Taxa de cesarianas nos hospitais públicos cai para 28% e volta a níveis de 2002
Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas atribui melhoria às mudanças na forma como os hospitais públicos são pagos por estes partos. Desde 2002 que não conseguiam uma taxa assim. Resultado global do país ainda é de 33%, empurrado pelas unidades privadas.
A descida para valores abaixo dos 30% não era conseguida desde 2004, altura em que a taxa pública foi de 30,2%. Em 2003 tinha ficado nos 29,8%, em 2002 nos 28,4% e em 2001 nos 27,8%. Numa antecipação da apresentação ao PÚBLICO, Diogo Ayres de Campos ressalva que a taxa global do país ainda não ficou abaixo dos 30%, com as unidades privadas a empurrarem Portugal para os 33%, contra os mais de 35% de 2013. É o segundo pior valor da União Europeia, apenas ultrapassado por Itália.
De acordo com os últimos dados dos hospitais privados, referentes a 2012, neste sector a taxa de cesarianas rondava os 67%. O médico adianta que “realizam 13% a 14% do total de partos do país”, sendo também importante reforçar a informação sobre as desvantagens deste procedimento cirúrgico junto de quem recorre àqueles serviços e respectivos profissionais.
Os melhores e os piores resultados
Entre os hospitais públicos, já nenhum ultrapassa os 40% de cesarianas, mas ainda há alguns que se aproximaram desse valor: Unidade Local de Saúde do Nordeste (38,3%) e Unidade Local de Saúde da Guarda (38,8%). Os melhores resultados são registados no Hospital de Loures (19,8%), Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (21,5%) e Centro Hospitalar Entre o Douro e o Vouga (23%), seguido de perto pelo Hospital Garcia de Orta (23,1%). Entre as unidades mais diferenciadas o melhor resultado é do Centro Hospitalar de São João, com 25,7%, seguido pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte, com 26,4%, e pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com 27,3%.
O obstetra do Hospital de São João, no Porto, que lidera a comissão criada em 2013 para resolver os problemas com este indicador internacional da qualidade dos serviços de saúde, atribui a melhoria à mudança que vigorou em 2014 na forma como os hospitais foram pagos por cada cesariana. Todos os anos a Administração Central do Sistema de Saúde contratualiza com as unidades públicas quantos partos estas vão fazer e o valor varia consoante se trata de um parto vaginal ou de uma cesariana. Um parto normal pode ficar entre os cerca de 300 e os mais de 500 euros, enquanto a cesariana começa perto dos 500 e pode chegar quase aos 700.
Em 2014 decidiu-se que os hospitais menos diferenciados que ultrapassassem os 25% de taxa de cesarianas receberiam menos dinheiro pelas cirurgias. No caso dos centros mais diferenciados, por atenderem grávidas de maior risco e mais casos de doença fetal, a barreira ficou nos 27,5%. “No início houve alguns hospitais que reagiram de forma um pouco negativa, porque entenderam que a partir de determinado nível de cesarianas não havia mais pagamento. Não foi isso que se fez, só deixaram de receber a totalidade”, esclarece Diogo Ayres de Campos. “Temos de controlar a taxa de cesarianas e não é por motivos economicistas. O risco de saúde é que está em causa, tanto na própria cirurgia, com lesões noutros órgãos, hemorragias, ou logo a seguir, com o risco de infecção. Também há consequências para os recém-nascidos, que ficam com riscos respiratórios cinco vezes superiores, acrescidos na infância de um risco de diabetes e de asma 25% superior aos dos partos normais”, reitera o especialista.
Na apresentação, o médico vai precisamente reforçar alguns dos riscos das cesarianas, nomeadamente as complicações resultantes da anestesia - que são duas vezes superiores -, e as lesões urológicas - que acontecem 31 vezes mais -, assim como o risco 11 vezes maior de grandes hemorragias. Após a cirurgia o risco de infecção também é 11 vezes superior, enquanto o de trombo-embolismo quadruplica. O óbito materno acontece cinco vezes mais nos partos por cesariana. Numa gravidez posterior também podem surgir mais problemas com a placenta, sendo o risco de morte do feto 1,6 vezes superior.
Para 2015, a comissão propõe a implementação de medidas que passam sobretudo por dar mais formação aos profissionais de saúde e por divulgar protocolos nacionais para uniformizar práticas. Também se quer incentivar a partilha de mais indicadores, como a percentagem de partos induzidos, de partos vaginais após cesariana e de uma manobra chamada “versão cefálica externa”, em que os médicos manipulam a barriga da grávida quando esta se encontra perto das 36 semanas de gestação, tentando posicionar os bebés para um parto vaginal . A distribuição de panfletos junto da população-alvo é outra das ideias. Diogo Ayres de Campos já liderou em 2010 uma comissão semelhante, mas apenas para a Administração Regional de Saúde do Norte, e, retirando o que foi feito nessa experiência local, acredita que os resultados nacionais serão positivos.
O obstetra destaca que a descida verificada em Portugal não está a ser conseguida noutros países, acreditando “servirá de exemplo”. Reconhece que é necessário trabalhar muito para conseguir cumprir a meta do Ministério da Saúde de chegar a uma taxa global de 25% em 2016, mas assegura que com a estratégia delineada a descida vai continuar a acontecer. Já quanto à meta de 15% da Organização Mundial de Saúde, lembra que não é revista desde a década de 1980 e que há factores como o adiamento da maternidade e a procriação medicamente assistida que fazem com que “a razão deva estar entre os 20% e os 25%”.
“Sabemos que há poucos países industrializados abaixo dos 15%, como a Islândia e a Finlândia, e à volta dos 15% só encontramos alguns como a Holanda. Mesmo o Reino Unido está nos 24%, pelo que acredito que Portugal deva ficar entre os 20% e os 25%”, conclui.