Impulso de Francisco, o Papa americano, ajudou Cuba e os EUA a concluir acordo
Intervenção da discreta máquina diplomática do Vaticano foi decisiva para a histórica decisão, anunciada no aniversário de Francisco.
Miguel Diaz, teólogo de origem cubana que foi embaixador norte-americano no Vaticano entre 2009 e 2012, revelou ao jornal Washington Post que a Santa Sé esteve envolvida no processo desde o início, ainda no pontificado de Bento XVI. Foi em Março de 2012 que um grupo de congressistas norte-americanos visitou o núncio papal na capital federal para pedir intervenção do Vaticano na libertação de Alan Gross, detido em Havana desde 2009.
Quando na Primavera de 2013 o Presidente norte-americano autorizou o arranque de conversações secretas com Havana para pôr fim à política de isolamento que nenhum dos seus antecessores quis mudar, o Vaticano apresentava-se como intermediário privilegiado. Estava não só envolvido nos esforços para libertar o norte-americano como mantinha com Havana um diálogo cordial, fruto do pragmatismo que João Paulo II e o seu sucessor adoptaram em relação a Cuba, que ambos visitaram, em 1998 e 2012.
Mas se há muito que nem americanos nem cubanos desprezam a influência que a Igreja Católica tem na ilha, o seu papel de mediador tornou-se mais evidente com a eleição, em Março do ano passado, do primeiro Papa oriundo da América. Além de conhecer em primeira mão a realidade do continente, Francisco rodeou-se também de diplomatas com experiência na região, a começar por Pietro Parolin, o cardeal italiano que serviu como núncio na Venezuela, que escolheu para seu secretário de Estado.
Em Março, quando foi recebido a sós pelo Papa, Obama discutiu a sua política para Cuba e, no final, deixou claro o seu reconhecimento pela influência que Francisco poderia desempenhar na resolução de conflitos. “A sua é uma voz que o mundo deve escutar”, ele “que com uma única frase pode concentrar a atenção do planeta”, afirmou.
O Papa provou essa influência na carta que enviou aos dois presidentes, em Junho, desafiando-os a “resolver as questões humanitárias de interesse comum, incluindo a situação de certos prisioneiros, com vista a iniciar uma nova fase nas relações” bilaterais. “Não foi tanto uma questão de quebrar um impasse, mas a confiança de ter uma parte externa em quem ambos podíamos acreditar”, explicou ao New York Times um responsável da Administração americana, explicando que a intervenção surgiu num “momento complicado” do diálogo.
Em Outubro, com as negociações a chegarem a uma fase crítica, as delegações trocaram o Canadá, onde foram realizados os primeiros sete encontros, pelo Vaticano. O actual embaixador americano na Santa Sé, Kenneth Hackett, disse ao jornal Guardian que um dirigente da hierarquia católica “teve um papel determinante” nas reuniões que levaram “ao bem-sucedido desfecho das negociações”, nas quais terá também estado envolvido o arcebispo de Havana, Jaime Ortega.
Tanto Obama como o Presidente cubano, Raúl Castro, destacaram os bons ofícios do Vaticano, carimbando aquela que é uma das maiores vitórias da discreta diplomacia em décadas, depois da pouca visibilidade que marcou o pontificado de Bento XVI. Menos político que o Papa João Paulo II, Francisco diz que cabe aos líderes políticos resolver as crises, mas o seu estilo interventivo e pastoral granjeia uma influência que o aproxima do Papa polaco. “Não é possível menosprezar a importância deste Papa”, disse um ao New York Times um responsável da Administração Obama, afirmando que, “pelo facto de ser oriundo da região, tem uma enorme influência junto dos líderes da região, incluindo Cuba”.