FCT vai dar mais bolsas de doutoramento este ano mas mantém a política de cortes
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a principal financiadora do sistema científico português, anunciou nesta quinta-feira os resultados das bolsas de doutoramento e pós-doutoramento.
Para se compreender esta tendência de cortes, é preciso ter em conta os novos programas doutorais da FCT, lançados em 2013. Geridos pelas universidades, estes programas é que escolhem os candidatos a quem vão dar as bolsas que a FCT lhes atribuiu em pacote. Em 2013, foram atribuídas 431 bolsas de programas doutorais e no concurso de 2014 “cerca de 600”, lê-se no site da FCT. Este último acréscimo deve-se aos novos programas doutorais que não estavam abertos em 2013 e foram iniciados em 2014.
Assim, se no concurso de 2013 foram atribuídas um total 873 (442 eram bolsas individuais) para os dois tipos de bolsas de doutoramento, no concurso de 2014 o conjunto dessas bolsas atingiu cerca de 1003. De um ano para o ano, houve mais 130 bolsas. Mas se andarmos para trás no tempo, quando ainda não existiam bolsas dos programas doutorais, vê-se que no concurso de bolsas individuais de 2011 foram atribuídas 1548 bolsas. E no de 2012, quando a tendência de queda se acentuou, foram 1198. Os resultados conhecidos nesta quinta-feira continuam abaixo dos números de há dois anos.
Quanto às bolsas individuais de pós-doutoramento, a tendência continua a ser de descida. No concurso de 2011 atribuíram-se 688 bolsas destas, em 2012 foram 677 e em 2013 e 2014, como já se referiu, 496 e 465, respectivamente.
Os últimos valores ficam longe do auge do financiamento para ciência em Portugal, em 2007, quando houve 2031 bolsas de doutoramento e 914 de pós-doutoramento. Desde 2010, acompanhando o início da austeridade, que o número de bolsas de doutoramento começou a cair. Nessa altura, José Sócrates ainda era primeiro-ministro e José Mariano Gago ministro da Ciência.
Os valores agora conhecidos não são os finais, já que os candidatos podem reclamar. Nesta quinta-feira soube-se ainda que também foram atribuídas 15 bolsas de doutoramento em empresas, menos três do que no ano passado.
Um ano de crise
Os resultados do concurso de 2013 das bolsas individuais, anunciados em Janeiro de 2014, iniciaram um ano de protestos contra a política de ciência do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, da secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, e do presidente da FCT, Miguel Seabra.
Na altura, o número de bolsas anunciado foi significativamente inferior ao que, depois de alguns acertos, veio a ser o número final. No caso dos doutoramentos, foram inicialmente atribuídas apenas 298 bolsas. Mesmo tendo em conta as bolsas dos programas doutorais dadas em 2013 (431 bolsas, o que dava um total de 729), houve uma descida de quase 40% em relação ao concurso de 2012. Nas bolsas de pós-doutoramento, a queda ainda foi mais precipitada. Houve 2322 candidatos, o máximo de sempre, mas apenas 233 cientistas obtiveram as bolsas, o que representou uma diminuição de 65% em relação a 2012.
Numa altura em que já existia um mal-estar latente entre a comunidade de cientistas, quer a nível dos laboratórios quer a nível das universidades, devido a três anos de austeridade, os resultados das bolsas levaram uma parte da comunidade científica a indignar-se. Em finais de Janeiro, uma manifestação com centenas de bolseiros, investigadores e professores universitários marchou por Lisboa entre a sede da FCT e a residência oficial do primeiro-ministro.
Como resposta às inúmeras críticas, a FCT anunciou no mês seguinte que ia atribuir mais de três centenas de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Em Março, souberam-se os números: haveria 101 bolsas de doutoramento e 205 bolsas de pós-doutoramento.
Mas a contestação à política científica voltou em força em Julho, depois de se conhecer os resultados da primeira fase da avaliação dos centros de investigação, em que 48% dos 322 avaliados tiveram má nota – “insuficiente”, “razoável” e “bom”.
Esta avaliação, feita pela European Science Foundation (ESF) contratada pela FCT, serviu para averiguar a qualidade das unidades e determinar o financiamento anual destas para despesas de funcionamento e estratégicas de 2015 a 2020. Os resultados da primeira de duas fases da avaliação significavam que quase metade dos centros não teria nenhum ou praticamente nenhum dinheiro. E a contestação às políticas do Governo aumentou de tom a partir daqui, sobretudo quando ao longo do resto do ano foram sendo conhecidos mais pormenores sobre o processo de avaliação, nomeadamente sobre a definição à partida, antes da avaliação, de uma quota de eliminação de metade dos centros.
Os números divulgados ao final da tarde desta quinta-feira, que não suscitaram então reacções, mantêm as tendências para apertar o cinto também na investigação científica.