Mulheres turcas dizem que islamização fez aumentar violência de género

O debate e as denuncias foram motivadas pela violação e assassínio de uma estudante de psicologia. Governo fala no regresso da pena de morte.

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Cartazes com o rosto de Ozgecan Aslan na manifestação de mulheres no sábado em Ancara ADEM ALTAN/AFP

"O nosso Estado é um Estado ‘macho’. Esperamos que o Parlamento trave o que está a acontecer", disse à Reuters Sevda Bayramoglu, da organização Iniciativa Mulheres pela Paz, acusando os homens de matarem, violarem e torturarem as mulheres e ficarem impunes.

A campanha para chamar a atenção sobre o que se está a passar na Turquia foi motivada por um crime, mais um — os próprios dados oficiais dizem que a violência contra as mulheres aumentou na última década, coincidindo com a governação do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) do Presidente Recep Erdogan; no ano passado 300 mulheres forma mortas por homens e mais de cem foram violadas.

Ozgecan Aslan, que tinha 20 anos, foi assassinada na semana passada. Esta estudante de psicologia ia a caminho de casa quando o condutor de um minibus a tentou violar. Perante a resistência da mulher, o condutor agrediu-a na cabeça com um objecto metálico e apunhalou-a.

Asalan foi dada como desaparecida a 11 de Fevereiro, tendo a polícia encontrado o seu corpo a 13. O condutor, o pai dele e um amigo foram detidos e acusados pelo crime. O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, prometeu punir os responsáveis pelo crime. Mas as organizações de defesa dos direitos das mulheres e feministas, assim como a oposição secular, consideram que a morte da estudante é um sintoma de uma mudança que está a ser orquestrada pelo próprio Governo.

"Isto é o resultado da atmosfera de radicalização islâmica que este Governo criou", disse Zeynep, uma das milhares de mulheres que no fim-de-semana se manifestaram em toda a Turquia contra a violência de género e em homenagem a Ozgecan Aslan. "Os homens dizem que as mulheres têm que ser mais conservadoras, que merecem este tipo de violência", disse.

"Por um lado, estou furiosa com o que aconteceu. Por outro, tenho medo que uma coisa assim me possa acontecer a mim ou às minhas amigas", disse à Reuters outra manifestante, Bulay Dogan. Nas principais cidades turcas, as manifestantes gritaram uma só palavra de ordem: "Basta! Acabemos com o assassínio de mulheres".

O Partido de Erdogan, no poder desde 2002, tem raízes no islamismo e o Governo é classificado como conservador-islamista. Em Novembro do ano passado, o Presidente fez um discurso num colóquio sobre Justiça e Mulheres — ao qual assistia uma das suas filhas, Sumeyye Erdogan — em que clarificou a nova política oficial em relação às mulheres. Disse Erdogan que há diferenças biológicas entre mulheres e homens e que, por isso, as mulheres não podem realizar certas tarefas ou funções — "Por causa da natureza delicada delas". A igualdade homem-mulher é "anti-natural", disse.

"A nossa religião — prosseguiu — definiu um papel para as mulheres: a maternidade. (...) Algumas pessoas entendem isto, outras não conseguem. Não podemos explicar que é assim às feministas porque elas não percebem o conceito de maternidade".

Já no primeiro dia deste ano, e ao visitar a maternidade onde nasceu o primeiro bebé turco de 2015, o ministro da Saúde, Mehmet Müezzino, reforçou a visão oficial do Governo sobre as mulheres: as mulheres devem ter filhos e a única carreira que as mães devem ter é cuidar dos filhos. "As mães têm a carreira da maternidade. As mulheres que são mães não devem tentar ter outra carreira".

O líder do Partido Republicano do Povo (oposição laica e social-democrata), Kemal Kiliçdaroglu, disse que o aumento da violência contra as mulheres é o resultado da "moral religiosa" e de género do partido no poder. "O AKP chegou ao poder argumentando que a moralidade estava pelas ruas da amargura, mas a verdade é que tanto a moral como a democracia perderam muito terreno nos últimos anos".

Erdogan visitou a família de Ozgecan Aslan e levou as suas filhas com ele, relatou a agência turca Anatolia. Pouco depois o Governo anunciou que vai realizar uma grande campanha de prevenção da violência contra as mulheres. E alguns dos seus ministros responderam à violação e assassínio da estudante de psicologia dizendo que este crime justifica que se considere o regresso da pena de morte na Turquia. "Não tanto como ministra e mais como mãe penso que este género de crime deve ser punido com a morte", disse a ministra da Família e única mulher no Governo, Aysenur Islam. Uma petição exigindo uma "punição exemplar" para os autores do crime já tem 700 mil assinaturas.
 

   

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