Direcção-Geral do Património pode classificar parte da colecção Ricardo Espírito Santo
Situação na Fundação Espírito Santo “é preocupante”, disse Barreto Xavier no debate do Orçamento do Estado para 2015.
Na mesma audição, Barreto Xavier disse que os concursos de apoio às artes da Direcção-Geral das Artes (DGArtes) e os do cinema e audiovisual vão abrir “entre Dezembro de 2014 e o início de 2015”, garantindo ainda que vão ter valores mais altos do que em anos anteriores.
“Obviamente que a situação da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva (FRESS) é preocupante porque na sequência da situação lamentável que todos conhecemos e esperamos vir a conhecer melhor, deixou de haver financiamento directo”, começou por dizer Barreto Xavier sobre a crise no Banco Espírito Santo (BES) que afectou directamente a fundação, que agrega o Museu de Artes Decorativas e oficinas.
O Grupo Espírito Santo era, juntamente com o BES, o principal mecenas da fundação que agrega o Museu de Artes Decorativas e a sua colecção, escolas de formação e as importantes oficinas de conservação e restauro em Lisboa.
O secretário de Estado da Cultura não tem dúvidas de que esta situação “pode ter um impacto muito significativo” mas garantiu já estar a trabalhar no caso que, diz, é preciso dividir em dois pontos: o do património e o do funcionamento.
“É preciso conferir o património e qual deve ser sujeito a um processo de classificação, e esse é um trabalho que está a ser feito”, defende o secretário de Estado, explicando que a DGPC está neste momento a avaliar a colecção desta fundação para perceber o que pode ser classificado.
No que diz respeito ao funcionamento da FRESS, Barreto Xavier diz ainda estar a estudar a situação, mostrando-se “preocupado com a matéria”. No entanto, não quer uma solução “simplista”. “Não nos podemos limitar a manter o trabalho”, diz, argumentando que quando as coisas correm mal não se pode esperar sempre que o Estado resolva.
A fundação é uma instituição de direito privado com estatuto de interesse público, criada em 1953 quando Ricardo do Espírito Santo Silva doou o Palácio Azurara (nas Portas do Sol, no centro histórico de Lisboa) e parte da sua colecção privada de artes plásticas e decorativas ao Estado português, criando-se o museu-escola e as 18 oficinas de restauro em talha dourada, mobiliário, azulejo, encadernação e tapetes de arraiolos. A fundação tutela ainda a Escola Superior de Artes Decorativas e o Instituto de Artes e Ofícios.
A FRESS tem receitas próprias através dos serviços de conservação e restauro ou das propinas escolares, mas o mecenato tem um importante peso nas suas contas para fazer face às despesas de funcionamento da instituição premiada com o prémio Europa Nostra de Instituição Cultural Europeia de 2013.
Questionado ainda pela deputada do Bloco de Esquerda Catarina Martins sobre as obras de arte na posse do Banco Privado Português (BPP), o secretário de Estado da Cultura disse ser necessário “perceber de que património estamos a falar”. Conhecida como Colecção Ellipse, na posse do BPP está uma das mais importante colecções privadas de arte contemporânea em Portugal constituída por cerca de 800 peças.
“Queremos saber quais as situações de risco patrimonial que possam existir”, disse, revelando que “foi solicitado formalmente aos responsáveis do BPP que nos forneça as listas do património”. Catarina Martins alertou para o estado de deterioração a que estas obras estão sujeitas num armazém em Alcoitão.
Artes e cinema com mais verbas
No que diz respeito aos apoios da DGArtes, Barreto Xavier não especificou quais os concursos que vão abrir. Em Março, recorde-se, a secretaria de Estado da Cultura (SEC) anunciou concursos para os apoios pontuais e para a internacionalização, num máximo de 105 entidades, e não abriu a modalidade anual por falta de verbas.
A novidade em relação ao apoio às artes foi avançada ao início da tarde desta terça-feira na audição na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, destinada a debater o Orçamento do Estado para 2015 - que no relatório recentemente anunciado pelo Governo atribuirá 219,2 milhões de euros à área da Cultura -, na qual Barreto Xavier começou por fazer um “balanço globalmente positivo [da actividade da SEC] que se confirmará até ao final da legislatura”, apesar de se estar a atravessar, admitiu, “um dos mais difíceis períodos da história contemporânea do nosso país”.
O secretário de Estado da Cultura garantiu ainda valores mais altos para estes concursos da DGArtes. No relatório que assina, disponível no site da Assembleia da República, e que tem como objectivo apoiar a discussão da proposta do Orçamento do Estado para a área da Cultura, Barreto Xavier explica que “na política de apoios às artes pretende-se continuar a dinamizar o sector artístico através de apoio financeiro directo mas também de parcerias, projectos de impacto social directo e através de mecanismos de promoção das actividades artísticas”.
“Os apoios através da DGArtes à actividade artística serão acrescidos do protocolo estabelecido com as EEA Grants [bolsas do Espaço Económico Europeu], que permitirá um montante adicional significativo para projetos que relacionam artes e educação”, lê-se no documento.
Questionado pelo deputado do PCP Miguel Tiago sobre o aumento anunciado das verbas dos concursos, Barreto Xavier não explicou nem revelou valores. “Os montantes disponibilizados para o concurso de apoio às artes foram possíveis graças a gestão flexível dos orçamentos”, disse, acrescentando: “Não estaria a anunciar essas possibilidades se não estivesse seguro de que vai acontecer”.
Sobre os apoios ao cinema, Barreto Xavier fez saber que a SEC pretende “abrir no início do próximo ano os concursos”, anunciando, sem explicar como, que estes terão “uma verba muito superior ao praticado até hoje”. Assegurando que a tutela quer consolidar “o papel que o cinema tem na vida dos portugueses e na afirmação do país no mundo”, o secretário de Estado disse ainda que o sector do cinema e do audiovisual “pode estar tranquilo” porque terá instrumentos para trabalhar.
No documento já mencionado, Barreto Xavier escreve que no seguimento da aprovação da Lei do Cinema e respectiva regulamentação, “garantiu-se a implementação dos programas de apoio às actividades cinematográficas e audiovisuais de acordo com o novo modelo de financiamento, responsabilizando todos os agentes destinatários das novas taxas pelo seu cumprimento”.
Barreto Xavier falou ainda da recente polémica que rodeou os júris para estes concursos, afirmando "respeitar as escolhas", assim como já o fez no ano passado. "Não podemos querer a democracia quando nos convém e não querer a democracia quando não nos convém. É difícil dizer que não se concorda com um sistema com o qual se concordou no ano passado", disse o secretário de Estado da Cultura, defendendo que se tentou encontrar um modelo que fosse representativo de todos os sectores do cinema e do audiovisual. "Não podemos procurar ganhar na secretaria o que não foi possível ganhar de outra maneira."
Museus na alçada das autarquias locais
O secretário de Estado da Cultura anunciou também estar a ponderar entregar a gestão de alguns dos museus que respondem directamente à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) às câmaras municipais dos locais onde se encontram. Sem dar exemplos, Jorge Barreto Xavier garantiu que, a ser feita esta mudança, as autarquias não acarretarão com mais encargos, uma vez que a fatia do orçamento destinada a esse museu passa para a câmara em questão.
Sem adiantar grandes informações, Barreto Xavier explicou que esta alteração acontecerá “sempre em articulação com as autarquias, passando os trabalhadores e os montantes para as autarquias”.
“O dinheiro está na área da Cultura, no momento em que se fizer a alteração, esse montante é entregue à autarquia. Mantém-se o apoio técnico e continua na Rede Portuguesa de Museus”, disse o secretário de Estado da Cultura, para quem estes acordos entre Governo e autarquias serão feitos caso a caso. Barreto Xavier esclareceu ainda que o poder de gestão passará então para as mãos das câmaras. “Ficam com autonomia nas decisões de direcção”, apontou. “Não tem nada de negativo fazer parcerias com museus quando estas parcerias têm impacto positivo”, defendeu o secretário de Estado.
Já no relatório do Orçamento do Estado, Barreto Xavier escreveu que em 2015 acontecerá a “dignificação dos museus e palácios nacionais e a descentralização de competências na área museológica, através de acordos com as autarquias locais”. No mesmo relatório, o secretário de Estado diz ainda que se pretende “implementar novos modelos de gestão do património construído e do património museológico, que poderão em alguns casos passar pela gestão de conjuntos patrimoniais por entidades terceiras”.
No Parlamento, Barreto Xavier garantiu que não vai ser privatizado património, o que não significa, disse, que não existam outros modelos de gestão mais adequados. E deu como exemplo a Parques de Sintra – Monte da Lua, a empresa que gere o património de Sintra, até agora presidida por António Lamas, o novo presidente do Centro Cultural de Belém, que tem como missão elaborar um projecto para a zona monumental de Belém e Ajuda.
“É possível maximizar as possibilidades de utilização daquela zona do território, por isso foi convidado António Lamas, a quem daremos algum tempo para encontrar o caminho que articuladamente nos permita melhorar a gestão de Belém e Ajuda”, afirmou Barreto Xavier, sem responder a algumas das perguntas dos deputados da oposição, que queriam saber se os museus e os monumentos deste eixo continuam sob a alçada da DGPC, ou se esta vai ficar sem a quota de receitas destes, havendo assim menos dinheiro para a distribuição de receitas por todos os museus. “Só nos interessa o eixo Belém-Ajuda e deixamos cair o resto do país?”, questionou Catarina Martins, do BE.
Barreto Xavier lembrou ainda que em 2015 abrirá portas o novo Museu dos Coches, revelando que há procedimentos concursais já a decorrer. “Quando nos comprometemos com datas, queremos garantir que acontece.”
Paralelamente à audição parlamentar do secretário de Estado, o PS divulgou uma nota a contestar os valores anunciados para a área da Cultura. Depois da leitura das notas explicativas e de ouvirem Barreto Xavier, os deputados socialistas consideram que o número 219,2 milhões de euros "é uma mistificação". "Confirma-se agora que para a Cultura vêm apenas 182,8 milhões, mais 2,1% que em 2014 (177,71 ME de despesa consolidada, 0,9% do OE), um aumento de 3,6 milhões que se destina, integralmente, a cumprir a decisão do Tribunal Constitucional de pagar os salários dos funcionários dos serviços públicos da Cultura, sem os cortes de Passos Coelho", diz a nota do PS, que denuncia também "os baixíssimos níveis de execução do OE de 2014" e diz não entender quais serão as verbas disponíveis para a anunciada aposta no património.
No final da sessão, Jorge Barreto Xavier saiu do Parlamento sem responder às perguntas dos jornalistas.