Valdemar e Conceição sobreviveram, mas não querem que a culpa morra solteira
Um operário e uma assistente de reprografia contam o que passaram por causa da Legionella. São dois dos 317 casos da epidemia, que matou até agora oito pessoas.
“Julguei que era uma gripe e fui comprar medicação. Depois o médico disse-me que era uma broncopneumonia, mas não sabia ao que eu tinha estado exposto”, conta. Valdemar Matos continuou a sentir-se mal e insistiu que o diagnóstico devia ser outro: “Disse ao médico que tudo o que tinha no estômago vomitava. Tinha 41 de febre. Eu dizia que tinha de ser outra coisa qualquer associada à broncopneumonia.”
Morador na Baixa da Banheira, no concelho da Moita, chamou o 112 e foi para o Centro Hospitalar Barreiro Montijo. “Estive vários dias a tomar um antibiótico normal. Só depois de se começar a ouvir na televisão falar sobre Legionella e as torres de arrefecimento da ADP é que mudaram o antibiótico e melhorei”, relata. Foi no dia 4 de Novembro que, segundo conta, deu entrada no serviço de urgência. Deram-lhe alta nove dias depois. Agora está em casa, mas a tomar a medicação. Diz que se sente “sem forças” e que emagreceu. Tem a certeza das datas em que entrou e saiu do hospital. Quanto às outras, se a memória não o atraiçoa, os primeiros sintomas terão começado a 31 de Outubro.
Uma data em comum com outra doente. Fernando Correia deambula à porta do Hospital de Egas Moniz, em Lisboa. A última semana foi passada entre esta unidade, a visitar a mulher, e a freguesia do Forte da Casa – uma das mais afectadas pelo surto de Legionella. Maria da Conceição Correia prepara o saco para ter finalmente alta. Foi há uma semana, após uma maratona de 18 horas nas urgências do Hospital de Vila Franca de Xira, que soube que a febre e as dores nos pulmões que não a largavam há vários dias tinham uma explicação. É, tal como Valdemar, um dos 317 casos da epidemia.
A história é contada por Fernando. A mulher, de 53 anos, ainda está debilitada. Os sintomas começaram antes de as autoridades de saúde terem detectado a existência do surto que fez oito vítimas mortais e que já se percebeu que teve origem numa das torres de arrefecimento das fábricas próximas das três freguesias mais afectadas: Forte da Casa, Vialonga e Póvoa de Santa Iria. Era também dia 31 de Outubro. “Nessa sexta-feira ela estava no trabalho e começou a sentir-se cheia de febre. Não estava nada bem, via-se.”. Foi tomando paracetamol por sua conta. Na segunda-feira, 3 de Novembro, a “facada” no pulmão fê-la faltar ao trabalho. “A médica de família viu-a e achou aquilo estranho. Mandou-nos para o hospital de Vila Franca onde lhe fizeram análises, raio X e viram qualquer coisa nas vias respiratórias. Veio para casa a tomar antibiótico”, conta Fernando.
Os próximos dias foram sempre a piorar. “A febre não parava, era uma coisa sem explicação. Como não tinha mesmo forças, no sábado fomos de novo às urgências”. Só no dia anterior as autoridades se tinham apercebido do número anormal de casos de Legionella. Fernando e Maria da Conceição encontraram as urgências “numa confusão”.
“Ficámos lá umas 18 horas, até que nos disseram que era mesmo” Legionella”. Já foi no dia seguinte, 9 de Novembro, que foi transferida para o Hospital S. Francisco Xavier. “Ainda lá teve umas horas numa maca mas também não havia lugar e fomos depois para o Egas Moniz”. Fernando está desempregado e consegue acompanhar Maria da Conceição sem faltas. “Ela é assistente de reprografia, por ironia no Ministério do Ambiente, e com a baixa está a perder. O quadro dela não era dos piores e nunca esteve nos cuidados intensivos, mas a família não tem parado de ligar e até sabermos que a doença não vinha da água de casa ninguém sossegou. Vivemos mesmo abaixo da Rua da Liberdade, que é das que dizem na televisão que tem mais casos”. Passado o pior, o casal tenta agora perceber que passos dar. “Alguém tem de ser responsabilizado. Já fui à junta saber das coisas e eles falam em dar apoio judicial, por isso vamos ver.”
Uma vontade que coincide com a de Valdemar, já que o trabalhador andou a montar e desmontar andaimes durante Outubro na ADP Fertilizantes. “As torres só estiveram sem funcionar durante a semana em que a empresa ficou parada para reparação da maquinaria, entre 27 e 31 de Outubro. De resto, nos outros dias estive a montar andaimes com as torres a funcionar.” O último dia que passou na ADP Fertilizantes terá sido 29. Nos dias seguintes, 30 e 31, esteve em Lisboa, a fazer o mesmo trabalho, no Museu da Electricidade.
O operário subcontratado queria avançar com um processo judicial. “Gostaria de tomar uma iniciativa, mas não tenho dinheiro para um advogado e a culpa morre solteira. Só se houvesse uma associação de pessoas prejudicadas por este problema. Mas se tivesse um advogado que me defendesse ia sozinho para a frente com isto”, garante.
O PÚBLICO contactou a ADP Fertilizantes, mas a empresa não enviou uma resposta a tempo do fecho desta edição. No entanto, num comunicado emitido sábado a fábrica garante que faz análises regulares à presença da bactéria. Desde 2012, precisa, “foram realizadas, por laboratórios acreditados, cinco análises de despistagem de Legionella nas torres de arrefecimento da fábrica de Alverca e todas revelaram resultados negativos”. A última foi feita em Maio passado e as autoridades informadas dos resultados. A nota da empresa não refere, contudo, se foi ou não nestas torres de arrefecimento que foi detectada a colónia de Legionella que originou o surto.
As autoridades alegam que o caso está em segredo de justiça e que, apesar de já terem identificado o foco de um dos maiores surtos de sempre de doença, não o podem divulgar. Mas o ministro da Saúde foi mais claro do que a Direcção-Geral da Saúde e do que o Ministério do Ambiente e na sexta-feira levantou um pouco o véu, revelando que as análises apontam para uma empresa em particular.