A Alemanha europeia e a Europa alemã
O projecto europeu não faz sentido sem a Alemanha. Mas com conta, peso, medida e solidariedade.
Há 25 anos caiu o Muro de Berlim. E com a queda do muro e a reunificação da Alemanha caíam o comunismo na Europa e o império soviético. Nascia a globalização e o euro. E no dia 9 de Novembro de 1989 muitos recordavam o discurso de Thomas Mann de 1953, em Hamburgo, perante uma plateia de estudantes: devemos ambicionar ter uma Alemanha europeia e não uma Europa alemã. O muro caiu, as “alemanhas” uniram-se, a Alemanha entrou numa recessão profunda, fez grandes reformas, saiu da recessão e hoje, dentro da União Europeia, voltou a ser uma grande potência económica. E a 9 de Novembro de 2014 continuamos a discutir se a Europa não se está a transformar numa grande Alemanha ou se a Alemanha não está a ficar cada vez menos europeia.
A crise do euro, que já dura há demasiado tempo, veio pôr a nu uma das grandes fragilidades do projecto europeu. A fragilidade no processo de tomada de decisões importantes e que afectam a vida de todos nós. Se antes da crise havia a percepção de que nos bastidores e nos corredores de Bruxelas era a Alemanha a ditar as regras na Europa, hoje em dia já ninguém se dá muito ao trabalho de disfarçar. Em plena crise, chegámos a ter conselhos europeus que eram precedidos por cimeiras bilaterais entre Merkel e Sarkozy e onde se decidia o que o Conselho Europeu do dia seguinte supostamente deveria decidir. E hoje já nem existe um eixo franco-alemão para disfarçar a centralização das decisões na zona euro. E a continuar por este caminho, há-de chegar o dia em que havemos de achar normal que Angela Merkel diga que Portugal tem licenciados a mais, ou que os portugueses tiram férias a mais; sendo que ambas as afirmações são falsas, quando se compara Portugal, por exemplo, com a Alemanha.
Mas a Europa precisa de uma Alemanha forte, de uma Alemanha solidária, para que possa construir um projecto e um mercado único onde todos saem a ganhar. Mas para tal a Alemanha precisa de delegar nas instituições europeias (Parlamento, Conselho e Comissão) o excesso de poder que hoje concentra. Se assim fosse, se as decisões fossem tomadas de uma forma mais colegial, talvez mais facilmente os países da periferia do euro, como é o caso de Portugal, aceitassem as reformas estruturais e a austeridade que lhes são pedidas para reequilibrar a economia e as contas públicas. A Alemanha sabe o que pede, porque ainda hoje está a colher os frutos das reformas impostas pela Agenda 2010 de Gerhard Schröder.
Tudo, claro está, com conta, peso e medida. Seguindo a cartilha alemã e a ortodoxia financeira de uma forma cega, a Europa arrisca-se a entrar (ou se calhar já entrou) numa armadilha que está a definhar as economias com as contas mais desequilibradas e, o reverso da medalha, a deixar países como a própria Alemanha (com excedentes comerciais e orçamentais) com menos mercado e cada vez mais países à volta de mão estendida. Situação que, a manter-se durante mais tempo, se tornará insustentável, seja para a Alemanha europeia seja para a Europa alemã.