Al Capone gostava de lavandarias

A lavagem de dinheiro começa com a chamada "colocação": o dinheiro sujo, vindo do mundo do crime, é transferido para o circuito económico legal, através de grandes investimentos, como o imobiliário ou as jóias.

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A mala tornou-se no símbolo clássico do tráfico de capitais, mas não é o único Rui Gaudêncio

Consagrado na lei como branqueamento de capitais, o termo “lavagem de dinheiro” terá tido origem precisamente nesta prática. É após a sua condenação em 1931, por evasão fiscal, que um dos fundadores de Las Vegas, o gangster Meyer Lansky, passa a usar os bancos suíços, que lhe garantiam o anonimato das contas, e a recorrer à infindável teia das sociedades offshore. Terão sido estes os primeiros tempos daquilo que um procurador do Ministério Público ligado à investigação da criminalidade económica hoje designa por "sistema de matrioskas": quando o dinheiro proveniente de actividades ilícitas como tráfico de droga ou corrupção, por exemplo, é pago a uma empresa offshore e as autoridades tentam descobrir quem é o último beneficiário dessa sociedade, deparam muitas vezes com uma teia infindável de firmas que são proprietárias umas das outras, sem conseguir chegar a um suspeito digno desse nome no final.

A lavagem de dinheiro começa com a chamada "colocação": o dinheiro sujo, vindo de lucros originados no mundo do crime, é transferido para o circuito económico legal, através de grandes investimentos, como o imobiliário ou as jóias. Numa tese de mestrado sobre o tema apresentada na Universidade Autónoma de Lisboa há menos de um ano, Sofia Azambuja descreve como as operações de branqueamento incluem uma segunda fase, designada por camuflagem: fazem-se “consecutivas operações, num género de ‘cirurgia plástica’ de carácter financeiro, que visam impedir o conjunto de elementos documentais que possibilitariam a reconstrução das transacções praticadas”. É preciso fazer desaparecer a ligação entre o criminoso e os bens. “Uma das formas mais conhecidas de actuar nessa modalidade é a execução de consecutivas transferências para contas desconhecidas, em diferentes instituições financeiras, de diversos países, sobretudo aqueles em que a sua fiscalização e legislação são benéficas a tal prática” – os paraísos fiscais.

Outra possibilidade, refere a mesma autora, “é o depósito em contas-fantasma pertencentes à própria organização criminosa, em que no processo de transferência do dinheiro ilícito é misturado com quantias mobilizadas legalmente, de forma a ter a sua origem confusa”. Um método potenciado pela Internet e pelo surgimento do dinheiro digital. Na terceira fase do branqueamento, as verbas já recicladas são reintroduzidas nos circuitos económicos legítimos e usadas outra vez na aquisição de bens e serviços. Os estudiosos das organizações mafiosas fazem gosto em manter uma terminologia muito peculiar: quando o dinheiro sujo é usado para comprar bens e serviços para a própria organização criminosa, chama-se “lavado à mão”; já a “tinturaria” são os actos através dos quais uma rede criminosa dá às suas congéneres um serviço de branqueamento de capitais com distintos ciclos: o ciclo curto só para limpar o dinheiro ou o ciclo longo, que contém todas as actividades, desde a ocultação até ao investimento em negócios lícitos.

Os métodos para levar a cabo este tipo de operações são muitos, desde a criação de sociedades-fantasma em paraísos fiscais – “que se podem comprar e cuja existência se resume aos estatutos, sede e registo social”, refere a mesma tese de mestrado – à compra em dinheiro de elevadas quantias de fichas de jogo nos casinos. Nalguns países existem sistemas bancários clandestinos. “O agente branqueador entrega o dinheiro ao banqueiro”, que o transmite a um sócio seu noutro país, entregando em troca ao seu dono um recibo especial, que este pode apresentar no país estrangeiro. Assim, o dinheiro nunca sai fisicamente do território onde se encontra.

Implicando sempre a existência de outros crimes prévios, que dão origem à necessidade de limpar o dinheiro que originaram, o branqueamento revela-se particularmente difícil de provar quando está associado a ilícitos financeiros, como a corrupção, refere aquele magistrado. Provar corrupção é, habitualmente, mais difícil do que provar tráfico de droga. E quando os suspeitos alegam que a avultada soma que lhes apareceu de repente nas mãos nada mais era, afinal, do que o empréstimo de um amigo, e esse amigo o confirma, os investigadores podem ficar de repente de mãos a abanar. Especialmente se o dinheiro foi levantado em numerário num banco, e não movimentado por transferência. As heranças também são álibis usados com alguma frequência para explicar súbitos enriquecimentos.

Em 2009 um oficial da Marinha foi condenado a sete anos de prisão efectiva por corrupção passiva e branqueamento. Os concursos que realizava para aquisição de material bélico rendiam-lhe dinheiro extra, que lhe chegava através de uma conta que uma familiar sua tinha em França. Daqui os pagamentos que lhe fazia um empresário norte-americano seguiam para uma conta sua na Alemanha, e depois para o seu banco em Portugal.

Vale e Azevedo também foi condenado no ano passado pelo mesmo crime no processo de transferência de jogadores do Benfica, mas no passado havia escapado: até 2005 a lei subsumia o branqueamento de capitais nos crimes que lhe davam origem, explica um inspector da Polícia Judiciária. “Fazia parte das consequências do crime que o criminoso tentasse ocultar as provas”, resume esta fonte de informação, acrescentando que hoje em dia os paraísos fiscais já colaboram mais com as autoridades policiais do que no passado, especialmente quando está em causa corrupção. “Na prática, a operação Furacão implicava branqueamento de capitais provenientes da fraude fiscal”, exemplifica o inspector. “Mas tudo se resolveu com multas e pagamentos de impostos.”

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