Patxi, uma voz de hoje e de sempre
Patxi Andión deu no S. Jorge na noite de 5 de Novembro, no âmbito do Misty Fest, um concerto arrebatador e emotivo, justificando plenamente uma noite de sala cheia.
Na década de 70, a editora Le Chant du Monde publicou uma trilogia de discos de um dos cantores portugueses então emigrados, Luís Cília, a que deu o nome de “La poésie portugaise de nos jours et de toujours”. Pois é essa mesma sensação que nos transmitem hoje os concertos de Patxi Andión, cantor de ascendência basca: um hoje que, enraizado no passado, assume a intemporalidade de um amanhã. Talvez porque “todo es porvenir” e isso disse-o ele no seu mais recente disco de estúdio, mas também porque muitas das palavras que escreveu e canta mantêm uma extraordinária actualidade, mesmo aquelas que já lhe ouvimos há mais de quatro décadas. Desta vez em solo absoluto, numa digressão que até agora só lhe trouxe casas cheias: Setúbal, Coimbra, Portimão, Lisboa (este na noite de dia 5, no S. Jorge) faltando-lhe Vila do Conde (dia 7) e Aveiro (8).
No concerto do S. Jorge, Patxi mostrou-se senhor do palco e um sábio doseador do seu próprio repertório. Abriu como abre o seu disco recém-lançado Quatro Días De Mayo (gravado ao vivo em Portugal, em 2011), com 33 versos a mi muerte, ainda o som titubeava, com as cordas da guitarra (sua única companhia em palco, na noite) a sobreporem-se à voz. Isto para continuar com dois temas de Porvenir (Siempre es nunca e Es tan difícil dejar de pensar!) e, já com o som em pleno (um som de sala de notável qualidade, diga-se), percorrer em seguida alguns dos marcos incontornáveis da sua carreira: Samaritana, aplaudida aos primeiros acordes, Canela Pura e Compañera. Já ali se percebera que o que as canções pudessem perder na ausência dos arranjos para grupo ganhariam (como ganharam) na exposição da sua estrutura essencial, da sua raiz.
Depois, e não sendo isto novidade nos seus mais recentes concertos é sempre motivo de atenção suplementar e aplauso, cantou em basco (Trapu Zarrak, do poeta novecentista José María Iparraguirre, que ele muito admira) e em português, um fado de António dos Santos, Minha alma d’amor sedenta (também incluído no disco ao vivo recém-lançado).
E houve “um brinde”, sim, um tema inédito que ele já reservou para o próximo disco (a editar em 2015, se correrem bem os seus planos): No basta um corazón, que nos fala das “manhãs sem despertador” dos desempregados, evoluindo de uma estrutura que nos sugere o Adágio de Albinoni para depois desaguar numa canção madura e pungente.
Como não bastava um coração, veio outro: Maria en el corazón prolongou, no palco, a melancolia sofrida do inédito anterior, agora num encontro impossível algures no Metro de Madrid (“uma canção triste como a esperança, as ilusões, os fracassos e as orações”, escreveu ele no disco Porvenir). Nos passaran la cuenta soou como sempre soa, na sua implacável chicotada na fragilidade humana, e Com toda la mar detrás arrancou à sala, na sua imponência de tragédia piscatória com traços de romance medieval, um mais que merecido “Bravo!” Una, dos y tres teve direito a uma versão mais lenta, semi-recitativa, próxima da atmosfera vocal do cabaré alemão, enquanto Padre, emocionante hino ao idealismo e à honra, escrita e dedicada ao seu próprio pai, fechou oficialmente a noite.
Depois, dois encores prolongaram o excelente nível das anteriores: El maestro, também com direito a uma versão mais pausada mas não menos acutilante; e Verde que te quiero verde, numa homenagem ao seu autor, Federico García Lorca. Patxi abandonou o palco, mas por pouco tempo, incentivado pelos que, de pé, convictamente o aplaudiam. Voltou então para mais dois temas: Veinte aniversario (já a plateia arriscara o sistema “discos pedidos”, gritando o nome de canções como “20 anos!”, que ele cantou, ou “Analie!”) e, no final, Aquí, dirigida, como ele mais uma vez sublinhou, não à totalidade dos ouvintes na sala mas a cada um.
Um óptimo espectáculo de um cantor e compositor que Portugal se orgulha de seguir, com entusiasmo, desde os primeiros passos da sua carreira e que, a cada regresso, justifica plenamente tal orgulho.
Cantando-se, canta-nos a todos nós.