Ordem dos Médicos acusada por coleccionador de “censura estética”

Conselho Regional do Norte não autorizou exposição com obras, entre outros, de J. Paes, que tinham implícita crítica social e política. Estariam seleccionados originais de 40 artistas.

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Para José Barros da Costa os problemas começaram quando enviou dados dos artistas e imagens de algumas obras Regina Coelho

Numa mensagem de correio electrónico enviada a 4 de Novembro, o órgão comunicou a José Barros da Costa que a mostra não estava “aprovada”, mas o coleccionador garante que a mesma tinha sido desenvolvida, nas semanas anteriores, em conjunto com um funcionário da instituição, responsável pela galeria do Centro de Cultura e Congressos da Secção Regional do Norte da OM, que lhe terá pedido para preencher três semanas que estavam sem programação. “Tive até de me inscrever nas Finanças e entregar na Ordem a respectiva documentação, para que se pudessem vender obras. Os problemas só começaram quando comecei a enviar dados dos artistas e imagens de algumas obras”, contou ao PÚBLICO.

A exposição chamar-se-ia Filhos da fruta (nome que José Barros da Costa diz nem ter sido comunicado à OM), decorreria entre 7 e 28 de Novembro e estariam seleccionados originais de 40 artistas, entre os quais Vieira da Silva, Júlio Resende, José Guimarães, Dórdio Gomes ou Isabel Lhano, mas a atenção da Ordem ter-se-á centrado nas colagens de J. Paes. As obras mais polémicas seriam Oporto Cidade com Tomates (que mostra a Torres dos Clérigos rodeada pelo fruto), mas também Os Filhos da Pauta a Cantar a Canção dos Filhos da Fruta, Filhos da Mátria ou Filhos da Pátria. Estas criações apresentam imagens de dezenas de políticos portugueses marcantes nos últimos 20 anos, entre os quais Jorge Sampaio, Santana Lopes, Paulo Portas, Durão Barroso ou José Sócrates, rodeados por banqueiros, empresários, personalidades internacionais e ainda outros elementos, como crianças a chorar ou carneiros.

“Houve uma senhora da Ordem que começou a fazer-me muitas perguntas, a querer ver as obras. Disseram-me que ofendiam a consciência social do Conselho. Dispus-me a retirar as mais polémicas e respondi à mensagem de 4 de Novembro com uma carta, no dia seguinte, mas não recebi qualquer resposta”, frisa José Barros da Costa. Curiosamente, o pedido para que apresentasse quadros da sua colecção na referida galeria terá surgido depois de estar fechado o acordo para uma mostra de J. Paes, no mesmo espaço, em Março de 2015. “Fechámos contrato”, assegura.

Posição da Ordem
Contactado pelo PÚBLICO, o Conselho Regional da OM informou que a exposição organizada por José Barros da Costa nunca esteve autorizada. “Somos uma associação profissional de médicos. Há muita gente que quer organizar aqui exposições, pelo que autorizamos umas e outras não, visto que somos uma instituição privada”, esclareceu o presidente José Miguel Guimarães. O médico disse ainda perceber o “aborrecimento” do coleccionador: “Se quiser também posso submeter uma proposta ao Centro Cultural de Belém, mandar umas fotos bonitas, mas não dá, não é suficiente”.

José Barros da Costa recusa a justificação, garante que gastou tempo, dinheiro e até “já tinha uma transportadora contratada”, pelo que admite tratar o assunto “em moldes adequados”. “Sei que nunca qualquer exposição fora tema de debate e votação no Conselho. Considero que as manifestações de arte podem e devem ser sujeitas a crítica, mas jamais objecto de censura”, argumenta, acrescentando que as colagens de J. Paes já estiveram expostas em Câmaras Municipais e outros espaços públicos, sem “ferir quaisquer susceptibilidades”.

Graffiti polémicos
O caso que envolve a Ordem dos Médicos e José Barros da Costa tem pontos de contacto com a suspensão da revista científica Análise Social, devido a um artigo do sociólogo Ricardo Campos, ilustrado com graffiti críticos das políticas do Governo. A medida, tomada no final de Outubro pelo director do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, José Luís Cardoso, foi justificada pelo facto de as pinturas serem “chocantes, ofensivas e de gosto duvidoso”, podendo pôr em causa “o bom nome e a imagem” do Instituto e da revista. A ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social abriu um processo de averiguação ao ocorrido, já que a intervenção da direcção do ICS pode ser considerada uma ingerência numa questão editorial, que diz respeito apenas ao Conselho de Redacção.

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