Caso de Michael Brown torna-se símbolo da injustiça e discriminação racial na América
Na segunda noite após o arquivamento do inquérito contra o agente Darren Wilson, que matou a tiro o jovem de 18 anos, a violência diminuiu em Ferguson. Por todo o país, ocorreram demonstrações de raiva e o ressentimento com a violência policial.
“Pensei que ele me ia matar”, confessou Darren Wilson, numa entrevista à cadeia ABC e exibida em horário nobre, um dia depois de ter sido arquivado o eventual processo criminal contra si por deliberação de um grande júri do condado de St. Louis. Depois de contar a sua versão dos acontecimentos do fatídico dia 9 de Agosto, o agente da polícia disse que lamentava a morte de Michael Brown, mas não manifestou arrependimento. “Tenho a consciência tranquila”, declarou.
O desfecho da investigação judicial ao tiroteio fatal de Ferguson, e o facto de Wilson (que nunca foi detido) ter “escapado” a julgamento pela morte de Michael Brown, levantou uma vaga de protesto a nível nacional. Milhares de pessoas marcharam nas principais cidades dos Estados Unidos para exprimir o seu cansaço/desagrado/insatisfação com a situação racial no país; e denunciar a discriminação e intolerância com que os negros e outras minorias raciais são tratados pelas autoridades policiais e judiciais.
“Esta decisão [do grande júri de St. Louis, que entendeu não existir “causa provável” para acusar Darren Wilson] é importante porque é a prova de que o sistema não valoriza a vida dos negros. Prova que um polícia pode atirar a matar contra um negro que está desarmado e não tem hipótese de se defender, e escapar à justiça. E é por isso que temos que tomar posição, e lutar para acabar com o terrorismo policial”, explicava um dos participantes na marcha de Los Angeles.
“As vidas dos negros também importam”, ou, “Mãos ao alto! Não disparem!” foram as palavras de ordem repetidas em Atlanta, Chicago, Nova Iorque, Boston, Filadélfia, Denver, Los Angeles, Minneapolis, Baltimore, Cleveland, Seattle, Washington DC… A maior parte dos 170 protestos e “actos de desobediência civil” decorreram de forma pacífica, mas em Oakland, na Califórnia, terminaram com violentos confrontos entre manifestantes e a polícia.
“O que estão a ver aqui é raiva”, explicava outro manifestante, citado pelo The Guardian. “Este movimento ultrapassa o caso de Michael Brown, tornou-se uma coisa maior”, completava. Sem retirar importância ao caso de Ferguson, a morte de Michael Brown acabou por tornar-se simbólica da forma como os negros se sentem discriminados– e por mostrar que o debate sobre raça e justiça, que se tinha iniciado em 2013, depois da morte de Trayvon Martin, um adolescente negro e também desarmado atingido a tiro por um vigilante de bairro na Florida, não conduziu a nenhuma mudança significativa de comportamento nos Estados Unidos.
As estatísticas mostram que homens negros desarmados são frequentemente atingidos pela polícia, por razões que geralmente têm a ver com opiniões subjectivas dos agentes da autoridade: pareciam suspeitos, fizeram movimentos bruscos, etc. Segundo o Black Youth Project, a cada 28 horas há uma nova morte um cidadão negro, atingido a tiro por um polícia nos Estados Unidos.
Os números oficiais – e os relatos de inúmeras reportagens – provam ainda a considerável desproporção das acções policiais em bairros ou comunidades de maioria afro-americana, ou individualmente contra cidadãos negros. Por exemplo, um relatório da Procuradoria do estado de Missouri, relativo a 2013, mostra que 93% dos indivíduos detidos pela polícia de Ferguson nesse ano foram negros.
Naquela localidade, um subúrbio de St. Louis com cerca de 20 mil habitantes, continuam mobilizados mais de 2000 soldados da Guarda Nacional, destacados para apoiar a polícia de Ferguson e outras forças encarregadas de manter a ordem pública depois de meses de motins, incêndios, confrontos e violência. Essa tem sido a realidade local desde a morte de Michael Brown, um jovem negro de 18 anos, atingido com seis tiros apesar de se encontrar desarmado.
“Ele não fez o que tinha que fazer. Ele fez o que quis, e o que ele quis foi matar o meu filho”, considerou a mãe de Michael Brown, Lesley McSpadden, numa entrevista à CBS esta quarta-feira. Confrontada com perguntas sobre o alegado envolvimento do seu filho num assalto com violência a uma loja de conveniência, e ainda nas supostas provocações e confronto físico com o agente da polícia, McSpadden disse que “o que quer que tenha acontecido antes, poderia ter sido resolvido de outra maneira. Nada do que eventualmente aconteceu justificava a morte do meu filho”, frisou, lamentando as declarações de Darren Wilson. “Como é que ele pode dizer que tem a consciência tranquila depois de matar uma pessoa, mesmo se foi de forma acidental?”
Na noite de terça-feira, como se esperava, os protestos degeneraram em distúrbios, mas numa escala e com uma violência bem inferior à da véspera. Segundo enumerou o chefe da polícia do condado de St. Louis, Jon Balmer, a acção de grupos de motins resultou em vidros partidos, danos em veículos estacionados, vandalismo e tentativas de saque em vários supermercados. As forças anti-motim recorreram “tacticamente” ao gás lacrimogéneo uma única vez, registaram um “caso esporádico” de tiroteio e procederam à detenção de 45 indivíduos. “Tivemos uma noite muito melhor [na terça-feira]”, resumiu o capitão Ron Johnson da Polícia Rodoviária Estadual do Missouri.