Com o regresso dos combates, Ucrânia prepara-se para mais violência

Confrontos fazem mortos a um ritmo diário. Kiev anuncia nova mobilização militar, aumentando receios de nova escalada do conflito.

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A destruição continua a fazer parte do quotidiano em Donetsk Alexander Ermochenko / Reuters

Os confrontos desta sexta-feira fizeram 11 mortes em apenas 24 horas – o último episódio de uma semana em que os combates se tornaram mais violentos. O Exército ucraniano comunicou a morte de seis soldados durante um bombardeamento feito pelas forças rebeldes pró-Moscovo. As autoridades separatistas contabilizaram, por seu turno, quatro vítimas civis em Donetsk, segundo a AFP.

“Os combates estão verdadeiramente ao rubro, a situação é a pior desde o final de Setembro”, descreveu Iuri Biriukov, um conselheiro do Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, através do Facebook.

A Ucrânia parece ter voltado ao padrão já conhecido desde o Verão – ao falhanço de negociações segue-se um pico da violência. Foi o que aconteceu esta semana, com o cancelamento da cimeira internacional de Astana, que pretendia juntar os presidentes da Rússia e da Ucrânia, sob mediação alemã e francesa. Na segunda-feira, Berlim e Paris decidiram não fazer o longo caminho até à capital do Cazaquistão sem ver progressos significativos da aplicação dos acordos de Minsk.

Desde então a violência que já havia no terreno subiu de intensidade. Logo na terça-feira um autocarro foi atingido por um míssil Grad mal direccionado, matando 12 civis. Como tem sido hábito, os dois lados culparam-se mutuamente pelo incidente.

O míssil tinha como destino um checkpoint controlado pelo Exército ucraniano perto de Buhas (50 quilómetros a sudoeste de Donetsk), mas dirigentes separatistas na região negaram que as suas bazucas tenham capacidade para alcançar grandes distâncias e afirmam que o autocarro passou por cima de uma mina terrestre. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) condenou o ataque, sem responsabilizar nenhum dos lados e admitiu que “a situação no Leste do país se deteriorou significativamente”.

O ministro sérvio dos Negócios Estrangeiros, Ivica Dacic, cujo país preside à OSCE desde o início do ano, pediu o “regresso à mesa das negociações e a concretização tanto da letra como do espírito dos documentos de Minsk”.

Desde o início de Setembro que se fala em cessar-fogo no Leste da Ucrânia – onde desde Abril já morreram mais de 4800 pessoas –, mas a verdade é que poucos foram os dias sem mortos no terreno. Calcula-se que desde que representantes do Governo de Kiev e das autoridades separatistas assinaram o documento na capital bielorrussa tenham morrido quase duas mil pessoas, sobretudo na região de Donetsk.

Face à continuação dos combates, Poroshenko anunciou na quarta-feira que o Exército vai realizar três novas rondas de mobilização até ao final do ano, que devem abranger mais de cem mil efectivos. “Sangue novo deve juntar-se às tropas e substituir os recrutas mobilizados há já quase um ano. Temos de deixar os homens na frente regressarem a casa, descansar e recuperar capacidade de combate”, disse o Presidente, através de um comunicado.

Os separatistas acusaram Kiev de se estar a “preparar para a guerra”. “É óbvio pelo movimento de equipamento e pelo envio de tropas”, disse o líder da autoproclamada República Popular de Donetsk, Alexander Zakharchenko, citado pela agência russa Sputnik. A mobilização ucraniana também foi criticada por Moscovo, que receia a “renovação da confrontação militar”. “Qualquer acção relacionada com preparações militares não ajuda o processo”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

Kiev, tal como a NATO, acusa, porém, a Rússia de apoiar os insurgentes e de enviar equipamento e pessoal militar para o território ucraniano – algo que Moscovo sempre negou. Segundo o Conselho Nacional de Segurança, dos 38 mil homens que combatem o Exército ucraniano, 8500 são soldados russos regulares.

O secretário do CNS, Oleksandr Turchinov, alertou esta semana para os dois possíveis cenários futuros para o conflito no Leste. “O primeiro é o regresso em grande escala das hostilidades e um ataque com a participação activa das forças armadas russas, em que as consequências podem ser a de uma guerra continental de grande amplitude”, explicou. A alternativa passa pela continuação das "tentativas do Kremlin em impedir a estabilização da situação na Ucrânia”.

Os sucessivos falhanços nas negociações e na aplicação de um cessar-fogo sólido são realidades já reconhecidas por todas as partes. No entanto, como nota Serguei Galaka, professor da Universidade Taras Shevtchenko de Kiev, num artigo para o think tank European Leadership Network, “uma alternativa às negociações é a escalada dos combates, a possível desestabilização da situação em toda a região, mais perdas humanas e um risco para a estabilidade global”.

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