Com Dieudonné detido questionam-se limites da liberdade de expressão
Humorista é uma das 54 pessoas alvo de inquérito por ameaças ou apologia do terrorismo. Cinco já foram condenadas.
“Porque é que Dieudonné é atacado, ao passo que o Charlie Hebdo pode fazer primeiras páginas sobre religião?” A pergunta, escreveu o Le Monde, foi feita inúmeras vezes pelos leitores da sua edição online, ao ponto de o jornal ter publicado um longo artigo sobre os limites da liberdade de expressão. E esse é um dos debates que ganham terreno em França, num momento em que as autoridades, ao mesmo tempo que prometem defender as liberdades atacadas, endurecem as leis antiterrorismo e adoptam tolerância zero com quem incita ao ódio.
O tom foi deixado pela ministra da Justiça, Christiane Taubira, que numa circular enviada segunda-feira aos procuradores pediu “rigor e firmeza” para punir quem, por palavras ou actos, promova o racismo, o ódio religioso ou defenda o terrorismo. “Estes factos representam um grave ataque aos valores do respeito e da tolerância, fundamentais à nossa sociedade democrática”, escreveu a ministra.
Os números citados nesta quarta-feira pela AFP dão uma ideia da resposta dos procuradores. Uma semana após os ataques, foram abertos 37 inquéritos judiciais por “apologia do terrorismo” e outros 17 por “ameaça de acções terroristas”, dos quais resultaram já cinco condenações ao abrigo da lei antiterrorismo aprovada em Novembro. A mais pesada foi aplicada a um homem de 34 anos que, depois de ter provocado um acidente rodoviário no Norte do país e de se ter recusado a fazer o teste de álcool no sangue, ameaçou os agentes da polícia. “Devia haver mais Kouachi. Espero que vocês sejam os próximos”, terá dito. Foi condenado a quatro anos, mas a procuradoria diz que a apologia do terrorismo foi apenas uma de várias agravantes que justificam a pena.
Há ainda o caso de três jovens que proferiram ameaças na rua ou elogiaram a acção dos extremistas na Internet, mas o caso de que se fala em França é de Dieudonné, humorista que nos últimos anos se viu várias vezes a contas com a Justiça por causa de afirmações e espectáculos anti-semitas. No domingo, depois de ter participado na homenagem às vítimas dos ataques, escreveu no Facebook uma mensagem (apagada em seguida) em que dizia: “Sinto-me Charlie Coulibaly.” Trata-se de uma provocação que junta o nome do jornal satírico ao apelido do radical que atacou a mercearia kosher. Incorre numa pena de sete anos – a nova lei agrava em dois anos a pena para quem defender o terrorismo através da Internet.
Os seus apoiantes denunciam a desigualdade de tratamento face ao Charlie, num caso de volta a levantar a questão dos limites do humor. O Le Monde sublinha, no entanto, que a lei francesa não pune a blasfémia (que poderia ser imputado às caricaturas de Maomé), mas proíbe, mesmo em registo humorístico, quem apele ao ódio contra os crentes de uma religião, ou faça a apologia de crimes contra a humanidade.