Poderá o petróleo ajudar Portugal a reencontrar o caminho da retoma?

Economia nacional poderá ganhar com queda dos preços, se os consumidores e as empresas aproveitarem este alívio para gastar mais.

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Com o resto da Europa em crise e a confiança dos consumidores e das empresas a atingir o limite, a economia portuguesa precisa desesperadamente de boas notícias para fugir em 2015 a mais um ano de crescimento abaixo de 1%. Os mercados internacionais do petróleo podem estar a trazer essa boa notícia.

Como país importador líquido de produtos petrolíferos, Portugal tem tudo para que a sua economia beneficie com a queda superior a 50% que se registou no valor do crude durante os últimos seis meses. Ainda assim, avisam os analistas, a dimensão do impacto positivo no crescimento da actividade económica depende ainda da forma como empresas e famílias vão reagir e é limitada pelo agravamento fiscal que foi introduzido pelo Governo nos bens energéticos logo no início deste ano. A prazo, o risco de mais deflação não pode ser esquecido.

A lógica é simples. As famílias portuguesas gastam uma boa parte do seu orçamento com combustíveis (mais em termos relativos do que a maioria dos seus parceiros europeus). Com os preços a cair, vão poder passar a gastar menos dinheiro pela mesma quantidade de combustível. E, se usarem esse excedente para consumir mais, sejam bens petrolíferos ou outros, a economia recebe um estímulo e regista um maior crescimento em termos reais. O mesmo acontece com as empresas, se estas aproveitarem a redução da factura energética para investir mais.

“A queda do preço do petróleo é obviamente uma boa notícia para Portugal porque vai deixar mais dinheiro disponível às famílias portuguesas, contribuindo para aumentar a procura doméstica”, confirma Sérgio Rebelo, economista português radicado nos Estados Unidos, que lembra ainda que o impacto positivo se pode sentir através das exportações porque “os baixos preços do petróleo vão também estimular a economia Europeia como um todo” e “cerca de 70% das exportações portuguesas são para a Europa”.

Olhando para o país como um todo, as contas não parecem muito difíceis de fazer. A diferença entre os produtos petrolíferos importados e os exportados por Portugal deverá ter ficado em 2014 ligeiramente acima dos 6000 milhões de euros, um valor próximo do registado no ano anterior. Isto representa cerca de 3,5% do PIB.

De acordo com as contas do departamento de research do BPI, partindo de pressupostos já prudentes de um preço médio do barril de petróleo de 60 dólares por barril, com o euro a valer 1,20 dólares e a eficiência energética em Portugal estável, a factura energética cairia cerca de 24% em 2015, qualquer coisa como 0,9 pontos percentuais ou 1500 milhões de euros do PIB.

A dúvida que se coloca é quanto é que deste dinheiro será realmente utilizado para aumentar o consumo e o investimento e, assim, ajudar a economia a crescer. Como explica Paula Carvalho, economista do BPI, o impacto final vai depender essencialmente da forma como reagirão as empresas e as famílias a este bónus que lhes chega do preço dos combustíveis.

“Na actual conjuntura, a taxa de poupança continua a níveis elevados e as empresas revelam muita contracção na hora de realizar investimento”, afirma, concluindo que “o potencial é favorável, mas há ainda algumas incertezas”.

E há também a certeza de que parte da descida de preços acaba por não ser sentida por consumidores e empresas por causa do agravamento fiscal introduzido nos bens energéticos no início desse ano.  

Empresas desconfiam
As empresas de transportes estão entre aquelas que mais directamente são beneficiadas pela descida do preço do petróleo. “Esta redução conjuntural do preço dos combustíveis acabou por atenuar quase completamente o efeito do agravamento fiscal dos combustíveis”, reconhece o presidente Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (Antrop), Luís Cabaço Martins.

Contudo, Cabaço Martins sublinha que o preço reduzido do petróleo é temporário, ao passo que as medidas fiscais são permanentes. Uma situação que deixa o sector em suspenso, à espera de uma possível subida de custos. “Nos últimos dias do ano passado e nos primeiros dias deste ano, estamos a beneficiar de uma quebra do preço do gasóleo, mas a carga fiscal está lá. Logo que o combustível volte a subir, vamos sofrer na pele este agravamento fiscal, que é muito penoso”, queixa-se.

O presidente da Antrop observa ainda que, se o combustível voltar aos preços do final de 2013 e início de 2014 – uma altura em que o barril de brent estava acima dos 90 dólares e o gasóleo custava quase 1,4 cêntimos por litro – as empresas “terão problemas”.

Também do lado dos transportes de mercadorias, aquele período é recordado como um momento complicado. “Foi bastante difícil pelo grave aumento dos combustíveis. Mas, hoje, as empresas continuam a passar graves dificuldades de tesouraria”, diz o presidente da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias,  Gustavo Paulo Duarte. Para uma transportadora de mercadorias, o combustível representa hoje cerca de 35% dos custos. No pico dos preços, representava 45%.

Paulo Duarte nota que o baixo preço do petróleo não basta para compensar os novos impostos, uma vez que as empresas portuguesas ficam prejudicadas face à concorrência internacional. “Em Espanha, Itália, França, para os nossos concorrentes, o combustível baixou mais. Se já estavam longe em termos de preço de compra, ficam ainda mais longe”.

Também nos transportes públicos, a redução do preço dos combustíveis acaba por funcionar como uma espada de dois gumes. Por um lado, os custos caem. Por outro, as pessoas optam mais por andar de carro. “Quando temos uma recuperação económica conjugada com uma baixa de combustíveis, a primeira medida das famílias vai no sentido de utilização do transporte individual”, diz Cabaço Martins.

Uma questão de expectativas
Do lado dos consumidores, há indicadores que podem indiciar que existe um aproveitamento da quebra de preços, embora para já de forma bastante moderada. O consumo de combustíveis aumentou ligeiramente no ano passado, impulsionado pelo gasóleo, que é o produto com mais procura. Até Outubro (o mês para que há dados mais recentes da Direcção-Geral de Energia e Geologia), as vendas de gasóleo tinham subido 1,9% face ao mesmo período de 2013. Pelo contrário, a gasolina 95 tinha caído 0,8%.

Já o preço nas bombas foi descendo. Em Dezembro do ano passado, o preço médio do gasóleo no território continental ficou 21 cêntimos abaixo dos valores de Janeiro de 2014. Na gasolina 95, a diferença foi de 20 cêntimos por litro. Chegado Janeiro deste ano, os preços sofreram uma subida ligeira face à última semana de 2014.

“O consumo reflecte mais o estado da economia do que o nível de preços. Não é por a economia estar mais barata que as pessoas andam muito mais de carro”, aponta o presidente da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, António Comprido. “Nem os camiões circulam mais se não tiverem mercadorias. O consumo reflecte muito o que são as expectativas das pessoas”, sublinha.

É destas expectativas dos consumidores que depende também o impacto que será sentido nas contas do Estado. Em princípio, o orçamento tem tudo a ganhar com esta descida de preços. Para além da subida de impostos decidida pelo Governo, a receita fiscal com o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) depende unicamente das quantidades consumidas. A taxa é aplicada por litro consumido. Assim, se as pessoas consumirem mais, mais o Estado ganha.

E, no Orçamento do Estado para 2015, as contas foram feitas com base num valor para o barril de petróleo bastante mais elevado do que o actual. O Governo apostou numa média para este ano de 96,7 dólares por barril, quando actualmente está abaixo dos 50 dólares. 

Para além destes efeitos mais imediatos e potencialmente positivos, que se irão começar já a perceber nos próximos meses, há um outro impacto perverso que, na actual conjuntura, não pode ser esquecido: o contributo que está a ser dado para que a economia europeia, e a portuguesa em particular, entrem em risco de deflação.

Embora a descida destes preços possa ser vista como benigna, o que é certo é que está a ajudar a criar junto dos consumidores e das empresas uma expectativa generalizada de descida de preços no futuro. Se isto se concretizar, as compras e os investimentos podem começar a ser adiados, lançando a economia na armadilha de um processo deflacionista do qual é muito difícil de sair.

É por isso que o Banco Central Europeu está entre as entidades que vê com alguma preocupação a descida de preços do petróleo, que foi decisiva para colocar a inflação na zona euro em -0,2% durante o passado mês de Dezembro.  

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