ERC abriu processo para investigar suspensão da revista Análise Social

Declaração pública contra a suspensão da revista, lançada na sexta-feira por 170 especialistas nacionais e internacionais, já vai em 360 subscritores. Regulador dos media vai interrogar o director do ICS e o director da Análise Social.

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A decisão do regulador foi tomada na reunião da passada quarta-feira, confirmou ao PÚBLICO o vice-presidente do regulador. Alberto Arons de Carvalho afirmou que pelo menos até quinta-feira não foi recebida na ERC qualquer queixa, mas é normal que em casos mais mediáticos, como este, o Conselho Regulador acabe por tomar a iniciativa de abrir um inquérito. A ERC tem competência para actuar neste caso porque a Análise Social está registada no regulador dos media como publicação periódica, especificou aquele responsável.

Serão ouvidos em breve a direcção da revista, liderada pelo antropólogo João de Pina Cabral, actualmente a dirigir a escola de Antropologia e Conservação da Universidade de Kent, em Inglaterra, e o director do ICS, José Luís Cardoso.

A suspensão da revista na internet e da sua circulação impressa - já estavam prontas algumas centenas de exemplares que José Luís Cardoso afirmou que iriam ser destruídos - pode configurar uma ingerência da direcção do ICS numa questão editorial sobre o conteúdo da publicação, que diz respeito apenas ao Conselho de Redacção da revista, e cuja decisão foi tomada à revelia dos responsáveis editoriais da Análise Social.

A declaração tornada pública na passada sexta-feira em que 170 personalidades nacionais e estrangeiras das mais diversas áreas das ciências e investigação se afirmam contra a suspensão da última edição da Análise Social chegou, no domingo à noite, aos 360 subscritores. No texto, os especialistas das mais diversas áreas consideram que a decisão desrespeita a independência académica da publicação e solidarizam-se com o autor. A declaração continua aberta para subscrição.

Entre outros nomes, juntaram-se agora, por exemplo, sociólogos, cientistas políticos e juristas como André Freire (ISCTE-IUL), Pablo Pozzi (Universidad de Buenos Aires), Elísio Estanque (Universidade de Coimbra) ou Maria Eduarda Gonçalves (ISCTE-IUL); o catedrático Gaspar Martins Pereira (Universidade do Porto) e o professor emérito Vítor Matias Ferreira (ISCTE-IUL); vários investigadores do ICS, a ele associados ou que aí realizam ou realizaram os seus estudos, como Francesco Vacchiano (ICS-UL), Susana Boletas (ICS-UL), Tiago Saraiva (Drexel University) ou Diego Palacios Cerezales (Stirling University).

Na lista estão também figuras da academia e do campo cultural, como Diana Andringa, jornalista e investigadora do CES da Universidade de Coimbra, Carlos Vargas, presidente do conselho de administração do Teatro D.Maria II e investigador da Universidade Nova de Lisboa, ou a documentarista Susana Sousa Dias, professora na Universidade de Lisboa, assim como cientistas de outras áreas do campo científico, como o catedrático António Betâmio de Almeida (IST) ou o oceanógrafo Mário Ruivo.

Conselho redactorial diz que tinha autonomia para decidir publicação
Na altura em que o caso foi conhecido, o director do ICS disse ao PÚBLICO que a decisão era unicamente sua, e se devia ao facto de o ensaio visual de Ricardo Campos conter “imagens e mensagens que eram susceptíveis de pôr em causa o bom nome e a imagem do ICS e da revista”.

José Luís Cardoso argumentava que se trata de um "texto reduzido, que não é sobre aquelas imagens em concreto", e que o conjunto dos graffiti publicados "não está explicado, enquadrado ou contextualizado" e por isso as imagens podiam ser “entendidas como provocatórias e banais”. Chegou mesmo a afirmar que o trabalho era de “mau gosto e uma ofensa a instituições e pessoas que não podia tolerar”.

E somava ainda a justificação de que o ensaio não seguira os preceitos da revista, ou seja, “apesar de aprovado pela equipa redactorial da revista, não foi submetido ao indispensável processo de avaliação e arbitragem” por consultores externos, a chamada peer review, que José Luís Cardoso classificava como uma “regra fundamental de qualquer publicação de âmbito académico”.

João de Pina Cabral e a maior parte dos membros do conselho redactorial que nos últimos três anos e meio dirigiram a revista emitiram então um comunicado em que diziam discordar “profundamente deste acto, que associam a um gesto de censura” e a uma ingerência “sobre a isenção científica da revista”. Ao PÚBLICO, Pina Cabral contestou a teoria de José Luís Cardoso sobre a peer review: “As normas escritas e públicas da revista estipulam que os ensaios visuais, como é o caso, não são sujeitos a peer review, bastando-lhes a aprovação do conselho redactorial.”

E defendeu que o que está em causa nesta questão são “os valores da isenção científica em Portugal. E se a vida económica chegou a tal ponto em que consegue levar a que seja posta em causa a regulação da ciência, então tudo isto é muito grave”.

Entretanto, o director do ICS enviou na sexta-feira um email à comunidade científica do instituto onde afirma que “o acto de suspensão reveste carácter preventivo e provisório e aguarda apreciação e deliberação do Conselho Científico”, marcada para dia 14. “É a este órgão de gestão que compete pronunciar-se sobre a orientação editorial da Análise Social”, acrescenta, numa atitude que tem sido lida no ICS como uma porta aberta para voltar atrás na decisão. Que pode mesmo acontecer agora que o assunto chegou ao regulador dos media.

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