Philip Levine (1928-2015): o poeta americano que deu voz aos operários

Autor de uma extensa obra poética que fez das vidas dos trabalhadores fabris um tema dominante, mas que se interessou também, por exemplo, pela guerra civil espanhola, Philip Levine foi um dos grandes poetas da sua geração. Em 1991, esteve em Portugal, na Casa de Mateus, onde a sua poesia foi vertida para português num seminário de tradução colectiva.

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Filho de imigrantes judeus russos, cresceu na zona industrial de Detroit, onde o pai, que morreu quando Philip Levine e o seu irmão gémeo tinham apenas cinco anos, montara um negócio de venda de peças de carros em segunda mão. Na Grande Depressão dos anos 30, ele próprio começará a trabalhar em fábricas de automóveis aos 14 anos, tal como o seu irmão gémeo Eddie, e quando se descobre como poeta – estimulado pela mãe, que trabalhava numa livraria –, é a este mundo do operariado industrial que irá querer dar voz.

Quando Levine se estreou no início dos anos 60 com livros como On the Edge (1961) ou Silent in America: Vivas for Those Who Failed (1965), a vida do proletariado industrial não era propriamente um tema comum da poesia americana. E o poeta de Detroit associava ao seu exótico interesse pela classe trabalhadora um registo de escrita igualmente pouco convencional, com uma forte dimensão narrativa, um autobiografismo bastante ostensivo e um estilo directo e despojado, mas mais inventivo e desconcertante, e por vezes complexo, do que pretendem os que censuram a alegada monotonia da sua obra.

Mais de vinte anos após a sua estreia, quando a prestigiada Atheneum publicou em Nova Iorque os seus Selected Poems (1984), uma escolha de poemas dos 15 títulos que o autor já então publicara, o poeta e crítico Edward Hirsch chamou a Philip Levine “um vasto e irónico Whitman do coração industrial [da América]”.

Mas a melhor definição da sua poesia talvez se encontre no título do seu 20.º livro, publicado em 1994, e que lhe valeu um prémio Pulitzer: A Simple Truth. Quando o livro saiu, o jornalista Russel Frank, do Los Angeles Times, elogiando a persistência temática do autor, lembrou que Levine “sentiu nos seus próprios ossos o efeito corrosivo do calor, do ar viciado, e das longas horas de trabalho duro e mal pago”. O modo como transportou essa experiência para a escrita levou um crítico a chamar-lhe “o poeta do turno da noite”.

Numa entrevista à Detroit Magazine, Levine explica que decidiu escrever sobre a vida dos operários quando trabalhava nas grandes fábricas de automóveis de Detroit nos anos 50, como a Chevrolet ou a Cadillac. “Vi que, de certo modo, as pessoas que trabalhavam comigo não tinham voz” e que, “no que dizia respeito à literatura dos EUA,  não estavam a ser ouvidas”. Foi então que, acrescenta, “assumi esse voto amalucado de falar por elas e de dedicar a isso a minha vida”.

Quando Levine era adolescente, na segunda metade dos anos 30, vários vizinhos da família em Detroit partiram para Espanha, decididos a combater os fascistas, e o futuro poeta seguiu atentamente os acontecimentos da guerra civil espanhola, que se tornaria outro tema recorrente da sua obra. Já em adulto, viveu dois anos em Espanha, cuja cultura e literatura o influenciaram decisivamente.

Licenciado pela Universidade de Wayne, em Detroit, em 1950, o poeta manteve durante alguns anos empregos manuais em fábricas, mas depois de frequentar na Universidade de Iowa os cursos de poetas como Robert Lowell ou John Berryman – que sempre considerou o seu grande mentor –, acabou por seguir uma carreira académica e deu aulas durante décadas na Universiadade de Fresno, na Califórnia, enquanto ia publicando regularmente novos livros de poesia, e também alguns volumes de ensaios.

Em 1991, Philip Levine esteve em Portugal com outros dois poetas americanos, Kenneth Koch e John Ashberry, para participar num seminário de tradução colectiva na Casa de Mateus, em Vila Real. O tradutor e ensaísta João Barrento e os poetas Albano Martins, Ana Hatherley, António Franco Alexandre, Egito Gonçalves, Fernando Guimarães, João Miguel Fernandes Jorge, João Rui de Sousa, Joaquim Manuel Magalhães e Pedro Tamen traduziram na ocasião os três poetas americanos, publicados depois em  pequenas antologias bilingues pela Quetzal. A de Philip Levine, com uma apresentação de Maria de Lourdes Guimarães, saiu em 1992 e chamou-se A Pura Verdade, título que prenunciava o do seu livro de 1994.

Além do Pulitzer, Levine recebeu vários outros prémios significativos, e em 2011 foi nomeado “poeta laureado” dos Estados Unidos. Reagindo à sua morte, a poetisa americana Carol Frost escreveu que “o território desta peosia está sempre a regressar a um centro, que é o elogio da pessoa comum, de um americano, provavelmente com pais imigrantes, que tendo ‘saído da camioneta/ no cruzamento de nada com nada’ [Frost cita aqui versos de Levine que traduzimos livremente], arranja maneira de encontrar o caminho de casa”.

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