O advogado que foi forcado e que partilha as teias empresariais de Santos Silva

Gonçalo Trindade Ferreira foi o único arguido que não ficou em prisão preventiva. Foi o procurador da mãe de Sócrates e de Carlos Santos Silva na venda das casas de Maria Adelaide ao empresário.

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DANIEL ROCHA

O Tribunal Central de Instrução Criminal imputou a Gonçalo Nuno Mendes da Trindade Ferreira os crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais – exactamente os mesmos do motorista João Perna, do empresário Carlos Santos Silva e do ex-primeiro-ministro, estando este último também indicado por corrupção. Trindade Ferreira foi o único que não ficou em prisão preventiva, mas está proibido de contactar com os outros arguidos e de se ausentar para o estrangeiro. Teve de entregar o passaporte e está também sujeito à obrigação de se apresentar bissemanalmente no Departamento Central de Investigação e Acção Penal.

Dos tempos de faculdade sabe-se, segundo a revista Sábado, que terá sido colega dos actuais secretários de Estado centristas Adolfo Mesquita Nunes e João Almeida e de António Castro Caldas, filho do ex-bastonário da Ordem dos Advogados. Só mais tarde surgiram ligações aos nomes do processo que envolve José Sócrates. Os documentos aproximam Trindade Ferreira do empresário Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates. A ligação mais directa é concretizada a 6 de Junho de 2011 – apenas um dia depois das eleições legislativas em que o ex-primeiro-ministro saiu derrotado.

Nessa data, como procurador, Trindade Ferreira intermediou a venda a Carlos Santos Silva de um dos apartamentos de Maria Adelaide de Carvalho Monteiro, no Cacém. De acordo com a escritura, a que o PÚBLICO teve acesso, a mãe de Sócrates vendeu por 100 mil euros um apartamento num prédio na Rua Dr. António José de Almeida, onde detinha um outro imóvel. O segundo apartamento é vendido um mês mais tarde, a 7 de Julho de 2011, também a Santos Silva, num negócio em que Trindade Ferreira surge de novo como procurador. Desta vez, valeu 75 mil euros.

Em qualquer dos casos, o valor é muito superior ao praticado para outras casas na mesma zona. Além do preço, as suspeitas terão sido avolumadas por os apartamentos estarem desde essa data sem nenhuma utilização aparente, tendo um deles uma inquilina antiga. Mais de um ano depois, Maria Adelaide vendeu também ao empresário através do mesmo advogado a casa na Rua Braamcamp, no edifício Heron Castilho, onde José Sócrates ainda tem um apartamento. O negócio foi concretizado por 600 mil euros – um valor que neste caso está de acordo com outros imóveis com as mesmas características, surgindo o alerta pelos envolvidos na venda.

Mas esta não foi a única vez em que o nome do advogado e do empresário se cruzaram. Carlos Santos Silva era, desde 2009, sócio da Belmontagro – Sociedade Agrícola, uma empresa com sede em Belmonte destinada à “exploração agrícola e compra e venda de imóveis”. Em 2012 há um aumento do capital e Gonçalo Trindade Ferreira entra como sócio. Carlos Santos Silva mantém-se no conselho de administração da Belmontagro até Julho de 2013, altura em que entra uma nova equipa liderada por um colega da Proengel, também detida por Santos Silva.

Nas escrituras das casas de Maria Adelaide o advogado indicou como morada a casa onde viveu com os pais. Mas na Belmontagro referiu um andar na Alameda Roentgen, na zona de Telheiras, Lisboa. Essa é também a mesma rua que surge associada a Trindade Ferreira no site da Ordem dos Advogados, apesar de a sociedade de que faz parte funcionar na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa. A morada na Alameda Roentgen coincide, porém, com a sede da Proengel, a empresa de projectos de engenharia e de arquitectura constituída em 1988 e que é detida por Santos Silva. Em Julho de 2013 é também Trindade Ferreira quem assina os contratos de adjudicação da construção e fiscalização da obra de um lar em Estremoz à Constrope, fundada por Santos Silva.

Trindade Ferreira surge, entre vários outros exemplos, também como sócio da Lulilartond, uma empresa dedicada ao sector da arquitectura e construção e que detém em conjunto com a Activadvisor, uma firma destinada à consultoria de arquitectura e engenharia e de que Trindade Ferreira é sócio e gestor em conjunto com Rui Mão de Ferro, que administra a empresa com a maior parte da SAD do Clube de Futebol os Belenenses, liderada por Rui Pedro Soares, que foi mencionado no processo Face Oculta. Estes nomes cruzam-se de novo na consultora Itineresanis, para a qual Trindade Ferreira entra em 2011 e que era gerida por Santos Silva e em que Mão de Ferro é sócio.

Na sua carreira, pelo caminho ainda tentou, através do Departamento de Acordos Internacionais de Segurança Social, concorrer em 2006 ao Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública. Foi excluído por não ter mencionado a sua data de nascimento. Em Maio de 2008 também foi excluído do concurso para um estágio como inspector superior na Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça. Neste caso o motivo de exclusão invocado foi a falta de informação curricular. Já no final do ano passado abriu, em Lisboa, com mais quatro sócios (três dos quais advogados), a loja de vinhos Portugal Wine Room.

Mais recentemente criou com um colega a sociedade de advogados Raposo Magalhães, Trindade Ferreira & Associados. O PÚBLICO tentou ouvir Raposo Magalhães que remeteu quaisquer declarações para a advogada que representa o sócio, Paula Lourenço. Os restantes advogados da sociedade também não se quiseram pronunciar. O site da sociedade descreve Gonçalo Trindade Ferreira como um sócio, com conhecimentos de inglês, francês e castelhano, e que tem como “áreas preferenciais” de trabalho o “direito administrativo, direito da contratação pública, direito tributário e direito do desporto”. Sobre a sociedade é explicado que “aborda os assuntos que lhe são confiados com rigor, profissionalismo e competência”.

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