Cada vez mais pais deixam de poder pagar pensões de alimentos aos filhos
Até ao final de Outubro, havia já 18.382 menores cujas pensões de alimentos passaram a ser pagas pelo Estado. É um aumento de 16,2%, em comparação com 2013. O desemprego surge como a principal explicação.
De então para cá, a situação agravou-se. Com o desemprego a subir, os tribunais de todo o país chamam cada vez mais o Estado a substituir-se aos pais no pagamento da pensão de alimentos aos filhos, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM). Até 31 de Outubro, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social estava a pagar pensão de alimentos a 18.382 menores, mais 16,2% do que no final de 2013. Ao todo, e até àquela data, o Estado já tinha gastado 25,8 milhões de euros com esta prestação.
Esta prestação, em dinheiro, é paga mensalmente pelo Estado para assegurar que, num cenário de divórcio ou separação do casal, as crianças e jovens não fiquem sem pensão de alimentos quando o progenitor que está obrigado a atribuí-la por ordem do tribunal deixa de o fazer por incapacidade económica. “O fundo pode ser suscitado apenas quando se revela impossível cobrar essa prestação ao progenitor faltoso, ou seja, quando este não possui salário, rendas, subsídios ou bens que possam ser executados”, explica Júlio Barbosa, procurador-adjunto na comarca de Coimbra.
Outro dos requisitos é que o rendimento do agregado em que o menor está inserido não ultrapasse os 419,22 euros – o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) – por cada um dos elementos, sendo que “o requerente vale por um, os menores por 0,5 e os maiores por 0,7”, explicita o juiz António José Fialho, do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, para concluir: "Basta que o progenitor que tem a guarda da criança tenha um 'ordenadito' um bocadinho melhor, uns 650 euros, para ficar de fora”. Só famílias muito pobres, portanto, podem aceder ao fundo. E não se pense que este fundo pode estar a ser usado para compensar os progenitores que simplesmente fogem às suas responsabilidades. “Os tribunais não prestam alimentos para substituir pais que simplesmente desaparecem do mapa”, precisa António José Fialho. Mesmo assim, e apesar de todos os anos nasceram menos bebés, Júlio Barbosa confirma que “neste período de crise, as solicitações têm aumentado”.
Os números mostram efectivamente que, tal como no desemprego, na emigração e na pobreza, o crescimento tem sido sustentado. Em 2010, o Estado gastou 23,1 milhões de euros no pagamento das pensões de alimentos a 13.553 crianças e jovens cujos pais estavam impossibilitados de o fazer. Em 2013, a despesa chegou aos 27,4 milhões. Este ano, até ao final de Outubro, o Estado tinha gastado já 25,8 de um orçamento global de 32 milhões. Para 2015, a dotação orçamental voltou a aumentar. Para os 36 milhões de euros. Nestes cinco anos, os gastos do Estado com os progenitores que deixaram de pagar as pensões de alimentos aumentaram 56%.
Processo moroso
Mas há problemas que persistem. “Os relatórios que os tribunais pedem sobre a situação do progenitor que tem a guarda da criança, geralmente a mãe, demoram muito, nunca menos de seis meses. E, depois da sentença judicial, o pagamento da primeira prestação também costuma demorar seis meses”, alerta a juíza Armanda Gonçalves. Para contornar previsíveis demoras, e dadas as crescentes solicitações, o juiz António José Fialho encontrou atalhos. “Na fase da fixação, dispenso relatórios, e faço a análise da situação económica do agregado por verificação da condição de recursos”, revela. Mesmo assim, desde a decisão judicial até ao pagamento da primeira prestação, “podem decorrer entre seis a sete meses, dependendo do centro distrital da Segurança Social”, acrescenta.
Ao PÚBLICO, fonte do Ministério da Segurança Social sustentou que os atrasos chegaram a ser de 18 meses e foram entretanto substancialmente reduzidos “por via do reforço das equipas e dos meios informáticos".
Dúvidas quanto ao valor
Para os atrasos no pagamento da primeira prestação podem concorrer também os recursos da Segurança Social contra as decisões dos juízes de primeira instância que fixam a obrigatoriedade de pagamento de uma pensão superior àquela que era devida pelo pai. E aqui há jurisprudência para todos os gostos. “Os tribunais não têm sido unívocos nas suas decisões: há quem entenda que os juízes não podem impor ao fundo uma quantia superior àquela que o pai estava obrigado a pagar e há quem entenda que sim”, situa Júlio Barbosa, para quem “os argumentos são bons de ambos os lados”. Ou seja, “é relativamente fácil comprovar que as necessidades das crianças são superiores às pensões que os pais pagavam”, mas, por outro lado, “é preciso não esvaziar o fundo”.
Quando estava à frente do Tribunal de Família e Menores do Porto, Armanda Gonçalves tendia a manter o valor da pensão a que o pai estava obrigado. “Por causa do direito de sub-rogação”, sustenta, ou seja, da possibilidade de a Segurança Social reivindicar o reembolso dos montantes assim que o progenitor volte a estar em condições de pagar a pensão. “Se assim é, o fundo também não deve poder exigir mais do que aquilo que o pai estava obrigado a pagar pelo tribunal e cujo montante já tinha atendido à sua situação financeira”, advoga. No Tribunal de Família e Menores do Barreiro, o juiz António José Fialho tem optado por um meio-termo: “Imagine um pai que ficou obrigado em 2004 ao pagamento de uma pensão de 50 euros e só agora entrou em incumprimento. Se as circunstâncias o justificarem, fixo um valor acima, mas justifico-o com a inflacção. Até agora, tive um único recurso da Segurança Social”.
Penhoras a pais faltosos aumentaram 91% em três anos
À semelhança do que se passou com outras prestações sociais, em 2013 o acesso ao fundo ficou mais restrito. O limite de rendimentos do agregado a partir do qual o menor deixa de ter direito a este apoio baixou dos 485 euros do salário mínimo nacional para os 419,22 euros do IAS. “Prevê-se que muitas crianças carenciadas possam ficar sem a pensão de alimentos que recebem através deste fundo do Estado”, alertava recentemente o Comité Português para a UNICEF. “Tivemos algumas situações de exclusão daqueles casos que estavam no limite. Uma mãe ou um pai com um filho e um ordenado de 700 e tal euros tinha direito a recorrer ao fundo quando o tecto era de 485 euros, mas deixou de ter quando se passou para o IAS. Aí baixou para os 600 euros e qualquer coisa”, confirma António José Fialho.
A exclusão destas famílias não aliviou a carga dos tribunais. O que fez foi aumentar as acções executivas por incumprimento da prestação de alimentos. Em três anos, as penhoras a progenitores faltosos aumentaram 91%. Em 2013, houve 1839 acções executivas contra progenitores faltosos. No ano anterior, tinha havido 1200, contra as 1130 de 2011 e as 959 de 2010. “Quando um agregado tem um rendimento que não permite accionar o fundo, a única maneira de fazer face à falta do progenitor que não paga alimentos é a executiva”, explica o procurador Júlio Barbosa.
“Seria injusto que o fundo fosse accionado quando a mãe pode sustentar a criança, mas, mesmo que esta receba um vencimento superior, o pai não fica desobrigado de pagar”, acrescenta. Aqui, a insolvência, o desemprego, o aumento do custo de vida, a existência de outros filhos menores na nova família que entretanto formaram são os argumentos dos progenitores que deixam de pagar a pensão de alimentos. E nos casos em que a via executiva não resolve o problema, desde 2008 que os faltosos arriscam uma pena de prisão que pode ir até aos dois anos. “Era muito comum haver pais que se punham em situação de não ter de pagar alimentos, por exemplo, despedindo-se formalmente, apesar de continuarem a trabalhar”, recorda Júlio Barbosa.
Segundo o procurador, “a via penal é muito eficaz para se conseguir aquilo que não se conseguia pela via executiva, isto é, os acordos para o pagamento em prestações das pensões já vencidas fazem-se hoje à boca do julgamento”.