Abusos em situação de conflito na agenda de Portugal no Conselho de Direitos Humanos

A eleição, por votação recorde no âmbito das Nações Unidas, é para o biénio 2015/2017, e era uma prioridade da acção externa portuguesa dos últimos quatro anos.

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Rui Machete é o chefe da diplomacia portuguesa Miguel Manso

As violações dos direitos humanos em situação de guerra, sobretudo os abusos praticados sobre minorias étnicas e religiosas, preocupam cada vez mais a comunidade internacional. As situações vividas nos últimos meses no noroeste do Iraque, com a perseguição à comunidade yazidi e a exploração sexual de jovens – tratadas como despojos de guerra - praticadas pelo autoproclamado Estado Islâmico na Síria, trouxeram para a ribalta este tema.


Milicianos do auto-denominado Estado Islâmico antes de participarem na compra de jovens yazidi feitas prisioneiras (imagens do canal de notícias da televisão síria)

Contudo, não se trata apenas de denunciar estes abusos, mas de responsabilizar os autores destes crimes. É este o objectivo do CDH, um órgão intergovernamental do sistema multilateral de protecção de direitos humanos das Nações Unidas. Aliás, a decisão da sua criação, em 2005, correspondeu a uma alteração da arquitectura institucional da ONU. Passou a equiparar a temática dos direitos humanos com as da paz e segurança, da competência do Conselho de Segurança, e as do desenvolvimento, na alçada do Conselho Económico e Social.

Este fórum, composto por 47 países-membros eleitos na Assembleia Geral das Nações Unidas, tem, por isso, uma maior capacidade de intervenção. A funcionar em Genebra desde 2007, esteve na origem, há três anos, de um inquérito inovador sobre a situação dos direitos humanos na Síria. Então, e pela primeira vez, a ONU confirmou as acusações dos opositores a Bashar-el-Assad. O inquérito, dirigido pelo diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, atestou o envolvimento de médicos nas torturas a activistas da oposição ao regime de Damasco. As sevícias eram praticadas em hospitais públicos.

Na estrutura do CDH, sobretudo na redução para um terço da maioria para a convocação de sessões especiais para responder a situações de emergência, e na recepção de queixas individuais, reside parte desta nova capacidade de intervenção. Por outro lado, a maior extensão temporal dos trabalhos confere ao Conselho um estatuto de órgão quase permanente.

Cada país candidato tem de apresentar obrigatoriamente propostas e compromissos. Neste road map e sob o lema “Construir pontes para alcançar a universalidade dos direitos humanos", a diplomacia portuguesa sustentou o carácter individual, universal, inalienável e interdependente dos direitos humanos. Ou seja, recusa uma abordagem relativista de ordem cultural e geográfica na aplicação dos direitos humanos.

Pelo que propôs uma temática variada: do direito da água e saneamento à igualdade de género; da luta contra a mutilação genital feminina à identidade de género; da segurança dos jornalistas à liberdade da sociedade civil.

A candidatura portuguesa para o mandato 2015-2017 foi apresentada em Janeiro de 2011 e a eleição decorreu em 21 de Outubro. No total de 193 países membros da Assembleia Geral da ONU, a candidatura apresentada por Lisboa recebeu 184 dos 192 votos expressos.

Tal resultado - uma votação recorde pois nunca nenhum país recebera um tão elevado número de votos para uma organização das Nações Unidas - representa um incremento de responsabilidades. A secção portuguesa da Amnistia Internacional (AI) destacou este facto, tendo manifestado a esperança de “serem concretizados todos os compromissos assumidos pelo país na sua candidatura”. Na sua reacção à eleição, a AI instou Portugal “a encarar o seu estatuto como membro do CDH como mais uma forma de promover e proteger os direitos humanos noutros países, como Angola e a Guiné Equatorial”.

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