Um Presidente com pequenos poderes
Cavaco Silva perde poderes de dissolução da Assembleia da República dentro de dez meses.
De acordo com a lei fundamental, o Parlamento não pode ser dissolvido nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República e durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência. A possibilidade de utilização da chamada “bomba atómica” política tem, por isso, uma duração limitada, que termina a 9 de Outubro, se se olhar apenas para o mandato presidencial.
Mas é preciso também considerar que nas duas ou três semanas anteriores poderão ocorrer as eleições legislativas – que a lei estipula que se devem realizar entre 14 de Setembro e 14 de Outubro.
Porém, não é de esperar que seja agora, três anos e meio depois da tomada de posse do Governo PSD/CDS, que o chefe de Estado use o poder da dissolução da Assembleia da República. Só o fará, se acontecer algo de absolutamente extraordinário – Cavaco não o fez nem quando o actual Governo atravessou a crise extrema de Julho de 2013.
É também com os olhos postos neste calendário que é preciso ver a situação política na Madeira. Com a esperada demissão de Alberto João Jardim no próximo dia 12, o processo implica a audição, pelo representante da República, do novo líder do PSD – para saber se está disponível para formar Governo (o que Miguel Albuquerque já negou) – e dos restantes partidos, mas depois, também, a convocação do Conselho de Estado com cerca de 15 dias de antecedência. Um calendário que atira a dissolução, pelo Presidente da República, da Assembleia madeirense para daqui a mês e meio a dois meses. E as novas eleições regionais lá para o início de Abril.
Tal como vem sendo hábito, Cavaco Silva voltou a falar na necessidade de diálogo e compromisso, uma das filosofias preferidas dos Presidentes, que são, afinal, uma figura mediadora das instituições democráticas. Com o apelo falhado do último 10 de Junho, quando o Presidente pediu aos partidos que se entendessem até ao Orçamento do Estado, dificilmente lhe sobram mais formas de fazer a mesma exigência durante os últimos dois grandes discursos do seu mandato – no 25 de Abril e no 10 de Junho.
Depois do seu papel na tentativa de resolução da crise de Julho de 2013, o ano de 2014 de Cavaco Silva foi dominado pela interrogação sobre a convocação antecipada ou não de eleições, pelos seus recados sobre a necessidade do esforço nacional para que o país saísse do programa da troika com sucesso em Maio e também para o desenvolvimento pós-troika. Mas também pelos seus pedidos de contenção às vozes críticas – um recado para a oposição -, e pelo apoio ao Governo, considerando, mesmo depois da derrota nas eleições europeias, que a equipa de Pedro Passos Coelho continuava a ter toda a legitimidade para governar.
A situação no BES, que dominou a actualidade no Verão, foi um dos raros pontos de desentendimento com o Governo. Três semanas depois de Cavaco Silva de vir a público defender a idoneidade do banco e afirmar a confiança na instituição – como aliás fizera também o primeiro-ministro -, as contas do banco colapsavam. O Presidente desculpou-se depois dizendo que só sabia o que o Governo lhe contara, deixando no ar que lhe poderiam ter mentido. Passos havia de retorquir: se o Presidente não sabia era porque não perguntara.
Atritos ou apoios à parte, a próxima mensagem de Ano Novo, a três semanas das eleições presidenciais, e com Cavaco Silva já a arrumar a sua herança de dez anos no Palácio de Belém, será a de balanço do mandato e de despedida.