Defesa de Sócrates acusa procurador de querer usar “provas proibidas”
Advogados do ex-governante argumentam que eventuais dados enviados por bancos estrangeiros não são lícitos como prova à luz do Regime Extraordinário de Regularização Tributária, usado por Santos Silva.
“A prova, não se sabe qual ou de quê, que a investigação possa procurar em diligências junto de bancos e autoridades estrangeiras pode ingressar na qualidade de prova proibida, face ao que dispõem os artigos 5.º, número 5 do Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT) I, II e III”, dizem os advogados no recurso.
Em causa está o envio por parte das autoridades suíças de informação bancária que poderá desvendar o circuito do dinheiro que permitia a Sócrates manter uma vida de luxo, segundo foi noticiado por vários media.
Ao reconstruir o caminho do dinheiro, os investigadores terão esbarrado em vários milhões de euros que, segundo noticiou então o semanário Sol, se encontravam depositados em contas do banco suíço UBS em nome de várias contas offshore. Estas seriam controlados pelo amigo de infância do ex-primeiro-ministro Carlos Santos Silva, empresário também em prisão preventiva neste caso.
Porém, para os advogados, que sublinham desconhecer os factos pelos quais Sócrates está indiciado, esses dados não são admissíveis em tribunal. A amnistia fiscal implica que quem transfere para Portugal dinheiro depositado no exterior ao abrigo deste regime, não pode ser alvo de processo-crime por isso.
“Nos limites do presente regime, a declaração de regularização tributária não pode ser, por qualquer modo, utilizada como indício ou elemento relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário, criminal ou contra-ordenacional, devendo os bancos intervenientes manter sigilo sobre a informação prestada”, referem as leis que estabelecem os regimes.
O RERT foi criado pelo primeiro Governo de Sócrates, em 2005, e repetiu-se em 2010, no segundo Governo de Sócrates, e em 2012, já com Passos Coelho.
Em Dezembro do ano passado, por exemplo, foi arquivado o inquérito que corria há oito anos sobre a alegada corrupção no negócio de venda de dois submarinos por um consórcio alemão ao Estado português.
Num comunicado, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal admitia ter sido possível “apurar o recebimento de alguns montantes [luvas]”, mas sublinhava que “sem recurso aos dados contantes do RERT não há elementos probatórios que permitam inferir quem eram os beneficiários” até porque “o RERT inviabiliza a possibilidade de incriminação a título de fraude fiscal, através do recurso ao conteúdo do RERT”.
Sócrates está indiciado por fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais, crime que necessita de outro na sua origem para que seja provado. O Ministério Público (MP) já se terá pronunciado sobre o recurso, insistindo na prisão preventiva. O recurso subirá entretanto para a Relação de Lisboa, onde volta a ser apreciado pelo MP e, por fim, por juízes.
Habeas corpus rejeitado
Contudo, o MP, que investiga neste processo factos que terão ocorrido entre 2000 e 2005, acredita que Carlos Santos Silva seria um testa-de-ferro, movimentando dinheiro de Sócrates que terá tido origem em actividades ilícitas, nomeadamente no pagamento de luvas.
Segundo o que tem sido noticiado, Santos Silva aderiu ao RERT em 2009 para passar alguns milhões do USB para o BES. Em vez dos habituais 50% de impostos, o diploma permitiu que pagasse apenas 5%, isto é, em vez de pagar ao Estado 10 milhões de euros, terá pago um milhão. Já em 2005, terá entrado também outra tranche em Portugal vinda de uma conta offshore de Carlos Santos Silva.
Nestes tipo de casos, a legalização deste dinheiro custou aos seus titulares uma pequena penalização, muito inferior ao que teriam de pagar em impostos se os tivessem declarado fora deste regime.
No longo recurso, a defesa de Sócrates sublinha também estar em causa o direito constitucional de defesa, já que, diz, não foi informada das circunstâncias de tempo, lugar e modo nem dos elementos do processo que indiciam os factos imputados. Por isso, mesmo o recurso quase não coloca em causa factos, criticando mais a forma como decorreram as diligências, invocando nesse âmbito várias nulidades e inconstitucionalidades.
Ao mesmo tempo, João Araújo e Pedro Delille criticam a actuação do juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, que determinou a prisão preventiva de Sócrates há mais de dois meses. Os advogados consideram que o magistrado violou o princípio de reserva do juiz e o dever de fundamentar a decisão. Para a defesa, Carlos Alexandre não foi imparcial e apoiou a tese do Ministério Público sem fazer um juízo próprio sobre o processo.
Sócrates “encontra-se, pois, preso mercê de uma decisão ilegal, injusta e injustificada, e sem pronúncia autónoma do juiz”, diz a defesa que, contudo, desde o início recusou recorrer à interposição de um habeas corpus, um tipo de acção judicial junto do Supremo Tribunal de Justiça que consiste num pedido urgente de libertação imediata de alguém que flagrantemente estará preso de forma ilegal. O Supremo rejeitou até agora todos os habeas corpus interpostos por cidadãos relativos a Sócrates. Esta quarta-feira, os juízes do STJ recusaram mais um.