Problemas das paragens de autocarro de Lisboa "são tantos que dava para chorar"

A equipa do Plano de Acessibilidade do Município quer novos abrigos, com condições para os cidadãos com mobilidade reduzida, mas a Carris lembra que quem mantém esses equipamentos os vê “como suportes publicitários”

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Rui Gaudêncio

Na conferência sobre acessibilidade aos transportes públicos que se realizou esta quinta-feira, Carlos Rua deu a conhecer uma das soluções que a equipa do plano, desenvolvido sob a alçada do pelouro dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, gostaria de ver surgir na capital. O modelo apresentado inclui um abrigo onde os passageiros podem sentar-se e proteger-se do sol e da chuva, mas com uma particularidade: esse abrigo tem uma abertura numa das extremidades, destinada à entrada dos cidadãos invisuais.

Na extensão dessa abertura, a ideia é que seja colocado um piso táctil (alternando um material estriado com um liso), que faça o “encaminhamento” entre “o percurso pedonal e a plataforma da paragem”. Para garantir que quem anda de cadeira de rodas e entra no autocarro pela porta traseira também tem lugar no abrigo, propõe-se que a sua extensão seja superior à habitual.

Já atrás da paragem, o ideal será que haja “um canal livre de obstáculos” com 1,5 metros, como explicou Carlos Rua. Este elemento da equipa do PAP acrescentou que sempre que possível as paragens devem ser paralelas à estrada (restringindo-se aquelas que são em recorte às vias de grande tráfego) e as “faixas de acostagem” devem ser reforçadas, para evitar a sua deformação.

“É bom para toda a gente”, constatou o técnico, sublinhando que hoje em dia os problemas existentes nas paragens de autocarro “são tantos que dava para chorar”. O estacionamento abusivo nos recortes é “o mais recorrente”, mas Carlos Rua não esquece outros, como a existência de abrigos em zonas de estacionamento, de árvores e outros obstáculos na saída dos veículos ou de passeios demasiado curtos.

O director da Unidade de Controlo Operacional e Planeamento de Rede da Carris reconheceu que “há algumas necessidades de ajustamento”, salientando no entanto que a decisão quanto à localização das paragens é tomada pelos serviços da câmara, e não pelo operador. José Maia admitiu também a existência de “alguns problemas” ao nível das rampas para cadeiras de rodas existentes em 346 dos 619 autocarros da frota, mas garantiu que está a ser feito “um forcing ao nível a manutenção” e que vão ser adquiridas novas rampas para permitir “uma substituição rápida” em caso de avaria.

Em relação aos abrigos, o dirigente da Carris lembrou que “quem suporta e mantém os abrigos” são dois concessionários (a JCDecaux e a Cemusa), que os vêm acima de tudo “como suportes publicitários”. “Nesta altura, em que a publicidade está em baixa, não acho que vá ser colocado nenhum novo abrigo”, afirmou José Maia, acrescentando que se está aliás “a assistir a uma degradação dos abrigos, que têm menos manutenção”.

O coordenador do PAP, Pedro Homem de Gouveia, também destacou que “como não há dinheiro para tudo”, que é como quem diz para promover a criação de abrigos nas paragens que não os têm e para substituir os existentes por outros mais acessíveis, é preciso “definir prioridades de investimento”.

Para garantir que essas prioridades são estabelecidas com base num “modelo cientificamente provado”, um outro elemento da equipa do PAP dedicou-se a mapear uma série de variáveis que podem ser importantes na hora de definir que paragens de autocarro devem ser adaptadas em primeiro lugar. Cruzando a concentração de paragens com a densidade populacional e com a existência de pólos geradores de tráfego pedonal, Pedro Morais concluiu que Cais do Sodré/Baixa/Santa Apolónia, Marquês de Pombal/Av. Fontes Pereira de Melo, Av. Almirante Reis, Benfica e Alcântara devem estar à cabeça da lista.

Na conferência que se realizou esta quinta-feira foram vários os oradores a destacar que a acessibilidade aos transportes públicos deve ser garantida em vários pontos, que vão desde o caminho até à paragem/estação até à chegada ao destino final, passando pela circulação dentro da interface, pela entrada e saída no veículo e pela mobilidade dentro do mesmo.

Para Diogo Martins, um cidadão com mobilidade reduzida que há vários anos estuda a questão da acessibilidade aos transportes públicos em vários pontos do globo, Lisboa tem um atraso de duas a três décadas a ultrapassar. Não tanto, considera este informático, em matéria de “acessibilidades físicas” (como sejam rampas de acesso aos veículos), mas sim em termos de “planeamento e da forma como se trabalha”. Falta, concluiu este orador, “uma visão global do problema e da solução”.

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