Bruxelas teme “trajectória explosiva” na dívida se o crescimento desapontar e os juros subirem
Comissão Europeia alerta para a vulnerabilidade da economia portuguesa da volatilidade dos mercados e de choques externos.
No relatório – onde faz uma avaliação aos primeiros meses em que Portugal deixou de receber empréstimos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional –, o executivo comunitário aponta para as duas faces da mesma moeda: se as condições externas e internas da economias se deteriorarem, a dívida arrisca a agravar-se; se acontecer o contrário e a economia reagir melhor do que o esperado, é também expectável que a redução da dívida acelere.
A Direcção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros, responsável pela elaboração do relatório, começa por apresentar, primeiro, um cenário de redução da dívida, em que as suas projecções se concretizam. Só depois descreve cenários menos favoráveis.
Segundo o executivo comunitário, a dívida portuguesa deverá “continuar a descer progressivamente”, atingindo este ano os 127,7% do PIB. Nestas projecções, o executivo comunitário tem em contas as medidas previstas pelo Governo para a redução do défice em 2015 e assume que não há, de 2016 em diante, alterações de base na política orçamental. Bruxelas acredita, assim, que Portugal alcançará um excedente primário (saldo orçamental excluindo o pagamento dos juros) de 2,1%, assume que as taxas de juro nominais rondam entre o 4% e os 4,5%, aponta para um crescimento do PIB entre 3% e 3,5% e pressupõe que o impacto orçamental do envelhecimento da população se concretize de acordo com as projecções feitas em 2012.
O executivo considera que as projecções económicas e o cenário de crescimento de 3% a 3,5% “são compatíveis com a descida gradual do rácio da dívida num horizonte de longo prazo”. No entanto, admitindo que o ponto de partida é muito elevado, prevê que o rácio da dívida “deverá manter-se acima do nível pré-crise durante um número de anos significativo, não ficando abaixo de 100% do PIB antes de 2030”.
Bruxelas admite ainda que a sua análise sugere que “a descida da dívida em relação à trajectória do PIB é sensível à volatilidade dos mercados financeiros” e é “vulnerável a desenvolvimentos económicos negativos”.
O risco do crescimento
Depois destas considerações, é a vez de o executivo comunitário traçar cenários menos optimistas. Bruxelas simula mesmo um cenário em que o crescimento económico projectado não se concretiza (ficando um ponto percentual abaixo do esperado) ou em que há uma alteração nas condições de financiamento (com uma subida das taxas de juro em dois pontos percentuais). Se assim for, estas condições pode pôr em causa “a tendência de redução da dívida em relação ao PIB no longo prazo”. Mais: combinados, os dois “choques” podem “colocar a dívida numa trajectória explosiva”.
O inverso – um “choque positivo” – acontece se o crescimento de médio e longo prazo superar as previsões. E o mesmo em relação às taxas de juro. Nesse cenário, vinca a Comissão Europeia, a trajectória de redução da dívida também seria mais acentuada. Com um ritmo de consolidação orçamental mais acelerado, diz a Comissão Europeia, também a redução da dívida mais rapidamente se concretiza.
Bruxelas admite que “a análise da sustentabilidade da dívida mostra que a trajectória de redução da dívida assumido no cenário central [da Comissão Europeia] é vulnerável, em particular, em relação a desenvolvimentos macroeconómicos e nos mercados financeiros”. Bruxelas diz por isso que é preciso manter a “disciplina orçamental”, estar preparado para um cenário em que a economia cresça menos. E por essa razão, acrescenta, é preciso continuar a implementar aquilo a que o executivo chama de “reformas estruturais” para a economia.
Vários economistas que têm defendido a reestruturação da dívida pública contestam pressupostos idênticos aos agora apresentados pela Comissão Europeia, contrapondo a muito baixa probabilidade de se concretizarem ao mesmo tempo e de forma prolongada as previsões em que se baseia o executivo comunitário para mostrar que a dívida pública é sustentável. Para além das dúvidas em relação ao crescimento da economia, uma das críticas apontadas tem a ver com os excedentes orçamentais primários necessários para se conseguir o objectivo de descida do rácio da dívida.
O tema, aliás, animou o debate da última semana no Parlamento, onde académicos e economistas foram chamados a discutir a sustentabilidade da dívida e outras experiências de reestruturação.
Visões distintas sobre 2015
Bruxelas deixa também algumas considerações sobre a estratégia de correcção do défice. Olhando para o exercício orçamental deste ano, nota que o esforço do ajustamento foi sendo “progressivamente reduzido”, considerando-o hoje de “qualidade inferior” ao inicialmente previsto. Uma das razões invocadas tem a ver com o facto de a redução do défice assentar menos na diminuição da despesa e mais no aumento esperado das receitas fiscais. Não é a primeira vez que as instituições internacionais assinalam este facto. Para o executivo comunitário, se a receita conseguida através do combate à fraude e à economia paralela “pode, em determinadas condições, ser considerada estrutural”, está agora a suportar desvios na despesa pública, em vez de contribuir para a redução do défice e da dívida.
Neste momento, Bruxelas e o Governo já têm várias diferenças nas suas previsões para 2015. Em primeiro lugar, a Comissão Europeia duvida da meta do défice, afirmando que este ficará acima dos 3%, e estima um menor crescimento da economia. Bruxleas não acreditando num contributo líquido das exportações, e antecipa uma maior subida das importações. De acordo com as previsões da Comissão, o défice da balança comercial de bens vai acentuar-se no ano que vem e em 2016, mas, com a inclusão dos serviços nas contas, a balança comercial tenderá a manter-se positiva.
Quanto ao valor da dívida, este continua a subir (222,4 mil milhões de euros em 2015 e 229,2 mil milhões em 2016), pelo que só mesmo um bom ritmo de crescimento da riqueza produzida poderá fazer com que se suporte esse encargo.
Há outros dados em que as visões do Governo e a de Bruxelas são distintas, como a taxa de desemprego, investimento, consumo público e privado.
Na última reunião dos ministros das Finanças da zona euro (Eurogrupo), realizada a 8 de Dezembro, já tinha ficado evidente que os parceiros europeus duvidam da eficácia das medidas do Governo para atingir a meta de défice orçamental para o ano que vem, de 2,7% do PIB. Conforme já escreveu o PÚBLICO, neste momento não foram pedidas a Portugal medidas adicionais. No entanto, o país tem de, a partir dos primeiros meses do próximo ano, demonstrar as medidas são de facto suficientes para atingir a meta estipulada (e que, inicialmente, era de 2,5% do PIB).
Nesse encontro em Bruxelas, os responsáveis do Eurogrupo alinharam com a Comissão Europeia, ao considerar que o objectivo de colocar o défice abaixo de 3% (ou seja, fora do enquadramento de um Procedimento por Défice Excessivo) está em risco. “As autoridades portuguesas defendem que as medidas adoptadas no orçamento são suficientes para cumprir a meta do défice. Agora o que precisamos de saber é se as medidas são efectivas”, afirmou então o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem. Apesar disso, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou na ocasião que a reacção dos seus colegas às suas explicações “foi positiva”. “Aceitaram bem o compromisso do Governo de ir acompanhando a evolução do orçamento”, sublinhou a ministra.
Maria Luís Albuquerque explicou que a tarefa agora nas mãos do Governo é “demonstrar que as medidas aplicadas que aplicámos são capazes de atingir o objectivo”. Tal começará logo a ser feito no início do próximo ano, assim que começarem a ser conhecidos os dados da execução orçamental e, principalmente, em todos os momentos em que a Comissão Europeia venha a actualizar as suas previsões económicas. A próxima vez será em Fevereiro, quando forem divulgadas as projecções de Inverno de Bruxelas.
Em caso de necessidade, adiantou Maria Luís Albuquerque, o Governo irá “adaptar a estratégia orçamental”. Em Novembro, quanto emitiu a sua última análise sobre Portugal, a Comissão Europeia já mostrava dúvidas em relação ao défice orçamental para 2015, especialmente em relação ao verdadeiro impacto das medidas de combate à fraude fiscal. Queixava-se ainda da falta de detalhes em alguns dos cortes de despesa, como, por exemplo, os 100 milhões de euros que o Governo diz querer poupar com a introdução de um limite de recebimento de benefícios sociais por uma pessoa. Dizia também que Portugal tinha perdido o ímpeto reformista depois da saída da troika.
Maria Luís Albuquerque afirmou, após a reunião do Eurogrupo, que rebateu essas críticas, falando da existência de “um gap de percepção”. Luís Villalobos