A outra camisola blaugrana que Johan Cruyff usou

Os quatro meses turbulentos que o holandês passou na II Divisão espanhola, ao serviço do Levante.

Cruyff fez dez jogos pelo Levante e marcou dois golos
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Cruyff fez dez jogos pelo Levante e marcou dois golos DR
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Capa do "El Mundo Deportivo de 27 de Fevereiro de 1981: "Cruyff assinou pelo Levante" DR

Aterrou em Los Angeles, passou por Washington e ainda deu uns toques em Nova Iorque. Mas, no final de 1980, Cruyff, com 33 anos, estava desempregado. Estava em Amesterdão, à espera que o telefone tocasse. Muita gente queria o antigo jogador do Ajax e do Barcelona. Havia equipas da I Divisão espanhola, inglesa, até ficou registado um suposto interesse do português Sporting. O destino foi, no entanto, do mais improvável que há. Cruyff escolheu a II Divisão espanhola e um clube que tinha um plano ambicioso, o Levante Unión Deportiva.

Se agora o Levante é uma presença regular na liga espanhola e considerado um exemplo de boa gestão, fazendo milagres com pouco dinheiro, no início dos anos 1980 era um clube de pouca projecção, eternamente na sombra do maior clube da cidade, o Valência. Antes de Cruyff, apenas tinha passado duas épocas na primeira divisão (entre 1963 e 1965), mas naquele início de 1981 tinha fundadas ambições de estar entre os grandes de Espanha. E a presença do internacional holandês só iria ajudar. Para além do óbvio benefício desportivo, Cruyff iria significar mais sócios, maiores assistências e cachets mais altos para jogos particulares. Era um plano à prova de fogo, pensava Francisco Aznar, presidente dos blaugrana de Valência.

Depois de uma novela de avanços e recuos, com propostas do Espanyol e até rumores de que o próprio Barcelona estaria interessado no regresso do seu craque holandês, Cruyff chega à Catalunha a 27 de Fevereiro de 1981, com destino a Valência e a dizer que não vai para o Levante só pelos milhões de pesetas que iria receber: “Claro que jogar num clube da II Divisão pode ser um paradoxo para um jogador da minha qualidade, mas nem tudo na vida é uma questão de dinheiro ou de prestígio. O Levante oferece-me uma boa vida e uma boa quantidade de pesetas. O que tenho eu para oferecer? Bem… Espectáculo.”

Claro que era pelo dinheiro. O que Cruyff exigiu, o Levante pagou. 50% da receita bruta de bilheteira de todos os jogos (oficiais e particulares) em que o holandês participasse, com cláusulas que lhe garantiam um mínimo de 30 milhões de pesetas. Mais, Cruyff tinha direito a metade das receitas de exploração de um pavilhão polidesportivo que ficava nos arredores do estádio, ficou com uma casa para si e para a família suportada pelo clube e teve na mão letras bancárias que lhe garantiam o pagamento. Havia ainda uma alínea que lhe garantia todo o dinheiro mesmo em caso de ocorrer algum impedimento judicial ou administrativo. Era um risco enorme para um clube pequeno e com dívidas.

Cruyff estreou-se a 1 de Março, com uma vitória sobre o Palência por 1-0. Infelizmente para o Levante, foi uma das poucas vitórias com o holandês na equipa. Cruyff fez um total de dez jogos (titular em todos), marcou dois golos (ambos num empate com 2-2 com o Oviedo), com um saldo de quatro vitórias, dois empates e quatro derrotas. O Levante não conseguiu chegar à promoção e Cruyff nem sequer ficou para a última jornada, que seria uma derrota com o Racing Santander, e o clube terminaria a época em nono. Estava em Camp Nou para um jogo de homenagem a Asensi, seu antigo companheiro no Barcelona.

Cruyff não tinha quaisquer problemas de consciência. “Se não tivesse vindo, tinha sido criticado, tinham-me chamado um ‘pesetero’, que só jogo por dinheiro. As minhas actuações foram boas e marquei golos”, contou numa entrevista ao El Mundo Deportivo. Cruyff lesionou-se nesse jogo de homenagem e deixou o Levante de mãos a abanar com os tais jogos particulares de cachet elevado. O holandês acabaria por abandonar o Levante com cerca de 40 milhões de pesetas no bolso e rumo a mais três épocas no campeonato holandês, duas no Ajax e uma no Feyenoord. Quanto ao clube valenciano, ficou afundado em dívidas e afastado do sonho da primeira divisão à qual só regressaria em 2004.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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