Republicanos preparam-se para gozar uma vitória que lhes pode sair cara em 2016

Sem uma supermaioria de 60 senadores, que poderia alterar de forma séria o equilíbrio no Congresso e perturbar a recta final do mandato de Barack Obama, os republicanos vão continuar a lutar internamente, prejudicando as suas ambições de voltarem a conquistar a Casa Branca.

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Os estados que vão ser decisivos nestas eleições estão mais descontentes com a actuação de Obama Luke Sharrett/Getty Images/AFP

Apesar do infindável número de eleições que estão a ser disputadas nesta terça-feira, tanto nacionais como locais, a mais importante é sem dúvida a corrida à maioria no Senado, a câmara alta do Congresso norte-americano. Na câmara baixa, a Câmara dos Representantes, o Partido Republicano tem a maioria assegurada e a questão é saber se vai conseguir estender essa maioria até ao limite da humilhação política para o Partido Democrata.

No caso da corrida eleitoral mais renhida, para o Senado, as fichas das sondagens estão todas do lado dos republicanos. Devido às peculiaridades do sistema político dos EUA, nem todos os 100 lugares do Senado estão em jogo neste ciclo eleitoral, e o Partido Democrata é quem tem mais a perder com isso - das 55 cadeiras que ocupa actualmente (53 mais duas de independentes alinhados), o partido de Obama tem de defender 21 delas; já os republicanos defendem apenas 15 dos seus actuais 45 senadores. A somar a este cenário, os estados que vão ser decisivos para o resultado destas eleições estão mais descontentes com a actuação de Obama na Casa Branca - em média, a taxa de popularidade do Presidente em estados como Iowa, Arkansas ou Kentucky, por exemplo, fica-se pela casa dos 30%, quando a nível nacional consegue passar a barreira dos 40%.

Na prática, o Partido Republicano precisa de puxar a cadeira a seis senadores democratas para passar a controlar o Senado e meter ambas as câmaras do Congresso no bolso, um cenário que só não está ainda fechado porque ninguém sabe muito bem as implicações dos eleitores de última hora, principalmente entre o eleitorado mais chegado ao Presidente Barack Obama.

Alguns dos principais especialistas em sondagens, como John Zogby, continuam a deixar mensagens de cautela, porque de facto não se pode falar na existência de uma “vaga republicana”, que leva tudo à frente até à retumbante vitória final no Senado. À excepção de um ou outro caso, as corridas que vão determinar a composição do próximo Senado têm diferenças curtas de mais para que os foguetes sejam lançados antes da festa.

“Os resultados ainda não estão fechados. O Presidente é impopular nos estados onde as eleições são mais importantes, mas a taxa de aprovação do Congresso é ainda mais baixa, cerca de 19%. E nem os democratas no Congresso, com 31% de aprovação, nem os republicanos, com 29%, estão propriamente a entusiasmar os eleitores. É por isso que continuo sem ver uma vaga republicana”, diz John Zogby.

Para além disso, “há mais eleitores nos estados decisivos que dizem que vão votar nos republicanos, mas 14% continuam indecisos, incluindo 27% dos independentes”, salienta o fundador da Zogby Polls.

John Hudak, especialista em eleições no think tank Brookings Intitution, diz também ao PÚBLICO que a vitória dos republicanos ainda não pode ser dada como certa, mas admite que “estão numa posição muito mais vantajosa do que os democratas”.

“Não têm uma vantagem substancial nas sondagens, de forma a podermos fazer análises definitivas, mas estão à frente ou empatados em várias sondagens em muitos dos estados que à partida seria de esperar que perdessem”, explica Hudak.

Apesar de todas as cautelas, a pergunta do momento aponta já para a forte probabilidade de o Partido Republicano conquistar a maioria no Senado: “Num Congresso dominado pelos republicanos, qual será a postura do partido nos últimos dois anos da Presidência de Barack Obama?”

Depois da paralisação (shutdown) do Governo dos EUA no ano passado, foram os republicanos que sofreram as piores consequências nas sondagens, com a maioria dos inquiridos a atribuir-lhes a maior quota de responsabilidade pelo impasse no Congresso. A maioria republicana na Câmara dos Representantes ficou refém do movimento Tea Party, mais conservador, e a batalha que se seguiu tornou impossível a aprovação de medidas importantes na agenda da Casa Branca, como a reforma da lei da imigração.

Tal como outros analistas ouvidos pelo PÚBLICO, o especialista da Brookings Institution considera que pouco vai mudar, até porque o Partido Republicano não conseguirá obter os 60 senadores necessários para contrariar um travão dos democratas às suas principais iniciativas - e o Presidente Barack Obama irá certamente vetar muitas das propostas saídas do futuro Congresso.

“Em termos de legislação, vai mudar muito pouco. Os democratas terão a arma do fillibuster no Senado [um procedimento parlamentar que permite adiar ou impedir que uma proposta seja votada], o que irá diminuir a capacidade dos republicanos para aprovarem as leis que realmente querem ver aprovadas. Haverá excepções, em particular nos assuntos em que o fillibuster não pode ser invocado, mas nesses casos qualquer legislação que seja vista como excessiva pelos democratas será vetada pelo Presidente”, salienta John Hudak.

Em termos práticos, o que pode acontecer é um maior volume de “investigações à actuação da Administração Obama”, diz o especialista. “Algumas delas serão sérias, mas muitas serão lançadas por motivos políticos e frívolos. Estas investigações serão coordenadas com outras investigações na Câmara dos Representantes [dominada pelo Partido Republicano] em termos de oportunidade, de forma a aumentar a cobertura mediática.”

Memória curta
A maior responsabilidade atribuída ao Partido Republicano (em particular ao movimento Tea Party) no shutdown do Governo no ano passado, pode levar alguns observadores externos a questionar-se sobre o porquê do provável sucesso dos mesmos protagonistas apenas um ano depois. A explicação é muito simples, diz John Hudak, e não é muito diferente da experiência eleitoral na Europa: “A maioria dos eleitores já se esqueceu do shutdown e das suas consequências. A mensagem [do Partido Republicano] foi mudando porque os acontecimentos foram mudando, e não por causa de uma estratégia política global.”

Talvez por isso - por essa memória curta tantas vezes colada à generalidade dos eleitores -, o senador Ted Cruz, figura maior do Tea Party, apareceu nos últimos dias a defender uma postura de maior confronto num Congresso de maioria republicana. Apesar de ter passado debaixo dos radares durante a campanha, o Tea Party volta a deitar as unhas de fora, e promete continuar a não dar tréguas à ala mais moderada do Partido Republicano.

Numa passagem no fim-de-semana pelo Alaska, onde se joga uma das mais importantes batalhas eleitorais pelo Senado, Cruz voltou a levantar o fantasma da reforma do sistema de saúde e uma das imagens de marca de Barack Obama - afinal, foi esse o principal tema que levou Washington a praticamente encerrar as portas e a deixar de funcionar de forma bipartidária no ano passado.

Os republicanos devem “fazer todos os possíveis para revogar o Obamacare”, disse Ted Cruz, e para “investigar o abuso de poder, o abuso dos poderes executivos e de regulamentação, e a ilegalidade que infelizmente se infiltrou na actual Administração”.

O problema é que o Partido Republicano parece continuar partido em dois, dividido entre carregar no acelerador para uma confrontação aberta e uma postura mais dialogante para atrair o eleitorado que está farto Washington e da sua incapacidade para resolver os problemas mais graves do país.

“O senador Cruz tem estado muito calado nos últimos meses, mas esse silêncio parece estar a chegar ao fim. Compreendo os motivos dele para lutar contra o Obamacare, mas a verdade é que seriam precisos 60 votos para revogá-lo, e os republicanos não vão chegar perto disso. Se o Obamacare continuar a ser o seu foco principal, ele vai conseguir manter as suas bases animadas, mas não conseguirá revogar a lei”, salientou ao The Washington Post Ron Bonjean, porta-voz de um antigo líder da maioria no Senado, o republicano Trent Lott.

É por essa razão que muitos democratas estão divididos sobre o que pensar das eleições desta terça-feira: se, por um lado, é evidente que gostariam de manter a maioria no Senado, por outro lado acreditam que a vitória do Partido Republicano poderá ser um trunfo acrescido para as eleições Presidenciais de 2016.

Sem uma supermaioria de 60 senadores, que poderia alterar de forma séria o equilíbrio no Congresso, os republicanos vão continuar a lutar internamente, com moderados de um lado e o movimento Tea Party do outro, enquanto procuram tornar a sua mensagem mais apelativa ao tradicional eleitorado democrata, que se mobiliza muito mais em ano de eleições Presidenciais. Uma tarefa que não é impossível, mas que poderá fazer com que seja prematuro lançar foguetes mesmo depois da festa que se espera para esta noite.

É esta também a opinião de John Hudak: “Tendo em conta as mudanças demográficas nos Estados Unidos e o alcance limitado da sua mensagem em relação a grupos fundamentais, as hipóteses do Partido Republicano de vencer a eleição presidencial de 2016 são muito inferiores às dos democratas. Não me parece que a retórica do Partido Republicano vai mudar muito nos próximos dois anos - se os republicanos derem uma imagem de que estão a trabalhar com o Presidente, isso irá enfurecer os seus eleitores que votam nas primárias [para a escolha do candidato republicano às presidenciais]; se assumirem uma postura de maior confrontação, vão alienar os eleitores moderados e independentes, cujos votos serão cruciais nas eleições gerais, o que representa um grande desafio para os republicanos nos próximos dois anos.”

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