O Syriza “porque tem que ser”

As sondagens continuam a dar a vitória ao partido da esquerda radical nas eleições do próximo domingo, mas nas ruas de Atenas há muitos gregos renitentes em votar no partido que lhes promete um futuro sem austeridade.

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O Syriza em campanha num mercado de Atenas Miguel Manso
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E ele, em quem vai votar? Louvros fica muito sério. “A primeira”, diz, e repete, desta vez sem qualquer réstia de sorriso. “Porque tem de ser. Temos finalmente de ter um governo de esquerda.”

O partido Syriza (Coligação de Esquerda Radical) está à frente das sondagens para as eleições do próximo domingo. Passou de um resultado de 4,6% nas eleições de 2009 para 16% em Maio de 2012 e 27% nas segundas eleições do mesmo ano. Várias sondagens dão-lhe percentagens à volta dos 30% e uma margem de cerca de 3% sobre o partido Nova Democracia, que lidera o Governo de coligação com o agora diminuto partido socialista grego (Pasok), que passou de um partido de maiorias no Governo para 5% das intenções de voto e uma campanha eleitoral praticamente invisível. Segue-se O Rio (To Potami), o Partido Comunista ou o neonazi Aurora Dourada (cujos líderes estão na prisão, acusados de organização criminosa) com previsões à volta dos 5% e partidos como os Gregos Independentes (nacionalistas anti-troika) ou o novo partido do antigo primeiro-ministro George Papandreou na linha dos 3%, o limite mínimo para entrar no Parlamento.

O terramoto político seguiu-se a seis anos de austeridade em que a economia encolheu 25%, o desemprego está nos 26% (entre os jovens é de 50,6%), há salários em atraso, cortes nas reformas, e a Grécia mantém uma dívida de mais de 170% do PIB.

Ao slogan do Syriza “a esperança está a chegar”, a Nova Democracia contrapõe com o risco se de deitar tudo a perder quando os sacrifícios começam a dar resultados. Mas o que é deitar tudo a perder? Poucos gregos acreditam numa saída da Grécia do euro mesmo que o Syriza vença (53% acham que não é possível que isso aconteça, apenas 10% acham que é). E imaginar um cenário pior é difícil.

Num programa de debate televisivo de candidatos a deputado (não vai haver nenhum debate entre os principais candidatos a primeiro-ministro), com intervenções dos espectadores, uma mulher mostrou o desencanto interpelando directamente o candidato da Nova Democracia: “Alguma vez foi dormir em jejum? Teve a ameaça dos bancos levarem a sua casa que construiu durante anos? Deitou-se num colchão gelado? O que fez por todas essas pessoas?”

Ao mesmo tempo que aumentou o descontentamento com a Nova Democracia, o Syriza também suavizou posições: passou a focar-se na dívida e não no memorando de entendimento com a troika, argumentando que esta é insustentável e pedindo uma conferência internacional para lidar com as dívidas grega e de outros países. Já não insiste na saída da Grécia da NATO.

Na campanha há, claro, promessas que não se sabe como serão cumpridas: parar a crise humanitária, reverter despedimentos, por exemplo. Achilleas Gkriziotis, 25 anos, um cabelo cortado à escovinha, membro do Syriza e a fazer campanha pelo partido, diz que não: está tudo planeado “desde o primeiro dia do Governo até ao futuro”. E depois de anos de ser encarado como uma “suspeição generalizada”, é agora ao quiosque do Syriza que as pessoas vêm, diz. “Porque somos os únicos que têm um plano que não é a austeridade.”

Na principal praça da cidade, Syntagma, a Nova Democracia acabou de pôr um quiosque de campanha a funcionar, mas não há muita gente que páre por lá. Os cartazes que se vêem são do Syriza. Na rua, o Syriza domina a campanha.

Sábado foi dia de mercado. O candidato a deputado do Syriza Gabriel Sakellaridi, casaco de bombazina castanho sobre uma camisola de capuz, óculos escuros a disfarçar o cansaço, lidera a campanha e um pouco desordenadamente a equipa vai avançando, distribuindo panfletos pelas bancas entre legumes, fruta, ervas e o trânsito dos pequenos carrinhos de metal em que as pessoas levam as compras.

As reacções à acção de campanha variam: um dos primeiros panfletos é rasgado com rapidez e drama em pequenos pedaços por uma mulher idosa, um outro fica nas mãos de um bebé ao colo de uma mãe sorridente.

Numa banca, um vendedor, Giannis, vai pontuando as frases com o barulho das batatas (50 cêntimos) e cebolas (60 cêntimos),enquanto estas vão caindo no balde de metal que depois põe na balança. “Desta vez vou votar Syriza”, diz. “Até agora votei muitas vezes na Nova Democracia, mas desta vez não. Não, não, não”, garante. Mas não sem avisar: “Não sei o que vão conseguir fazer; talvez não consigam muita coisa.”

Giannis é dos poucos que diz estar decidido. Atrás de uma banca cheia de doces e frutos secos, Eleni, 50 anos, uma mulher franzina de grandes olhos avelã, gesticula imitando um estado de confusão quando se pergunta em quem vai votar: “Não sei, não sei, ainda não escolhi!”

“Estão a tentar amedrontar-nos mas eu não tenho medo de nada”, diz Ana, que era enfermeira mas dedicou-se à venda de produtos de mel com o marido. Isto não quer dizer que vá votar. “Ainda não decidi se vou. Queria acreditar em alguém, mas é difícil.”

Até Panagiota, que com 18 anos vai votar pela primeira vez, abana a cabeça a rir, de trás de uma banca de laranjas (35 cêntimos) e tangerinas (75), o negócio de família que espera continuar. “Sei que vou votar, mas ainda não sei em quem.”

Os indecisos são ainda em grande número nas sondagens (na ordem dos 15%) e são eles que tornam os prognósticos difíceis.

Com a vantagem do Syriza sobre a Nova Democracia a manter-se relativamente estável, os analistas dizem que uma viragem é improvável. A grande questão parece agora ser se o partido consegue chegar a uma maioria absoluta ou se terá de procurar um parceiro de coligação, o que depende tanto da sua votação total como do número de pequenos partidos que ficam fora do Parlamento por causa do mínimo de 3%.

Isto porque o sistema grego tem duas particularidades. A primeira é que o partido mais votado ganha automaticamente um bónus de 50 deputados (uma medida para assegurar estabilidade e evitar coligações). A segunda é os votos obtidos pelos partidos que não chegaram aos 3% e ficaram fora do Parlamento são então somados e distribuídos pelos restantes partidos, favorecendo o vencedor. Há dois partidos em especial que aparecem ora de um lado ora do outro dos 3% - os Gregos Independentes, um partido nacionalista populista anti-memorando, e o novo partido do antigo primeiro-ministro George Papandreou. Se a percentagem dos pequenos partidos for de à volta de 10%, o partido vencedor já só precisa de 36% para uma maioria absoluta. Um cenário que nenhuma sondagem contempla.

Voltamos ao bar Booze perto de Syntagma. Na mesa estão várias pessoas que querem que vença o Syriza, por várias razões (“continuar como está não dá”, “o antigo sistema é corrupto”, “é preciso apoio social”) mas mesmo entre eles, nem todos querem que a vitória seja por maioria absoluta. “É melhor haver consenso e um acordo com outro partido”, diz a designer Ellie. “É melhor haver um certo contrapoder, nunca é bom haver demasiada concentração de poder. Não sabemos bem o que eles vão fazer.”

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