Portugal acciona convenção para troca de informações com o Luxemburgo

Investigações abrem a porta a aplicação de cláusula antiabuso.

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A investigação do ICIJ levanta o véu sobre acordos secretos do Luxemburgo com mais de 340 multinacionais Yves Herman/Reuters

O pedido, noticiado pelo Diário Económico, foi confirmado ao PÚBLICO pelo secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, depois de serem conhecidos acordos secretos entre o Grão-Ducado e centenas de multinacionais para permitir às empresas pagar menos sobre os lucros gerados.

A confirmar-se que empresas portuguesas com sucursais ou filiais no Luxemburgo possam ter beneficiado de uma dupla não tributação – sendo favorecidas, por um lado, ao abrigo dos acordos secretos e, por outro, pelo não pagamento de impostos em Portugal, porque se partiu do pressuposto formal de que a empresa já fora tributada no estrangeiro –, há espaço para aplicar as chamadas normas antiabuso. Accionar a cláusula antiabuso, prevista no direito tributário, abre a porta a que seja desconsiderada a regra que permitiu às empresas beneficiar do regime de eliminação da dupla tributação.

Para já, o Fisco, através da sua unidade de investigação de fraude e de acções especiais (DSIFAE), está já a analisar internamente dados sobre as participações de grupos económicos portugueses nos vários países para identificar as empresas que têm filiais ou sucursais no Luxemburgo. E detectou uma dezena.

Os contratos secretos entre empresas e a administração fiscal luxemburguesa poderão ter um impacto de grande escala para outros Estados-membros, uma vez que, em alguns casos, as empresas pagavam uma taxa de imposto inferior a 1%.

Entre as mais de 340 empresas que beneficiaram de acordos fiscais secretos com o Luxemburgo há pelo menos seis multinacionais com ligações directas a Portugal, envolvendo posições participadas ou operações com parceiros portugueses.

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) identificou, por exemplo, um acordo assinado a 14 de Maio de 2009 com a DDR (Developers Diversied Realty), uma empresa norte-americana do ramo imobiliário cuja filial no Luxemburgo (a DDR Luxembourg) passou a deter metade do capital da Sonae Sierra Brasil, posição que esta alienou em Abril passado.

O negócio em causa envolveu 143 milhões de euros: a DDR no Luxemburgo comprou 50% da Sonae Sierra Brasil por 57 milhões de euros, ao mesmo tempo que assumiu 50% de um empréstimo garantido pela Sonae Sierra SGPS por cerca de 86 milhões. Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Sonae declinou comentar o assunto “por o mesmo dizer respeito à DDR e não à empresa”.

No Brasil, a Sonae Sierra (do grupo Sonae, dono do PÚBLICO) tem dez centros comerciais, em São Paulo, Campinas, Goiânia e Manaus, entre outros. Em alguns casos, a Sonae Sierra detém 100% dos shoppings; noutros é accionista maioritária, com parceiros locais a assumirem uma participação mais pequena. A DDR era com a Sonae Sierra co-proprietária de dois centros comerciais.

Outro caso identificado pelo ICIJ envolve a Maus Frères. A centenária retalhista suíça, dona de marcas como a Lacoste e a Gant, criou no Luxemburgo uma empresa participada, a Procastor, que servia de veículo financeiro entre a empresa-mãe e empresas participadas europeias, por si controladas directa ou indirectamente.

As participadas da Maus Frères em causa têm os domicílios fiscais em Portugal, Espanha, Suíça, Áustria, Reino Unido, Alemanha, França e Itália. No entanto, cabia à Procastor aglutinar os fluxos de tesouraria destas participadas, podendo ficar à margem de “qualquer risco cambial” que resultasse daquelas movimentações.

O Deutsche Bank é outros dos visados, pelos investimentos de uma subsidiária sedeada no Luxemburgo em projectos relacionados com o Alfamar, um empreendimento turístico no Algarve. No “dossier Portugal", o ICIJ refere também a norte-americana Carlyle, a alemã Hypo Real Estate e a KBL Lombard, do Luxemburgo.

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