"Um vislumbre de esperança" foi a missão possível de Merkel e Hollande
Um cessar-fogo marcado para o fim-de-semana no meio de um cerco à cidade de Debaltseve é a principal conquista do acordo assinado em Minsk ao fim de 16 horas de negociações.
Ao fim de 16 horas fechados no imponente Palácio da Independência, na capital da Bielorrússia, a chanceler alemã e os presidentes de França, Rússia e Ucrânia escolheram formas diferentes para transmitirem a mesma mensagem: o máximo que se pode fazer por agora no Leste ucraniano é o que já se tentou fazer em Setembro do ano passado, sem sucesso, quando as partes em confronto assinaram um primeiro memorando de entendimento, também em Minsk.
O acordo negociado entre quarta e quinta-feira tem 13 pontos e o seu principal objectivo é resgatar o documento assinado em Setembro do fundo do poço para onde foi atirado quase desde a primeira hora. Estão lá os pontos que ninguém põe em causa publicamente – a integridade territorial e a soberania da Ucrânia; a necessidade de criar um estatuto diferenciado para o território conquistado pelos rebeldes pró-russos nas províncias de Donetsk e Lugansk; e uma troca de prisioneiros entre ambas as partes.
Acima de tudo – e esse é o seu principal mérito, como assinalou o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko –, o memorando anunciado na manhã de quinta-feira estabelece um cessar-fogo incondicional a partir da noite de sábado para domingo.
Ainda que a situação de fundo não venha a ser resolvida nos próximos meses, o eventual sucesso deste acordo será um balão de oxigénio para a população civil do Leste da Ucrânia, principalmente nas cidades controladas ou cobiçadas pelos rebeldes pró-russos, como Donetsk, Lugansk ou Debaltseve – de acordo com o ponto 8 do documento, o Governo ucraniano compromete-se a "restabelecer laços económicos com as áreas controladas pelos rebeldes, incluindo o pagamento de pensões e outras prestações", cuja interrupção tem contribuído para a crise humanitária na região.
Clima de desconfiança
No fim da maratona negocial de quarta para quinta-feira, os líderes dos rebeldes pró-russos repetiram as cautelas com que todos os intervenientes classificaram o acordo. Alexander Zakarshenko, em nome dos separatistas de Donetsk, disse que o documento "abre a porta a uma solução pacífica e ao desenvolvimento das repúblicas" do Leste da Ucrânia; o principal líder dos separatistas de Lugansk, Igor Plotnitski, assumiu um tom mais paternalista: "Vamos dar uma oportunidade à Ucrânia para que o país possa mudar a sua Constituição e a sua atitude."
Ainda assim, Zakarshenko depositou toda a responsabilidade pelo eventual fracasso do acordo nas mãos do Presidente Petro Poroshenko, deixando uma promessa: "Todos os pontos exigem uma aprovação adicional, e por essa razão não haverá mais reuniões nem novos acordos se eles forem violados."
A chanceler alemã, Angela Merkel, disse mesmo que não tem "ilusões" sobre a tarefa que todos têm pela frente, e não foi além de um "vislumbre de esperança" para descrever o resultado de uma semana de intensa actividade diplomática e 16 horas de duras negociações.
O Presidente francês, François Hollande, reconheceu que ainda há "muito trabalho pela frente", e até a boa notícia dada pelo Presidente ucraniano soou a mau prenúncio para uma solução a longo prazo: "O mais importante que conseguimos alcançar é que entre sábado e domingo será declarado um cessar-fogo geral e sem quaisquer condições."
NATO como pano de fundo
De todos os líderes, o menos desiludido parecia ser Vladimir Putin: "Não foi a melhor noite que passei, mas é uma boa manhã", disse o Presidente russo na primeira vez que falou aos jornalistas após a maratona negocial.
Para a analista Masha Lipman, do European Council on Foreign Relations, se alguém ganhou alguma coisa com o acordo foi Vladimir Putin. "A Rússia não vai largar a Ucrânia, porque isso iria contra os principais objectivos de Putin quando lançou esta crise. Este acordo não apresenta nenhum obstáculo à política russa de impedir o desenvolvimento da Ucrânia", disse a analista ao site Bloomberg News.
Esta semana, em entrevista ao jornal egípcio Al-Ahram, o Presidente russo acusou os Estados Unidos e "os seus aliados no Ocidente" de serem os responsáveis pela actual crise na Ucrânia, apontando o dedo em particular ao alargamento da NATO ao Leste da Europa, contrariando "as promessas feitas às autoridades soviéticas".
Os restantes pontos do memorando anunciado na manhã de quinta-feira (que começa a ser conhecido como Minsk 2) também não constituíram uma grande surpresa, mas a incerteza quanto à sua concretização mantém-se inalterada, principalmente nos pontos sobre o estabelecimento da área controlada por ambos os lados e o futuro estatuto político das regiões de Donetsk e Lugansk.
No terreno, a situação mais complicada – e para a qual ninguém apresentou uma solução imediata – regista-se em Debaltseve, um importante nó ferroviário entre as cidades de Donetsk e Lugansk, controladas pelos separatistas. Os rebeldes pró-russos já fizeram saber que não estão dispostos a recuar e a desfazer o cerco a Debaltseve, onde se encontram milhares de soldados ucranianos – nesta quinta-feira, já depois do anúncio do acordo em Minsk, um porta-voz dos separatistas, Eduard Basurin, disse à agência Reuters que o cessar-fogo só será cumprido se as tropas ucranianas se renderem.
Depois da entrada em vigor do cessar-fogo, na noite de sábado para domingo, o Governo ucraniano e os separatistas pró-russos terão de afastar o seu armamento da linha da frente para que possa ser criada uma zona-tampão, com o objectivo de poupar os civis a mais bombardeamentos.
Ao contrário do que tinha sido acordado em Setembro do ano passado, quando foi pedido às duas partes que recuassem cada uma 15 quilómetros, desta vez o plano varia consoante o tipo de armamento – 25 quilómetros de cada lado para sistemas de artilharia de calibre superior a 100mm; 35 quilómetros para plataformas de lançamento de rockets; e 70 quilómetros para os sistemas com maior alcance, como os Tornado-S, Uragan ou Smerch.
Se os pontos aparentemente mais simples são ainda assim muito complicados, por causa da volatilidade no terreno, a ideia de uma paz duradoura no Leste da Ucrânia ganha contornos de missão impossível, quando se começa a discutir assuntos como o futuro estatuto político das províncias separatistas, a realização de eleições nessas províncias "de acordo com a lei da Ucrânia", ou o regresso do controlo da fronteira com a Rússia para as mãos da Ucrânia até ao final do ano.