Sócrates ficou detido mais uma noite, após cinco horas no Campus da Justiça
Não é certo que ex-primeiro-ministro tenha sido ouvido pelo juiz de instrução. Tudo indica que não.
Eram 16h45 quando um carro transportando José Sócrates deu entrada no Campus da Justiça, onde o ex-governante esteve mais de cinco horas para ser ouvido pelo juiz de instrução Carlos Alexandre. O antigo líder socialista foi detido no âmbito de uma investigação sobre fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.
Minutos antes, carros das autoridades judiciais foram filmados a sair da casa de José Sócrates no centro de Lisboa, onde o ex-primeiro-ministro terá acompanhado buscas ao apartamento onde mora.
João Araújo, o advogado que representa José Sócrates neste caso, chegou ao Campus da Justiça às 17h e saiu antes das 22h. Questionado pelo PÚBLICO sobre se vem acompanhar o cliente, o advogado não quis prestar declarações e limitou-se a repetir "venho sozinho". Ainda antes de ser ouvido por Carlos Alexandre, era possível ver José Sócrates, de costas, pelas brechas de uma janela do rés-do-chão do edifício espelhado. Estava numa reunião, acompanhado pelo advogado.
Muitas pessoas que vivem nas imediações do Campus da Justiça ou que foram passear para a Expo aproximam-se da rua do Tribunal Central de Instrução Criminal para tentar perceber junto dos jornalistas o ponto das investigações e se Sócrates já está ou não a ser ouvido. Emanuela Costa é uma delas. Porém, ao PÚBLICO, criticou a forma "exagerada como foram deter à porta do avião" o ex-primeiro ministro e consideram que o "aparato" criado "não dignifica o país". "Fiquei muito surpreendida e, caso a acusação se venha a verificar, então temos muitos Sócrates no nosso país", acrescentou.
José Sócrates foi detido na sexta-feira no aeroporto da Portela, em Lisboa, pelas 23h10, quando regressava de Paris. Foi fotografado a sair do Departamento Central de Investigação e Acção Penal à 1h19 e passou a noite nos calabouços do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP.
Esta é a primeira vez na história da democracia portuguesa que um ex-primeiro-ministro é detido para interrogatório judicial.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou nas primeiras horas deste sábado a detenção de José Sócrates no âmbito de um inquério "onde se investigam suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, na sequência de diligências desencadeadas nos últimos dias".
Já na tarde deste sábado, a PGR emitiu um segundo comunicado em que revela a identidade dos outros três detidos, que estão sob detenção desde quinta-feira. São eles o empresário Carlos Santos Silva (ex-administrador do Grupo Lena e grande amigo de José Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado que tem domicílio profissional na sede da empresa Proengel, detida por Carlos Santos Silva) e ainda o motorista João Perna. A PGR revelou ainda que esta investigação "teve origem numa comunicação bancária efectuada ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais, Lei n.º 25/2008, que transpôs para a ordem jurídica interna Directivas da União Europeia": "Reitera-se, assim, que se trata de uma investigação independente de outros inquéritos em curso, como o Monte Branco ou o Furacão, não tendo origem em nenhum destes processos. O inquérito, que investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível, encontra-se em segredo de justiça", acrescenta o comunicado. A detenção de José Sócrates é um caso que promete agitar não só o meio judicial mas igualmente a política portuguesa, numa altura em que António Costa vai ser eleito neste sábado secretário-geral do Partido Socialista, depois de ter vencido as eleições primárias para candidato a primeiro-ministro. Costa já reagiu, mostrando-se chocado com a detenção de Sócrates, mas separando o caso do PS. O caso está ainda a causar polémica pelo aparato mediático e pelas fugas de informação, que o Ministério Público já garantiu ao PÚBLICO que vai investigar. José Sócrates, de 57 anos, foi primeiro-ministro de Portugal entre Março de 2005 e Junho de 2011. Foi o primeiro socialista a governar com maioria absoluta, tendo deixado o Governo após o pedido de ajuda à troika de credores internacionais em Junho de 2011.
Depois dos mais de seis anos de governação, Sócrates mudou-se para Paris, onde estudou, afastando-se da vida política portuguesa. Em Março de 2013, regressou à ribalta, com uma entrevista à RTP, e em Abril desse ano tornou-se comentador da estação pública, com um programa semanal, ao domingo.
Nessa entrevista à RTP, Sócrates foi confrontado com as acusações de ter uma vida de luxo em Paris. “Tenho uma só conta bancária há mais de 25 anos. Nunca tive acções, offshores, nunca tive contas no estrangeiro. A primeira coisa que fiz quando saí do Governo foi pedir um empréstimo ao meu banco”, explicou então.
O nome do ex-primeiro-ministro já tinha sido envolvido em alguns processos judiciais, como o licenciamento do empreendimento Freeport em Alcochete e as polémicas escutas do processo Face Oculta, mas nunca a justiça tinha ido tão longe em relação a Sócrates.