Espectadores acorrem à estreia de The Interview em defesa da liberdade de expressão
O filme mais polémico da recente produção norte-americana afinal sempre foi estreado este Natal. Foi um dia de defesa da liberdade de expressão.
Fruto das circunstâncias, a exibição desta comédia realizada por Evan Goldberg e Seth Rogen, e protagonizada por este e por James Franco, tornou-se em bastante mais do que apenas um filme, e a maioria dos espectadores ouvidos pelas agências noticiosas puseram a tónica na defesa da liberdade de expressão.
“Eu não tinha nenhuma intenção de ver o filme, mas, depois de tudo o que se passou, achei que era importante manifestar o nosso apoio”, disse à AFP, à entrada do Cinema West End, em Washington, Greg Millet, um cientista de 46 anos. Uma declaração e um gesto cívico e político de defesa da liberdade que praticamente se repetiu por toda a América.
Os próprios autores do filme, Evan Goldberg e Seth Rogen, decidiram também participar neste movimento ao comparecerem de surpresa na sessão do meio-dia e meia dum cineteatro de Los Angeles. “Queremos simplesmente agradecer-vos. Sem cinemas como este, e sem pessoas como vocês, nós não conseguiríamos isto”, disse Seth Rogen perante a sala cheia de espectadores.
Inicialmente previsto para se estrear no dia de Natal em três mil salas espalhadas pelo país, a produtora Sony Pictures Entertainement (SPE) decidiu cancelar o lançamento de The Interview após ter sido alvo de um mega-ataque cibernético seguido de ameaças à integridade dos espectadores por parte de uma organização auto-intitulada Guardians of the Peace (GOP).
O episódio, como é sabido, teve relevantes repercussões políticas e diplomáticas: escurado numa investigação do FBI, o próprio Presidente dos EUA, Obama, veio a público acusar a Coreia do Norte de estar por trás do ataque cibernético e também das ameaças aos espectadores americanos; e criticou também directamente os responsáveis da Sony por terem cedido à chantagem.
A posição de Obama foi, de resto, secundada por vários deputados, tanto democratas como republicanos, e também pela comunidade cinematográfica de Hollywood, liderada por George Clooney.
Depois de a Sony e as grandes distribuidoras norte-americanas terem decidido adiar o lançamento de The Interview, uma cadeia de salas independentes – 320, segundo as contas da Reuters – decidiu avançar com a estreia do filme, e a operação teve a adesão e o sucesso esperado.
“Obviamente que nós queremos fazer dinheiro com a exibição deste como de qualquer outro filme, mas no caso de The Interview é também importante afirmar a nossa posição de princípio em defesa da liberdade, da liberdade de expressão, da liberdade de ver os filmes”, disse à Reuters Lee Peterson, proprietário do Cinema Village, uma pequena sala-estúdio em Greenwich Village, a única em Manhattan que aceitou exibir o filme e que viu esgotadas as sete sessões programadas para esta quinta-feira.
A mesma situação foi vivida em Washington, onde o co-fundador do Cinema West End, Josh Levin, justificou à AFP a associação da sala ao movimento. “Pensamos que se trata de uma questão de princípio muito importante não deixar ninguém ditar o que é que pode ou não pode ser visto na América. A intimidação não deveria impedir-nos de expressar livremente as nossas ideias”, disse Levin.
Alguns dos cinemas que decidiram afrontar as ameaças do GOP admitiram ter elaborado planos de segurança através da rede de salas independentes Art House Convergence, em colaboração com as autoridades policiais. Mas não houve nenhum registo de incidentes.
No meio deste envolvimento cívico e político, a questão da qualidade do filme ficou claramente secundarizada. Recorde-se que The Interview encena a história de dois homens da televisão americana, um apresentador e um produtor do show Skylark Tonight – respectivamente Dave Skylark (James Franco) e Aaran Rapoport (Seth Rogen) –, que decidem ir entrevistar o líder da Coreia do Norte, King Jong-un, e acabam contrados pela CIA para o assassinarem…
As reportagens fazem, contudo, eco do agrado do público, com espectadores a acharem-no divertido e a fazerem comparações com as comédias de Jim Abrahams O Aeroplano (1980) e Ases pelos Ares (1991).
Já, por exemplo, o crítico do jornal francés Libération, Eric Loret, escreve que The Interview “não é nenhuma obra-prima”, mas que também ninguém tinha prometido tal coisa. “O filme é absurdo, divertido, feito sobre uma base cómica paranóico-escatológica, e é conseguido. Faz rir a cada quarto de hora, sorrir o resto do tempo”, acrescenta Loret, fazendo ainda notar que The Interview, como a maior parte dos filmes do género, “só fala dos americanos". "A Coreia do Norte e Kim Junh-un são apenas cenário, pretexto, uma oportunidade para os americanos se rirem deles próprios”, acrescenta o crítico francês.