Nova carta de Sócrates: “O ‘sistema’ vive da cobardia dos políticos”

Antigo primeiro-ministro envia nova carta da prisão, acusando ainda jornalistas, magistrados e professores de Direito.

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"Quem nos guarda dos guarda?", questiona Sócrates LIONEL BONAVENTURE/AFP

“Digamo-lo sem rodeios: o ‘sistema’ vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto. De resto, basta-lhes dizer: ‘Deixem a justiça funcionar’. Sim, não se metam nisto”, escreve José Sócrates, numa parte do texto em que critica a violação do segredo de justiça, que qualifica como uma espécie de "prisão da opinião pública".

Para o antigo primeiro-ministro, “só a defesa está obrigada” a cumprir o segredo de justiça, argumentando que os que lideram a acusação nem precisam de falar: “os jornalistas (alguns) fazem o trabalho para eles”: “Toma lá informação, paga-me com elogios. Dizem-lhes o que é crime conhecerem, eles compensam-nos com encómios: magnífico juiz; prestigiado procurador; polícia dedicado e competente.”

José Sócrates qualifica esta situação como “o lado oculto e podre” da justiça. “Mas há quanto tempo o conhecemos? Há quanto tempo sabemos que a impunidade de quem comete esses crimes está sustentada na intimidação e na cumplicidade? Sim, na intimidação, desde logo. O recalcitrante sabe que arrisca uma campanha negativa na imprensa, senão mesmo uma investigação. E sabemos como pesa a simples notícia de que se está sob investigação.”

O ex-líder do PS prossegue depois com as críticas aos magistrados e jornalistas, argumentando, no entanto, que há quem resista: “Alguns desafiam o sistema e dizem abertamente que a justiça foi ultrapassada. Bem o vemos. Mas, e se foi ultrapassada por aqueles a quem confiamos a nossa liberdade? Sim – pergunta clássica – quem nos guarda dos guardas? Silêncio. ‘As instituições estão a funcionar.”, diz Sócrates no parágrafo que termina a carta.

Além das críticas ao desrespeito pelo segredo de justiça, a carta centra-se também na prisão preventiva, tema, aliás, por onde Sócrates começa o seu texto.

“Prende-se para melhor se investigar. Prende-se para humilhar, para vergar. Prende-se para extorquir, sabe-se lá que informação. Prende-se para limitar a defesa: sim, porque esta pode ‘perturbar o inquérito’”, critica o ex-primeiro-ministro, referindo-se aos argumentos utilizados pelo juiz de instrução para a sua prisão preventiva.

A seguir, Sócrates fala de uma despersonalização do detido. “Não, já não és um cidadão face às instituições; és um ‘recluso’ que enfrenta as ‘autoridades’: a tua palavra já não vale o mesmo que a nossa. Mais que tudo – prende-se para calar. E – suprema perfídia – invoca-se, para assim proceder, as regras de Direito, a legitimidade da democracia. ‘As instituições estão a funcionar’”, ironiza Sócrates, usando uma frase que repetiria no fim do texto.

José Sócrates está em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora, onde entrou na madrugada do dia 25 de Novembro, depois de ter sido detido na noite de dia 21 de Novembro, por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.

No dia 26, enviou uma carta ao PÚBLICO e à TSF, em que qualificava as imputações que lhe são feitas como absurdas, injustas e infundamentadas. Depois disso, disse ao Expresso que se sentia mais livre do que nunca e enviou igualmente uma resposta a uma reportagem da RTP, em que diz que a casa de Paris pertence ao amigo Carlos Santos Silva e em que deixou ainda claramente outra mensagem: "Estou preso. Mas não lhes faço o favor de ficar calado."

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