Inspectores alertam para cortes na PJ que "colocam em causa" o combate ao crime
Investigadores estão em greve ao trabalho suplementar, o que já terá condicionado serviços. Associação acusa ministra da Justiça de falhar promessa de aprovar estatuto da carreira na PJ.
Mas ao PÚBLICO, o Ministério da Justiça adiantou outra versão. Disse que decidiu suspender as negociações relativas à revisão do estatuto “para proteger as carreiras da PJ”, já que, “ao rever os estatutos, no quadro actual, a PJ correria o risco de ser reconduzida ao regime geral da função pública (Lei do Trabalho em Funções Públicas)”. Para o ministério, esta foi uma forma de manter os "direitos e deveres" dos investigadores intactos.
O protesto, contudo, mantém-se apesar dessa explicação. “A greve está a ter uma adesão muito grande. Em algumas áreas de investigação, como a do roubo, droga e a dos crimes sexuais a adesão é de 100%”, salientou o presidente da Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal (ASFIC), Carlos Garcia. O dirigente garantiu ainda que já na madrugada desta quarta-feira a greve terá colocado em causa “alguns serviços”, mas não disse quais.
Questionado pelo PÚBLICO, o director nacional adjunto da PJ, Pedro do Carmo, afirmou apenas que o “direito à greve é um direito que tem de ser respeitado, sendo certo que o seu exercício é susceptível de causar perturbação na realização de algumas diligências”.
Numa carta entregue em mão na segunda-feira à ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, na cerimónia do 69.º aniversário da PJ, a ASFIC avisa ainda que “a PJ tem sido alvo de cortes orçamentais que colocam em causa a sua operacionalidade e por conseguinte o efectivo e frutífero combate à criminalidade mais sofisticada e complexa”. A missiva, garante Carlos Garcia, foi subscrita por mais de 900 funcionários de investigação criminal. A PJ tem cerca de 1300.
Carlos Garcia, que não se refere na carta a qualquer corte previsto no Orçamento do Estado para 2015, já que a mesma foi escrita antes de este ser conhecido, aponta para “os cortes de 60% em bens de consumo” decorrentes de orçamentos anteriores. Na missiva, aliás, os inspectores dizem não aceitar “as condições degradantes em que se trabalha na PJ, com veículos dignos de museus, impressoras sem toners, um parque informático obsoleto (com computadores de refugo de outras instituições do Ministério da Justiça) e um sistema de informação criminal e de intercepções telefónicas a necessitar de urgente intervenção”.
Porém, fonte da PJ adiantou que o equipamento informático foi recentemente renovado com 550 computadores e que à frota automóvel se juntaram 170 novas viaturas. A mesma informação foi confirmada pelo ministério que deu ainda conta da compra de "material de cópia e impressão no valor de 320 mil euros".
Na missiva, a ASFIC queixa-se também que “há mais de cinco anos” que não é “lançado um concurso de promoção” apesar de “todas as aposentações que se têm verificado”. A 1 de Outubro, contudo, quando foi anunciado o pré-aviso de greve, Paula Teixeira da Cruz anunciou também um despacho de autorização para a abertura de novos concursos para 130 novas chefias.
Por isso, a tutela diz que “a questão levantada pela ASFIC é falsa”. O "despacho conjunto” da ministra da Justiça e da ministra de Estado e das Finanças “autoriza a abertura de concursos para 80 inspectores chefes, 40 coordenadores de investigação criminal e 10 coordenadores superiores de investigação criminal”, esclarece o Ministério da Justiça.
Carlos Garcia, porém, considera que a abertura desses concursos "resultou da pressão" de a ASFIC ter então "anunciado a greve”.
O ministério de Paula Teixeira da Cruz insistiu que a PJ "tem excelentes condições de trabalho", tendo sido tem sido "dotada do orçamento de funcionamento adequado ao cumprimento da sua missão". O ministério apontou ainda que "vão tomar posse brevemente 72 inspectores que agora terminam o estágio, bem como 92 funcionários de apoio que irão iniciar funções" em Dezembro, o que já tinha sido indicado ao PÚBLICO por fonte da própria PJ.
Na segunda-feira, o director nacional da Judiciária, Almeida Rodrigues, defendeu a indexação das remunerações dos inspectores da PJ às dos magistrados, recuperando desta forma uma "tradição" que vigorou no ordenamento jurídico durante largos anos. Carlos Garcia diz que isso “é uma boa ideia”, mas que pode ficar apenas no “plano das ideias”, uma vez que não está a ver “como se concretiza”.
A ASFIC já tinha convocado uma greve semelhante no ano passado. Nessa altura, criticava ainda o facto de não estarem a ser pagas as horas extraordinárias. Ainda no ano passado, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, assinou uma portaria em que aumentou para o dobro - três euros por hora – o pagamento por hora dos piquetes e das prevenções.