As actrizes continuam a ter um problema de protagonismo em Hollywood

Fosso entre homens e mulheres nos principais papéis do cinema aprofundou-se em 2014 – só 12% dos filmes tiveram protagonistas femininas.

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Lucas Jackson, Suzanne Plunkett, Toby Melville - Reuters e Robin Marchant/Getty/AFP

Não só os dados do mais recente estudo do Center for the Study of Women in Television and Film (CSWTF) mostram que há menos 4% de filmes protagonizados por actrizes do que em 2002, como evidenciam que no último ano, apesar de as próprias actrizes estarem a subir o volume das suas críticas às disparidades de género em Hollywood, a quebra foi igualmente acentuada. Mesmo com Katniss Everdeen, a valiosa heroína interpretada por Lawrence no filme mais rentável do box-office norte-americano (o maior mercado do sector no mundo) em 2014, com a Lucy de Johansson, com a Tris de Shailene Woodley em Divergente ou com a Tammy de Melissa McCarthy a ganhar na bilheteira.

São as excepções à regra, que se faz sobretudo de jovens mães, namoradas ou mulheres, e não de heroínas ou profissionais de sucesso. “Há um desligamento ou uma distância crescentes entre o que podemos percepcionar como sendo o actual estatuto das mulheres no cinema e o seu verdadeiro estatuto. Um punhado de casos muito mediáticos pode enviesar a forma como pensamos”, avisa, citada pela revista Variety, a directora executiva do CSWTF e autora do estudo anual, Martha Lauzen. Ou seja, o cinema não é mais paritário só porque Meryl Streep tem trabalho todos os anos.

O levantamento abrange 23 mil papéis em 100 filmes e não só conclui que há um problema de protagonismo para as actrizes, mas também outros subjacentes. A começar pela diversidade racial – só 11% de todas as personagens interpretadas por actrizes em 2014 nos filmes made in Hollywood eram negras e só 4% eram latinas ou asiáticas.

Em Hollywood, os homens também tendem a ser mais representados como trabalhadores, com 85% das personagens a terem profissões facilmente identificáveis no filme contra 75% para as mulheres; e 58% das personagens femininas foram identificadas pelas suas funções na vida pessoal (mães, mulheres, namoradas) contra apenas 31% dos papéis masculinos. “É uma pena que estas crenças continuem a limitar a relevância da indústria no mercado actual”, lamenta Lauzen.

Em 2014, o ano em que Cate Blanchett aproveitou o discurso de vitória do Óscar de Melhor Actriz para lembrar que os filmes liderados por mulheres não são nichos nas bilheteiras, houve então menos 3% de papéis principais femininos no cinema americano de sucesso do que em 2013. E as candidatas a um potencial Óscar de Actriz Secundária não estão mais protegidas do risco de desaparecimento dos papéis que lhes dão trabalho: o estudo mostra ainda que entre as personagens secundárias nos mesmos filmes só 29% foram para mulheres.

No que toca às idades, tema amplamente discutido quando em Outubro Renée Zellweger (45 anos) viu o seu rosto examinado ao milímetro pela Internet e que esta semana voltou a ser convocado para a discussão graças às feições de Uma Thurman (44 anos), o cenário não favorece as actrizes. O estudo do CSWTF foi publicado no mesmo dia em que Thurman foi fotografada na apresentação da sua nova série de televisão – estava diferente, noticiou-se, mas esta quinta-feira a actriz apareceu igual a si mesma na TV. "Parece que ninguém gostou da minha maquilhagem." O seu maquilhador, Troy Surratt, explicou que abdicou de máscara nas pestanas, apostou numa forte sobrancelha, o que teve um efeito de lifting, e usou tons naturais na pálpebra.

Ainda assim, já se tinha gerado novo debate sobre a pressão sofrida pelas actrizes na indústria, que parece glorificar a eterna juventude. Feminina. E os dados recolhidos sobre os filmes mais rentáveis de 2014 parecem corroborar uma dessas teses que advoga que as actrizes com mais de 40 anos têm opções limitadas para trabalhar.

De acordo com as contas feitas pelo centro da Universidade Estadual de San Diego, no grande ecrã elas são mais jovens do que eles. Cinquenta e três por cento das personagens femininas estão na casa dos 20 ou 30 anos (30% e 23%, respectivamente) e a mesma percentagem é válida para os papéis masculinos – só que eles encarnam personagens de 40 anos. “Pelos padrões de Hollywood acho que já corri um grande risco por não ter feito um facelift”, disse ao jornal Mail on Sunday Julia Roberts, 47 anos e um Óscar (2001, por Erin Brockovich) na esteira da polémica Zellweger.

A ela, que é muitas vezes chamada para a discussão cultural sobre idade, imagem e actrizes, têm-se juntado outras vozes directamente da passadeira vermelha, um dos locais-símbolo da análise a que são submetidas as actrizes – e não tanto os actores. Em plena temporada de prémios de 2014, o movimento de sensibilização para a desigualdade de género Representation Project lançou nas redes sociais a hashtagaskhermore”, uma chamada de atenção para a possibilidade de as actrizes, cantoras, realizadoras e afins poderem responder a mais perguntas do que “Quem desenhou o seu vestido”. Os Globos de Ouro deste ano, apresentados por Tina Fey e Amy Poehler, foram recheados de mensagens feministas. E também em Janeiro as nomeadas para o Óscar Julianne Moore e Reese Witherspoon e a popular Jennifer Aniston se recusaram a disponibilizar para escrutínio global mais uma parte dos seus corpos – as mãos, rejeitando à entrada dos Screen Actors Guild Awards desfilar os seus dedos na Mani Cam do Canal E! para se analisarem unhas e jóias. Na mesma cerimónia, mas no ano passado, Cate Blanchett criticava em directo o canal pelo facto de estar a ser milimetricamente filmada dos pés à cabeça, enquanto era entrevistada. “Fazem isso aos homens?” 

Soluções? O mesmo CSWTF lançou em Janeiro o estudo Celluloid Ceiling que mostra que só 7% dos 250 filmes mais rentáveis nos EUA foram realizados por uma mulher em 2014 – número que também está em queda (menos 2%) nos últimos 17 anos. Nenhuma delas está nomeada para o Óscar a entregar dia 22. “O género do realizador é incrivelmente importante, porque a investigação mostra que está relacionado com a percentagem de personagens femininas que vemos no ecrã”, contextualizou na altura à Reuters Marta Lauzen sobre os dados que evidenciam que nos filmes com pelo menos uma realizadora ou argumentista as mulheres têm mais papéis. “Temos de ter maior diversidade nos bastidores para as coisas mudarem”, completou agora na Variety.  

Contudo, nem sempre isso resulta. Subindo uns degraus na escada da indústria, chegamos a Amy Pascal, que até há uma semana era uma das mulheres mais poderosas de Hollywood – foi despedida há sete dias, passando ao cargo de produtora. No ano passado era ainda co-presidente da Sony Pictures e dizia querer fazer filmes com mulheres no centro e não apenas “casadas com alguém, ou sua irmã, ou namorada”.

O escândalo do ataque informático à Sony revelou o seu ordenado – era única mulher dos 16 principais executivos do estúdio e a única que recebia mais de um milhão de dólares por ano – e o que pagava às actrizes – Jennifer Lawrence recebia muito menos do que os seus co-protagonistas masculinos de Golpada Americana. Vieram também a público os seus emails – incluindo uma troca de comentários racistas com o produtor Scott Rudin sobre o Presidente Obama. Na quarta-feira, Pascal deu uma entrevista na conferência Women in the World em que falou sobre essas mensagens. “Foi horrível. Como mulher, o que fazia era controlar como toda a gente se sentia em relação a si mesma, mas também quanto a mim… e houve um momento horrível em que percebi que não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer quanto a magoar pessoas, a trair pessoas”, justificou sobre a gestão das relações internas.

E sobre Jennifer Lawrence garantiu que “desde então” já pagou “muito dinheiro” à actriz. “O problema é este: eu giro um negócio. As pessoas querem trabalhar por menos dinheiro, eu pago-lhes menos dinheiro… As mulheres não deviam ser tão gratas. Saibam o que valem. Afastem-se [se o negócio não agradar]”, apelou. 

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