheceu o interesse público do projecto e, em comunicado, transmitiu que tinham sido disciplinados “os termos da aceitação da dação em cumprimento desse imóvel ao Estado, no âmbito do processo de recuperação de crédito do Estado decorrente das garantias concedidas a operações financeiras contraídas junto da banca”.
O Bloco de Esquerda (BE) reagiu às mudanças e procura respostas para algumas pontas soltas do processo. No dia de Carnaval, o líder da bancada parlamentar do partido, Pedro Filipe Soares, pediu esclarecimentos à ministra das Finanças. “Há explicações a dar sobre esse acordo extrajudicial, o que o Governo exige não é público. Já em 2011, o BE alertou para esta situação. O Governo deveria ter-se desvinculado de ser fiador porque as garantias que foram dadas nunca tiveram retorno, não aconteceu nada, as expectativas foram goradas”, diz ao PÚBLICO.
O dedo é apontado a Maria Luís Albuquerque. “A ministra, que acompanhou o processo ao longo do mandato deste Governo, sempre assobiou para o lado e não deu eco às críticas e com isso já pagámos mais 30 milhões de euros”. Os bloquistas não entendem como não há dinheiro para determinadas áreas, como a saúde e a educação, mas há para outras. “O Estado assume os custos de privados e não são privados quaisquer, são os patrões dos patrões que diziam que vivíamos acima das nossas possibilidades”, refere.
Um eventual envolvimento da AEP na nova vida do Europarque não é bem aceite. “Seria no mínimo estranho, seria entregar o ouro ao bandido”, acusa Pedro Filipe Soares que revela que o assunto será abordado na assembleia municipal da Feira marcada para a próxima sexta-feira. O BE defende o envolvimento de várias entidades no futuro do equipamento, do próprio Estado, dos municípios, mas com garantias devidamente salvaguardadas de forma a “evitar que o Europarque continue num processo de degradação de infra-estruturas e sem cumprir um objectivo social relevante”.
Nem hotéis, nem campo de golfe
Apesar das dúvidas quando o projecto foi erguido, no início a agenda ia ficando preenchida com eventos culturais, encontros empresariais, congressos partidários, uma cimeira da União Europeia em 2000, o sorteio do Europeu de Futebol em 2004, entre muitas outras iniciativas. E, num determinado momento, equacionou-se até a transferência da Exponor para o Europarque.
Em 2006, ainda com Ludgero Marques à frente da AEP, anunciava-se um projecto de expansão para o Europarque que era entregue à Agência Portuguesa para o Investimento (API). Era o primeiro Projecto de Interesse Nacional (PIN) da associação. Falava-se num investimento de 500 milhões de euros e da criação de 6150 postos de trabalho.
Ludgero Marques pedia celeridade na aprovação do projecto e deixava o recado: “Temos de ser visíveis para fora, muito mais do que para dentro”. As ideias fervilhavam num projecto com um centro de exposições cinco vezes maior, hotéis, um pólo tecnológico, um museu, incubadoras de empresas. O centro de congressos esticaria para uma área de 80 mil metros quadrados, esperava-se atrair um milhão de visitantes por ano. Nada disso saiu do papel. Mas a AEP insistiu, já sem Ludgero Marques na liderança.
Três anos depois, em Fevereiro de 2009, José António Barros, na altura à frente da associação, apresentava com pompa e circunstância um novo plano de expansão. “Um conceito inovador”, com a instalação de 150 a 200 empresas, unidades hoteleiras, uma escola e um campo de golfe com sete quilómetros de percurso de jogo, um centro comercial high tech, um centro hípico, um centro cultural e artístico. Previa-se a criação de 5000 postos de trabalho directos e indirectos, falava-se num investimento de 460 milhões e de um prazo de concretização de cinco anos.
Era este o motor de desenvolvimento da região Norte apresentado numa cerimónia no Europarque. Mais ideias ambiciosas que ficaram pelo caminho. Alguns meses depois, em Agosto de 2009, o homem que presidiu à apresentação dessa visão inovadora dizia o que pensava em voz alta. José António Barros afirmava que o Europarque era “um disparate”. “Foi e é um flop. Temos 14 anos de experiência para saber isso”, dizia durante um debate sobre o projecto de remodelação do Pavilhão Rosa Mota.
A afirmação não caiu bem em Santa Maria da Feira. Mas a verdade é que, quase seis anos depois, a AEP deixou mesmo de ser dona do Europarque. A associação também já saiu do Visionarium – Centro de Ciência do Europarque. Mantém-se dona do imóvel e cedeu a gestão à Insizium, uma empresa de novas tecnologias, por um prazo de cinco anos. E assim vai quase desaparecendo do território a sul do Porto.