Egipto não libertou jornalistas da Al-Jazira mas abriu caminho à sua deportação

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Os três jornalistas foram condenados a penas entre os sete e os dez anos por apoio à Irmandade Muçulmana Khaled Desouki/AFP

O julgamento do australiano Peter Greste, antigo correspondente da BBC, e os egípcios Mohamed Fadel Fahmy e Baher Mohamed, condenados a penas entre os sete e os dez anos de prisão, tornou-se um símbolo dos ataques à liberdade de expressão postos em marcha pelo regime do agora Presidente Abdel Fattah al-Sissi. Foram detidos no final de 2013, num hotel do Cairo, onde uma equipa do canal árabe em língua inglesa continuava a trabalhar, meses depois de o Exército ter ordenado o encerramento da delegação da Al-Jazira no país na mesma altura em que derrubou Mohamed Morsi, dirigente da Irmandade Muçulmana e primeiro Presidente democraticamente eleito do Egipto.

A sua condenação, por difusão de “mentiras” destinadas a prejudicar o país e apoio ao movimento islamista, gerou um coro internacional de protestos e levou as Nações Unidas a denunciarem a falta de independência do sistema judicial egípcio. A Al-Jazira, apoiada por órgãos de comunicação social em todo o mundo, lançou uma campanha para a sua libertação. Mas a anulação agora conhecida só se tornou possível face aos recentes sinais de reaproximação entre o Egipto e o Qatar, onde está sediada a estação pan-árabe e que era um dos principais aliados da Irmandade Muçulmana.

Impulso saudita
Sob impulso da Arábia Saudita, a 20 de Dezembro um enviado do Qatar visitou o Cairo, assegurando o “total apoio” de Doha ao Governo de Sissi, eleito em Maio com 97% dos votos, e o regime egípcio saudou “a nova era” nas relações bilaterais. No final de Dezembro, a Al-Jazira anunciou a decisão de suspender o canal Mubasher Misr, que difundia para o Egipto e era uma fonte de tensão entre os dois países. E Sissi assinou em Novembro um decreto que permite aos arguidos estrangeiros cumprirem a pena no seu país de origem.

Desenvolvimentos que levaram as famílias a acreditar que o processo poderia morrer já nesta quinta-feira. Mas as esperanças saíram goradas. “Eles não vão ser libertados até serem presentes a novo julgamento”, revelou Mostafa Nagy, um dos advogados que representa os três jornalistas, no final de uma curta audiência no Tribunal de Recurso.

Não existe uma data para o início do novo julgamento, mas a defesa está convicta de que poderá começar dentro de um mês, altura em que o juiz poderá decidir libertar os arguidos sob caução – além dos três jornalistas, outros quatro egípcios foram condenados no mesmo processo e vão também ser julgados de novo.

Desconsolados
“Eu sei que deveríamos estar contentes por ter sido aceite o recurso, mas esperava que o meu irmão fosse libertado”, disse aos jornalistas que enchiam a sala Adel, irmão de Fadel Fahmy. Também a Al-Jazira lamentou a decisão, sublinhando que os seus três funcionários “estão presos injustamente há mais de um ano”. “As autoridades egípcias têm uma escolha simples: libertá-los rapidamente ou arrastar isto, mantendo uma injustiça e prejudicando a imagem do país aos olhos do mundo”. 

Já o advogado australiano de Greste, Chris Flynn, diz que, apesar da decepção, o veredicto do Tribunal de Recurso é “positiva”, ao “reconhecer que o processo original tinha falhas” graves. “Esperamos que isto dê ao Presidente uma oportunidade para tentar considerar outras opções, como a deportação”.

Essa parece ser agora a opção privilegiada pela defesa de Greste e Fahmy, mesmo que a solução deixe de fora Baher Mohamed, detentor apenas de passaporte egípcio. “Acreditamos que é a nossa melhor oportunidade para conseguir a sua libertação o mais cedo possível”, disse o pai do jornalista canadiano ao Sydney Morning Herald. Já a noiva de Fahmy recordou que um novo julgamento, a cumprir todos os requisitos, “poderá demorar um ano e eles poderão ter de ficar na prisão até lá”.

Um pedido que poderá encontrar eco junto do Presidente, ansioso por fazer esquecer a morte de centenas e a prisão de milhares de apoiantes da Irmandade Muçulmana, o movimento que dominou o Egipto após a revolução de 2011, e a condenação de um número recorde de activistas e bloggers. Sissi afirmou numa entrevista recente  que teria preferido a deportação à condenação dos jornalistas, mas recusava até agora intrometer-se, alegando respeito pela independência judicial. O regresso do processo à fase inicial dá-lhe um pretexto para intervir, num gesto que favoreceria os seus esforços para reatar as boas relações com os países que criticaram o golpe militar de 2013.

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