Famílias gastam cada vez mais dinheiro do seu bolso com a saúde
Em conjunto com os cipriotas, os búlgaros e os malteses, os portugueses são os cidadãos da União Europeia que mais dinheiro gastam com a saúde, em percentagem do valor global do consumo de bens e serviços
Estes dados, que permitem perceber o impacto da crise na carteira dos portugueses, são escalpelizados no último relatório Health at a Glance – Europe 2014, em que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) compara o panorama da saúde em 35 países europeus. Elaborado em colaboração com a Comissão Europeia, o documento foi divulgado esta quarta-feira e conclui que, apesar dos “ganhos significativos” no sector da saúde observados nos últimos anos, continuam a observar-se “grandes desigualdades” entre os países e, dentro destes, entre vários grupos populacionais.
Voltando aos dados financeiros do sector em Portugal, em números absolutos, em 2012 cada cidadão gastou 1854 euros com cuidados de saúde, uma quebra de 3,3% face a 2009, o que equivale à quinta maior redução da factura total com cuidados médicos nos países em análise. Uma parte desta descida é explicada pela diminuição acentuada nos gastos com medicamentos. Mesmo assim, a percentagem da despesa suportada pelas famílias aumentou, representando então quase um terço do total, o que coloca Portugal no grupo dos países em que os cidadãos mais gastam com cuidados de saúde, em percentagem do valor global do seu consumo, e que é liderado pelo Chipre, Bulgária e Malta.
Analisando o acesso aos cuidados médicos, a má notícia para Portugal é a de que os tempos de espera para algumas cirurgias não urgentes começaram a aumentar desde 2010, depois de terem vindo a diminuir gradualmente nos anos anteriores. Os tempos de espera para cirurgias de cataratas, próteses da anca e do joelho (as intervenções cirúrgicas analisadas) agravaram-se a partir dessa data, refere o documento. Por exemplo, nas cirurgias para colocação de próteses no joelho, o tempo de espera médio era de 186 dias, o que deixa Portugal na lista dos que apresentam piores desempenhos a este nível. O lado bom é que o número de cirurgias às cataratas cresceu de forma acentuada ao longo dos últimos anos.
Em indicadores como o da esperança de vida à nascença e o da mortalidade em geral, Portugal surge também em boa posição, acima mesmo das médias da União Europeia. Na taxa de mortalidade infantil, continuamos a ocupar o topo da tabela, ainda que agora apenas no 11.º lugar, com 3,4%, e atrás de países como a Eslovénia (que ocupa a primeira posição, com uma impressionante taxa de 1,6%) , a República Checa e a Grécia.
O reverso da medalha é a percentagem de crianças nascidas com baixo peso (menos de 2,5 quilogramas) que não tem parado de aumentar nos últimos anos no país, representando já 8,5% do total dos nascimentos em 2012. Com piores resultados a este nível surgem apenas apenas a Hungria, a Grécia e o Chipre. Nas determinantes de saúde, Portugal destaca-se pela positiva no consumo de tabaco (sexta melhor posição), e pela negativa no consumo de álcool, continuando acima da média da UE, no 11.º pior lugar.
Os maiores consumidores de antidepressivos
Nas doenças, ficamos mal na fotografia devido à elevada prevalência de diabetes (Portugal está em primeiro lugar,com 9,6% na população entre os 20 e os 79 anos em 2013 a sofrer desta patologia) e, nos medicamentos, ocupamos também o topo da lista no uso de antidepressivos, seguidos pela Dinamarca e a Suécia. Entre 2007 e 2012, o consumo de antidepressivos aumentou 30%, mas os autores do relatório sublinham que o fenómeno não está relacionado com a crise económica, uma vez que nos anos anteriores (entre 2002 e 2007) o crescimento foi muito superior (60%). Já no consumo de antidiabéticos e medicamentos para a hipertensão e o colesterol ficamos abaixo da média europeia.
Os portugueses são ainda dos que mais se queixam de necessidades de cuidados dentários não satisfeitas, em conjunto com os romenos, os búlgaros e os italianos. Na auto-percepção do estado de saúde, continuamos igualmente nos piores lugares, com menos de metade das pessoas a considerarem boa ou muito boa a sua situação clínica. Pior do que Portugal só a Letónia, a Croácia e a Lituânia.
Apesar disto, em 2012 diminuiu a percentagem dos cidadãos nacionais que justificaram com motivos financeiros o facto de não terem cuidados médicos satisfeitos, em comparação com outro inquérito feito em 2007. Segundo os autores do relatório, este resultado poderá explicar-se com o memorando de entendimento assinado entre a troika e o Governo em 2011 que, apesar de ter provocado uma redução dos gastos com a saúde, incluiu medidas para proteger o acesso dos mais desfavorecidos, nomeadamente aumentando a isenção dos pagamentos de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde.
Nas complicações no pós-operatório, Portugal aparece também a liderar o grupo de 13 países da União Europeia para o qual existem dados sobre o esquecimento de "corpos estranhos" nos pacientes na sequência de intervenções cirúrgicas, com uma taxa de 6,5% por 100 mil cirurgias. No entanto, é suplantado pela Suiça, com quase o dobro desta taxa. Os autores do relatório pedem, a propósito, alguma cautela na análise destes dados.
Nos recursos médicos, merece de novo destaque o baixo número de enfermeiros face ao total de médicos em Portugal, apesar do aumento observado no número dos primeiros profissionais que se verificou ao longo dos últimos anos. No ratio entre enfermeiros e médicos, continuamos, aliás, no terceiro pior lugar da União Europeia, em conjunto com a Espanha.
Em síntese, sublinhando que os países europeus alcançaram “ganhos significativos” na saúde, os autores do relatório lembram, porém, que ainda são “grandes as desigualdades neste sector”. Um exemplo: apesar de a esperança média de vida ter aumentado, em média, mais de cinco anos desde 1990, “a diferença entre os países com taxas de esperança de vida mais altas e os países com taxas mais reduzidas mantém-se em cerca de oito anos”.
Quanto à a crise económica, esta tem tido “um impacto heterogéneo na saúde e na mortalidade da população”, sustentam. Basta ver que, apesar de terem subido ligeiramente no início da crise, as taxas de suicídio parecem ter voltado aos valores anteriores, enquanto a mortalidade devido a acidentes de transportes diminuiu com maior rapidez nos últimos anos. O reverso da medalha é que a crise económica poderá ter contribuído para o aumento, a longo prazo, da obesidade. Nos Estados-membros da UE, em 2012, em média, um em cada seis adultos era obeso. A este nível, acentua-se que quem passa por períodos financeiros difíceis está “sob risco acrescido”.