A Europa “acordou”, mas ainda espera pelo “momento apropriado” para reconhecer a Palestina

Países europeus seguem as pisadas da esmagadora maioria das nações do mundo — 135 países entre os 192 da ONU já reconhecem o Estado palestiniano.

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O único país da UE a reconhecer oficialmente o Estado da Palestina é a Suécia MAHMUD HAMS/AFP

Longe de um consenso europeu, a esmagadora maioria dos governos dos 28 diz querer esperar por resultados de conversações israelo-palestinianas antes de reconhecer a Palestina. Mas com negociações fora do horizonte (a última tentativa falhou em Abril), vários Estados europeus estão a ficar fartos do impasse no processo de paz, consideram que a actual situação é inaceitável e esperam pressionar Israel a ter uma posição mais flexível.

O único país da UE a reconhecer oficialmente o Estado da Palestina foi a Suécia, em Outubro, numa decisão que atraiu imediata reacção de Israel, que disse que esse reconhecimento apenas dá força a quem, do outro lado, não quer negociar e quer impor uma solução unilateral. O Estado hebraico argumenta ainda que as negociações de paz não avançaram também por responsabilidade dos palestinianos.

Foi dura, na altura, a troca de comentários entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de Israel e da Suécia. Do lado israelita, Avigdor Lieberman declarou, após o país chamar o seu embaixador em Estocolmo: “O Governo sueco deveria compreender que as relações no Médio Oriente são mais complicadas do que a montagem dos móveis Ikea.” A sua homóloga sueca, Margot Wallström, respondeu à letra pouco depois: “Enviaria com gosto um móvel do Ikea para ele construir. Verá que é preciso um parceiro, cooperação e um bom manual.”

Todo este processo começou com um pedido da Palestina para ser reconhecido como membro de pleno direito da ONU, em 2011. Isso não aconteceu (os EUA vetariam o pedido no Conselho de Segurança), mas no ano seguinte a Assembleia Geral das Nações Unidas atribuiu à Palestina o estatuto de Estado observador (como tem o Vaticano). EUA e Israel reagiram contra, com os EUA a retirarem a sua quota-parte de pagamento à UNESCO, quando esta agência da ONU admitiu a Palestina como membro (Washington perdeu entretanto o direito de voto por não fazer pagamentos há mais de dois anos).

Na votação na Assembleia Geral da ONU, Portugal foi o primeiro país da União Europeia a anunciar o seu apoio à candidatura da Palestina como Estado observador e foi ainda um dos 14 países europeus entre os 138 que votaram a favor. Nove países votaram contra (incluindo apenas um país da União Europeia, a República Checa), e 41 abstiveram-se, incluindo o Reino Unido e a Alemanha.

O primeiro país cujo parlamento votou agora para o reconhecimento da Palestina nas últimas semanas foi justamente o Reino Unido. O Partido Trabalhista, na oposição, explicou que esta via “daria força às vozes moderadas entre os palestinianos que querem seguir a via da política, não da violência”, disse o "ministro-sombra" dos Negócios Estrangeiros, Ian Lucas. “Não é uma alternativa a negociações. É uma ponte para as começar”, sublinhou.

Votações semelhantes seguiram-se em Espanha, na Irlanda e em França, onde o Senado ratificou, esta semana, o pedido de reconhecimento imediato. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, declarou que não o faria, mas que, se não houvesse desenvolvimentos até 2016, e França reconheceria então o Estado palestiniano. A França tem a maior comunidade muçulmana da Europa e também a maior comunidade judaica, sendo vista como um Estado importante na discussão do conflito israelo-palestiniano.

Na Dinamarca, o parlamento começou a discutir o reconhecimento de um Estado palestiniano, tendo uma votação marcada para o início do ano, e esperam-se mais votos entre os países que votaram favoravelmente o estatuto de Estado na ONU, como a Áustria, Finlândia, Grécia, Itália ou Luxemburgo.

Os países europeus seguem as pisadas da esmagadora maioria das nações do mundo – 135 países entre os 192 da ONU já reconhecem a Palestina. A posição da União Europeia é a de reconhecer a Palestina “no momento apropriado”, após negociações, já que é necessário acordo para uma série de questões, das fronteiras ao estatuto de Jerusalém.

O líder palestiniano Mahmoud Abbas não foi o primeiro a lutar pelo reconhecimento de um Estado palestiniano independente: em 1988, o então líder Yasser Arafat anunciou esse Estado, do seu exílio na Argélia, e cerca de 80 países reconheceram-no então. As condições são, no entanto, muito diferentes hoje: com a Autoridade Palestiniana, saída dos Acordos de Oslo, há um governo nos territórios ocupados.

Bruxelas deu já, entretanto, um sinal muito claro de que começa a ponderar uma intervenção maior no processo de paz israelo-palestiniano, tendo decidido no ano passado suspender acordos de cooperação com entidades israelitas que funcionem em colonatos judaicos em território ocupado. Recentemente, o diário israelita Ha’aretz citava um documento confidencial em que a UE considerava ameaçar Israel com sanções, caso o país parecesse dificultar uma solução de dois Estados – sendo a continuação da construção em colonatos em território que os palestinianos querem para o seu Estado um dos principais obstáculos na óptica da UE.

O principal negociador palestiniano Saeb Erekat falou numa “espécie de acordar da Europa” depois do reconhecimento da Palestina pela maioria dos países do mundo.

As votações nos parlamentos são simbólicas, lembrou Matt Duss, da Fundação para a Paz no Médio Oriente, citado pelo site norte-americano Huffington Post, acrescentando que, especialmente em política, o simbólico tem importância.

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