Despesas ilegais no combate a incêndios já ultrapassam os seis milhões só este ano
Aluguer de meios aéreos viola princípios básicos da contratação pública, nomeadamente o princípio da concorrência, diz Tribunal de Contas.
“As ilegalidades evidenciadas, traduzidas na preterição de concurso público em favor de ajuste directo sem obediência aos requisitos legais, configuram uma nulidade” do contrato celebrado com a Inaer, dizem os juízes que recusaram visto ao aluguer, em Junho passado, de dois aviões Canadair por 3,9 milhões de euros mais IVA. Já em Setembro o mesmo tribunal tinha chumbado outro negócio idêntico, no valor de mais de dois milhões e igualmente autorizado por Miguel Macedo.
Uma vez mais, os juízes recusam as justificações da Protecção Civil, segundo as quais, apesar de o combate a incêndios florestais por via aérea “ser uma necessidade previsível do Ministério da Administração Interna, não foi possível dotar inicialmente o orçamento” desta entidade com verbas para o efeito. Resultado: só a um escasso mês do início da época de incêndios de 2014 o ministro autorizou a despesa, “com carácter de urgência imperiosa” - apesar de pelo menos desde o Verão de 2013 se saber que o Estado não tinha à sua disposição meios aéreos suficientes para enfrentar os fogos.
O caso é considerado tanto mais grave quanto podiam ter sido auscultadas várias empresas, mesmo usando a modalidade de ajuste directo, o que não foi feito. “Tendo em conta os valores financeiros elevados em causa e o facto de contratos semelhantes terem sido anteriormente celebrados com outras entidades, o interesse público impunha um mínimo de concorrência, nomeadamente o convite a uma outra entidade com disponibilidade para apresentar propostas”, refere o acórdão do Tribunal de Contas, que percebeu que uma das desculpas da Protecção Civil para enveredar por esta solução não correspondia à realidade: que nenhuma outra empresa no mercado tinha Canadairs dos pretendidos. Os juízes descobriram que um concorrente da Inaer, a Heliportugal, manifestou interesse junto da Protecção Civil para apresentar propostas de fornecimento do serviço. Sem sucesso. O acórdão do Tribunal de Contas fala na violação de princípios básicos da contratação pública, nomeadamente o princípio da concorrência, e recorda como, numa recente auditoria que fez à Empresa de Meios Aéreos do Estado, recomendou ao Ministério da Administração Interna que se organizasse de forma a conseguir lançar concursos de aluguer de meios aéreos de combate a incêndios.
Afinal, “todo o processo de combate a incêndios florestais é por demais conhecido e previsível pelas entidades com responsabilidades na matéria”, referem os juízes. E todos sabiam há muito que dois dos helicópteros Kamov usados pelo Estado nestas missões estavam há muito inoperacionais – um desde Setembro de 2012 e o outro desde Agosto do ano passado. “Já em 2013 a Protecção Civil havia recorrido à contratação de meios aéreos com recurso a ajuste directo com fundamento em urgência imperiosa, invocando a inoperacionalidade da frota Kamov”, lembra ainda o Tribunal de Contas, para o qual a alegada inexistência de meios financeiros atempadamente disponíveis “não pode justificar a ilegalidade dos procedimentos” adoptados. Por estas razões, o contrato celebrado com o consórcio Inaer é considerado nulo.
A decisão dos juízes ainda não transitou em julgado, o que significa que a Protecção Civil pode ainda recorrer dela – o que já fez, aliás, relativamente ao primeiro ajuste directo para alugar meios aéreos que viu chumbado este ano, pelo qual se comprometeu a entregar mais de dois milhões a uma sociedade unipessoal sediada em Tondela, no distrito de Viseu. “Ainda não foi paga qualquer verba. Aguarda-se decisão sobre o recurso”, disse no final de Setembro ao PÚBLICO uma porta-voz daquele organismo sobre esses dois milhões. Já sobre os mais de quatro milhões que há-de custar o aluguer dos Canadair, nem o Ministério da Adminstração Interna nem a Protecção Civil deram quaisquer explicações ao PÚBLICO.