Macedo Pereira: Resolução do BES "foi um acto politico"

Revisor oficial de contas e membro de conselhos fiscais de várias sociedades do BES ouvido no Parlamento. "Estive na santa ignorância de que o BdP me tinha como trouxa".

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Rui Gaudêncio
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"Ricardo Salgado pagou bem, não pagou a mais, não houve incompetência." Em causa está a regularização da situação fiscal de Salgado no final de 2013, que o obrigou a fazer três rectificações à declaração de IRS, o que resultou na liquidação de imposto em mais 4,3 milhões de euros face à colecta inicial de Maio (apenas 183 mil euros).  A razão da correcção da declaração de rendimento estava relacionada com a comissão de 14 milhões de euros que Salgado recebeu do construtor José Guilherme, seu amigo e cliente do BES. A "comissão" foi justificada por Salgado como sendo uma liberalidade, um presente. 

O responsável confirmou que as três rectificações fiscais (resultantes da suposta liberalidade de 14 milhões) feitas em 2012 pelo ex-presidente do BES beneficiaram da sua assessoria e remeteu outras explicações para Salgado: "Já aqui veio e li nos jornais que poderá voltar. Ele é o responsável pelas obrigações fiscais".

Macedo Pereira defendeu que "se limitou a fazer uma assessoria", tendo tido acesso a documentação para a qual encontrou justificações. Recorde-se que Salgado declarou, quando esteve na comissão de inquérito, que pagou a mais ao fisco, pois tratou-se de uma liberalidade, enquanto Macedo Pereira garante que o ex-presidente do BES pagou "correctamente". "Não quero dar cabo de uma relação pessoal", diz Macedo Pereira, declinando assim aprofundar o tema. O ROC acrescenta que tem "dúvidas que neste país" o trabalho feito "para uma empresa, possa ser considerado uma liberalidade" e não um honorário. Mas "se ele [Salgado] insiste em chamar-lhe [aos 14 milhões] liberalidade, o que é que quer que lhe faça?"

Macedo Pereira observou ao deputado do PS José Magalhães: "Se me pergunta se concordo com o termo liberalidade, não concordo", disse, recusando adiantar mais informação, alegando estar obrigado ao sigilo profissional.

Reagindo, "irritado", à carta em que Salgado explica ao governador do Banco de Portugal (BdP) que o ROC tinha total "autonomia" na matéria, Macedo Pereira disse: "Desde Fevereiro até Novembro eu estive na santa ignorância que o BdP me tinha como trouxa. Não conheço o senhor governador do BdP [Carlos Costa], nem ninguém da equipa do BdP."

Macedo Pereira assegurou ainda que com excepção dos 14 milhões que levaram à regularização fiscal não teve "conhecimento" de outras  liberalidades. E lembra que uma das três correcções fiscais efectuadas em 2012 por Salgado resultaram de uma imposição da Administração Tributária. E embora Salgado "insista" na tese de que a verba foi uma doação de José Guilherme, o fisco não terá aceitado a justificação, que seria mais favorável para Salgado, exigindo o registo como honorário.  

"Não acho normal o pagamento de 18 milhões de euros a uma sociedade de advogados por conta de um só processo" associado à ESI, observou Macedo Pereira. Segundo o PSD a "divida" à sociedade de advogados foi "ocultada intencionalmente". 

Sobre se já tinha ouvido falar da ES Enterprise (o suposto saco azul usado pelo GES para pagamentos não documentados), Macedo Pereira assegura que soube da sua existência pela imprensa [PÚBLICO, 7 de Novembro de 2014].

O deputado socialista José Magalhães perguntou a Macedo Pereira como é que explica que todas as entidades tenham falhado no caso GES/BES, que lhe respondeu: "Quando se chega perante um facto [ilícito], uma operação que não é regular, ela já foi consumada". Quando as coisas "têm de correr mal" só "a posteriori são verificáveis". Adiantou que "nunca" na sua vida de ROC lhe acontecera "um crime público e seria obrigado a denunciá-lo". E defende que o Banco de Portugal é rigoroso na avaliação do sistema financeiro e que existem todos os mecanismos legais para exercer uma boa fiscalização da banca.

"Quando me informaram que a BESPAR [primeiro semestre de 2014] ia ser dissolvida, eu pensei que algo não ia bem no harém" o que o levou a questionar Salgado, que lhe disse que era uma exigência do parceiro francês Crédit Agricole. Macedo Pereira, que era ROC da BESPAR, a holding que agregava as posições accionistas no BES da família Espírito Santo e pela mútua francesa, garante que nunca detectou problemas no grupo.

"Soube da ida do dr. Álvaro Sobrinho, com quem tive contacto na ESAF (a gestora de fundos do GES). O dr. Sobrinho para além de um homem muito inteligente é um especialista em cálculo acturial", sublinhou Macedo Pereira, que disse acompanhar a dúvida do deputado do PSD sobre onde param os 3000 milhões de euros que desapareceram do BESA e que Sobrinho refere nunca terem saído de Portugal. 

O deputado do PCP Miguel Tiago procurou saber o que pensa Macedo Pereira do colapso do GES/BES, que alega ter existido "uma tempestade perfeita” - crise económica, ilicitudes no GES e no BES Angola, ainda que defenda que a resolução do BES, e a criação do Novo Banco, "foi um acto político”.

À pergunta de Pedro Saraiva do PSD sobre que funções tem um commissaire aux comptes [com referência ao contabilista do GES Francisco Martins da Cruz que quinta-feira estará na comissão de inquérito a prestar declarações], Macedo Pereira explicou que, actualmente, existem duas grandes escolas de pensamento e o ROC é um juiz que pode substituir e o commissaire aux comptes é da escola francesa. O ROC hoje pode substituir o auditor. 

O ROC adiantou ainda que, apesar de estar em causa um vencimento "substancial", optou por não aceitar "há três ou quatro anos" integrar a comissão de auditoria do BES e justifica: "Não sou daqueles que entra mudo e sai calado. Não entro mudo e saio calado". Ter aceite o convite de Salgado seria uma "belíssima forma de, em oito dias ou oito meses" se ter incompatibilizado com o banqueiro, "um homem a quem devo favores e que foi meu colega de curso." "Quis sempre preservar a relação de amizade com o Dr. Ricardo Salgado." Macedo Pereira confirmou que é "desde 1976, assessor jurídico" de Salgado com quem também mantém "relações de amizade e de dívida".

Já na parte final da audição, Macedo Pereira falou da Tranquilidade, afirmando que em 2013 não existia uma exposição ao GES: "Mais tarde fomos alertados pelo conselho fiscal para uma exposição de 150 milhões de euros a partes relacionadas (empresas do GES). O ROC diz que escreveu uma carta à gestão da seguradora em Junho, que respondeu que tinha sido uma "instrução directa" da holding do GES, accionista da seguradora, a Partran. A deputada do CDS-PP Cecília Meireles perguntou qual era o objetivo do empréstimo da Tranquilidade ao GES e o ROC explicou que "era natural que as companhias de seguros façam aplicações", ainda que admita que o GES estava curto de tesouraria, o que levava as sociedades da família Espírito Santo, ainda que algumas já estivessem insolventes, a oferecerem aos seus credores taxas atractivas, acima das praticadas nos mercado.

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