Objectivos do Milénio em exame: derrotas e conquistas
Sobram críticas sobre diversos aspectos, incluindo sobre a qualidade do processo. Fátima Proença, da Associação para a Cooperação entre os Povos, dá o exemplo das vacinas. “Num momento, diz-se: 'As crianças estão todas vacinadas.' Como? Há trabalho de continuidade ou foi uma campanha internacional?”
Apesar de tudo, Ban Ki-Moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), está convencido de que os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio “fizeram uma enorme diferença”. Di-lo no arranque do relatório que serve de balanço dos compromissos assumidos por 191 países, que abaixo se cita.
Menos pobreza extrema
Caiu para metade a pobreza mais extrema desde 1990. Nesse ano, quase metade da população das regiões em vias de desenvolvimento vivia com 1,25 dólares por dia. Em 2010, 22%. A maior parte dessas 1,2 mil milhões de pessoas morava no Sul da Ásia ou na África Subsariana. A Índia acolhia um terço. Nessa lista, seguiam-se a China (13%), a Nigéria (9%), o Bangladesh (5%) e a República Democrática do Congo (5%).
O panorama ainda é intolerável. A fome crónica diminuiu, mas continua a afectar uma em cada oito pessoas no Mundo. E em 2013 o planeta atingiu um máximo histórico de 51 milhões de pessoas deslocadas, por força dos conflitos armados, com destaque para a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo, o Mali, a Síria, a fronteira entre Sudão do Sul e Sudão.
Educação primária mais universal
Apregoam-se progressos: os países em desenvolvimento na Ásia Oriental, no Sudoeste Asiático, no Cáucaso e na Ásia Central, na América Latina e nas Caraíbas aproximaram-se da educação primária universal. A taxa de matrícula líquida ajustada passou de 83 para 90% entre 2000 e 2012. Metade das crianças privadas de ensino primário vive em zonas de conflito. A África Subsariana concentra 44% delas.
Igualdade de género mais efectiva
A desigualdade de género aumenta à medida que se sobe de nível de ensino. Os rácios de matrícula de raparigas já não são tão distintos dos rácios de matrículas de rapazes no ensino primário, mas ainda são bem inferiores no ensino superior na África Subsariana e no Sul da Ásia.
Persiste a disparidade no mercado de trabalho, embora tenha diminuído ao longo dos anos. Além de ganharem menos, as mulheres têm menos probabilidades de emprego. Temos mais hipóteses de as encontrar a trabalhar a tempo parcial ou numa situação de subemprego. “As diferenças são particularmente notáveis no Norte de África e no Sul da Ásia”, lê-se no relatório.
Apesar de continuarem a assumir o grosso das tarefas relacionadas com a família e a casa, o que coloca problemas de conciliação com outras esferas da vida, é cada vez maior a participação política das mulheres. Em Janeiro de 2014, preenchiam 21,8% dos lugares parlamentares. Em 46 países representavam mais de 30%. Havia, porém, cinco países sem qualquer mulher no parlamento.
Baixou a mortalidade infantil
A taxa de mortalidade dos menores de cinco anos está a descer mais depressa do que antes. Caiu 1,2% entre 1990 e 1995 e 3,9% entre 2005 e 2012. Menos seis milhões de crianças morreram em 2012, em comparação com 1990. Mas a Oceânia, a África Subsariana, o Cáucaso, a Ásia Central e o Sul da Ásia não conseguiram reduzir em dois terços a taxa de 1990, como tinha sido acordado.
Morrem, amiúde, de males curáveis. A maior parte das mortes foi provocada por doenças infecciosas, com destaque para a pneumonia, a diarreia e a malária. A mais elevada taxa do mundo é a da África Subsariana – “16 vezes a média das regiões desenvolvidas”. Uma em cada dez crianças ali nascidas não chegava a completar cinco anos em 2012.
Serviço de saúde reprodutiva longe de ser universal
Os factos são crus: “Quase 300 mil mulheres morreram em todo o mundo em 2013 por causas relacionadas com gravidez e parto”; “a proporção de nascimentos assistidos por pessoal de saúde qualificado aumentou de 56 para 68% entre 1990 e 2012”, mas em 2012 ainda houve 40 milhões de nascimentos sem assistência. A maior parte das grávidas têm apenas uma consulta. Não chega. Para garantir o bem-estar da mulher e da criança, a Organização Mundial de Saúde recomenda um mínimo de quatro. Em 2012, só 52% das grávidas tiveram quatro ou mais consultas de cuidados pré-natal. O problema perdura, em particular, no Sul da Ásia e na África Subsariana.
Resultado na luta contra a malária e a tuberculose
O mundo não conseguiu, como se propôs, parar e inverter a propagação de VIH/Sida. O número de novos casos é inferior (menos 44% em 2012 do que 11 anos antes), mas está longe de ter alcançado níveis aceitáveis: registaram-se 2,3 milhões de novos infectados em 2012, a maior parte dos quais na África Subsariana. Vale que a medicação retroviral chega a cada vez mais pessoas.
Há boas notícias noutras frentes. O número de novos casos de tuberculose continua a diminuir. Tudo indica que seja cumprida a meta de travar a propagação e inverter a incidência desta doença. O tratamento salvou 22 milhões de pessoas desde 1990. A ONU admite que “é preciso fazer muito mais”. “Um terço dos pacientes recentemente diagnosticados pode não ter recebido tratamento adequado”.
Com a malária, o avanço é mais tímido. Por força do alargamento da intervenção, foram evitadas 3,3 milhões de mortes em 2012. A esmagadora maioria dos casos registados da doença diz respeito a crianças da África Subsariana.
Avanços e recuos na sustentabilidade ambiental
A ideia era “integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e programas dos países nacionais e, ao mesmo tempo, inverter a tendência de perda de recursos ambientais. Ora, as emissões mundiais de dióxido de carbono aumentaram em quase 50% desde 1990. Perderam-se cerca de 13 milhões de hectares de florestas em todo o mundo entre 2000 e 2010. Mas não há apenas más notícias. Foi quase eliminado da face do planeta o consumo de substâncias que reduzem o ozono. As áreas protegidas estão a aumentar. Cresceu de 76 para 89 a percentagem de população mundial com acesso a água potável. A cobertura de saneamento básico passou de 49 para 64%.
Parceria global para o desenvolvimento
A ajuda pública ao desenvolvimento subiu em 2013, depois de dois anos em queda. Previa-se que a tendência se mantivesse, até pela lógica dos empréstimos a taxa reduzida. Nos anos mais recentes, apenas um terço dos montantes disponibilizados pelos países desenvolvidos estava a ser direccionado para países menos avançados. A ajuda bilateral líquida a África até estava a descer.