Habeas Corpus de Sócrates pedido por jurista que em 2007 se barricou numa universidade

Então aluno da Universidade Lusíada no Porto, terá, segundo fonte judicial, regado sofás com gasolina e ameaçado imolar-se. Nega estes últimos factos e diz-se agora "outra pessoa". Explica que enviou pedido por acreditar na Justiça. Sócrates foi apanhado de surpresa.

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José Sócrates é acusado de ter conduzido Portugal à bancarrota Miguel Manso

O requerimento entrou quinta-feira nos serviços da 3.ª secção penal do tribunal de acordo com a folha de distribuição de processos publicada no site do Supremo. 

O Habeas Corpus é um pedido urgente de libertação imediata de alguém que flagrantemente estará detido ou preso de forma ilegal e é a derradeira forma de garantia constitucional para que a liberdade seja resposta. É um tipo de acção judicial raramente usado e é diferenciado das demais nomeadamente porque sobe de imediato para o Supremo Tribunal de Justiça, o único que se pronuncia nestes casos peculiares. Este tipo de recurso tem carácter de urgência (o Supremo tem de se pronunciar em oito dias) e visa a libertação imediata de um preso, face ao aparente abuso de poder que é mantê-lo detido. Pode ser solicitado por qualquer cidadão.

Neste caso, porém, foi enviado por um jurista, Miguel Mota Cardoso, que em 2007, ainda no 2.º ano da licenciatura em Direito, se barricou durante três horas na Universidade Lusíada, no Porto. Segundo fonte judicial, terá chegado a ameaçar imolar-se e foi condenado, mais tarde, com pena suspensa, pelo crime de coacção.

O pedido de Habeas Corpus surpreendeu o próprio José Sócrates e o seu advogado, João Araújo. “Eu conversei com o engenheiro Sócrates sobre isso. Nem eu nem ele sabíamos de nada. Nem sabemos quem é esse homem. Não fazemos a mínima ideia. Ele foi apanhado de surpresa”, referiu ao PÚBLICO João Araújo, que representa o ex-primeiro-ministro indiciado por corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.

Araújo confirmou ainda ter sido notificado do Habeas Corpus que será decidido “em julgamento a 3 de Dezembro”. Esta sexta-feira visitou Sócrates na cadeia. Está a preparar o recurso para a Relação de Lisboa e não pensou requerer o Habeas Corpus, mas admite que este coincide com a sua “vontade e desejo”. João Araújo reiterou que não conhece os factos relativos ao crime de corrupção pelos quais Sócrates está indiciado.

Ao PÚBLICO, Mota Cardoso confirmou o episódio que protagonizou na universidade, mas salientou ser agora uma “outra pessoa”. O jurista diz que decidiu enviar este pedido enquanto cidadão e explica: "Devido ao facto de não termos sido informados dos fundamentos da medida, da mesma forma que fomos dos indícios". Com este Habeas Corpus espera “que se demonstre que a Justiça funciona e que o Estado de Direito não está, nem nunca esteve em crise, como se profetizou”.

De resto, recusou pormenorizar os fundamentos que invocou no Habeas Corpus. “Depois lerão o que defendi quando for público. Devemos ser pacientes até que se demonstre que a justiça funciona. Sou jurista, seria imperdoável concorrer para a mediatização deste caso tão melindroso, muito menos com recurso à violação do segredo de Justiça”, referiu. Mota Cardoso explicou ainda que enviou o pedido directamente para o juiz Carlos Alexandre, titular do processo no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa com o “conhecimento do Estabelecimento Prisional de Évora”, onde José Sócrates está em prisão preventiva.

Miguel Mota Cardoso não é uma figura pública. Ganhou, contudo, notoriedade em 2007, quando, ainda estudante, com 42 anos, se barricou na Universidade Lusíada, no Porto. Apesar de ter completado com sucesso todas as disciplinas do 1.º semestre. Foi então que, segundo a referida fonte judicial, terá despejado gasolina nos sofás e ameaçado imolar-se, num episódio que provocou o caos nas redondezas da universidade e obrigou a uma negociação com a Polícia Judiciária que até envolveu, como intermediária, uma jornalista da televisão com quem exigiu falar. Vários elementos dos Sapadores Bombeiros do Porto e da PSP acorreram ao local e evacuaram a universidade.

António José Moreira, vice-presidente da Fundação Minerva, proprietária da universidade, relatou então que o estudante “demonstrava distúrbios psicológicos e invocava figuras políticas do passado, como Salazar, Hitler e outros”, além de ter pedido uma “auditoria ao curso de Direito por parte do ministério da tutela”.

Mota Cardoso explicou mais tarde que pretendia apenas exigir uma sindicância às provas que realizou e rejeitou ter alguma vez evocado o nome do ditador. Admitiu, porém, ter cometido um “acto ilícito” de que se arrependeu. “Cometi aquela asneirada e já disse aos meus colegas que não quero que isto sirva de exemplo para ninguém", disse então à Lusa Miguel Mota Cardoso.

Nesta sexta-feira declarou ainda ao PÚBLICO, já depois da publicação online de uma primeira versão desta notícia, não entender a ligação entre “os acontecimentos de 2007 e o caso do ex-primeiro-ministro”. O jurista, que confirma ter sido condenado a pena suspensa (e estar "impedido de trabalhar como advogado") pelos actos praticados na Universidade Lusíada, sustenta que esse episódio se tratou apenas de “um assunto privado resolvido em privado também" e que foi "reintegrado na mesma universidade", tendo "concluído o curso quando estava previsto”. Mota Cardoso  refere ainda que em “nenhum momento" ameaçou imolar-se.

"Sou uma pessoa correcta"
“Não conheço sequer conheço o ex-primeiro-ministro e nem sequer sou socialista. Em rapaz, antes dos 15 anos, militei na JSD. Gostava de viver tranquilo e sem ser humilhado publicamente; assumo sempre as consequências daquilo que faço, sou uma pessoa correcta com todos os adversários e respeito a honestidade intelectual. Já fui julgado por essa asneirada! Asneirada, porque não previ que chamassem a polícia numa faculdade de Direito, em virtude de um aluno estar a exigir uma nova revisão de provas, por existirem irregularidades. Eu simplesmente fiquei sequestrado pela polícia, que parecia acudir a um tsunami!", acrescentou.

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